Coluna

Quase cinco anos depois, veja como caminham processos ligados à tragédia da Kiss – por Luiz Roese

Quase cinco anos depois do incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, muitos processos relacionados ao caso seguem caminhando. Na madrugada de 27 de janeiro de 2013, 242 pessoas morreram e outras 636 saíram feridas após fogos de artifício atingirem o teto da danceteria.

De acordo com a denúncia do processo principal, as centelhas acesas durante o show da banda Gurizada Fandangueira entraram em contato com a espuma inflamável das paredes e do teto, desencadeando o fogo e a emissão de gases tóxicos. Os empresários Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, sócios da boate, o músico Marcelo de Jesus dos Santos e o ajudante de palco Luciano Augusto Bonilha Leão, integrantes do grupo, eram acusados de homicídio duplamente qualificado.

O processo principal (02721300006967) que apura a tragédia já foi instruído, com mais de 200 depoimentos, e o juiz Ulysses Fonseca Louzada, da 1ª Vara Criminal de Santa Maria, assinou em 2015 sentença de pronúncia, levando os quatro réus ao Tribunal do Júri. As defesas recorreram da decisão, e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul primeiro confirmou o júri, em março de 2017, mas retirou as qualificadoras. Depois, com empate de 4 votos a 4, em dezembro de 2017, ficou definido pelos desembargadores que os réus não devem ir a júri popular, ficando com possibilidades de pena menor e om a sentença julgada somente pelo juiz Ulysses Louzada. Agora, recursos contra essa decisão chegarão ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília.

Falsificação para a abertura da boate

Do processo principal, houve a cisão (separação) em relação à acusação de falso testemunho.  Respondiam originalmente a esse processo, por falso testemunho, somente dois réus. Em dezembro de 2014, a Promotoria de Santa Maria fez um aditamento à denúncia oferecida em abril de 2013. Além de mudar a acusação de falso testemunho para falsidade ideológica, o Ministério Público (MP) incluiu outros acusados. A acusação foi baseada no inquérito que investigou uma fraude na “consulta popular”, um documento encaminhado à prefeitura de Santa Maria para regularização da casa noturna em 2009. Segundo o MP, os réus fraudaram esse documento, incluindo assinaturas de pessoas que não moravam a menos de 100 metros do estabelecimento, assinaturas em duplicidade e de pessoas que sequer existiam. Foram incluídas pessoas que assinaram o documento, apesar de não residirem na região da casa noturna. Na ação penal pela falsificação de documentos para a abertura da Boate Kiss, alguns aceitaram a proposta de suspensão condicional do processo, e outros não foram localizados.  No processo 02721300061992, ainda há oito réus. Haverá audiência desse processo no dia 26 de abril de 2018, na 1ª Vara Criminal de Santa Maria.

Único condenado até agora

Em um dos desdobramentos do caso, o ex-chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros de Santa Maria major Gerson da Rosa Pereira foi condenado em 2015 a seis meses de detenção pelo delito de fraude em documentos relacionados ao inquérito policial que apurou as causas do incêndio. Ele também foi condenado a pagar multa. A pena foi convertida em prestação de serviços à comunidade. Atualmente, ele recorre da decisão ao STJ. Já o bombeiro Renan Severo Berleze teve extinta sua punibilidade ao cumprir com as condições da suspensão condicional do processo.

Réus bombeiros

No processo cível 02711300108312, o Ministério Público afirma que quatro bombeiros praticaram improbidade administrativa por terem descumprido regras sobre licença de estabelecimentos. A engenheira do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea) Elisabeth Trindade Moreira estava intimada a depor anteriormente, mas não foi localizada. Agora, sim, ela foi achada pelo Ministério Público. Elisabeth será ouvida em 5 de março de 2018, às 14h, na 4ª Vara Cível de Santa Maria. Na Justiça Militar, em processo relacionado à tragédia, em novembro de 2015, ela ressaltou as falhas no Sistema Integrado de Gestão de Prevenção de Incêndio (Sigpi) e disse que os bombeiros e a prefeitura liberavam alvarás sem plantas. Na época, ela comentou perante o juiz: ”A prefeitura forneceu alvarás com base em um decreto que vai contra uma lei maior”. Elizabeth, que trabalhou um bom tempo na prefeitura de Santa Maria, disse ainda na Justiça: “Quem deveria fiscalizar as reformas (feitas na Kiss) era a prefeitura e que eu saiba não fez”. No mesmo dia 5 de março, às 15h, pelo sistema de videoconferência, será inquirida a testemunha Luiz Carlos Neves Soares Jr., arrolada pelo réu Daniel da Silva Adriano. Ele é subcomandante do 1º Batalhão de Bombeiro Militar (Porto Alegre) e foi chefe de Prevenção de Incêndio do 5º Comando Regional dos Bombeiros (5º CRB), com sede em Caxias do Sul. Nesse processo, quatro bombeiros – o coronel da reserva Altair de Freitas Cunha e o tenente-coronel da reserva Moisés da Silva Fuchs, que foram comandantes regionais dos bombeiros em Santa Maria, e dois ex-chefes da seção de Prevenção a Incêndio do Comando Regional dos Bombeiros de Santa Maria, o coronel da reserva Daniel da Silva Adriano e o capitão Alex da Rocha Camillo – estão no banco dos réus.

Pedidos de indenização

Há ação coletiva 2711300041366, movida pela Defensoria Pública, que pede indenização a vítimas e familiares. Liminar assinada em 2013, pela juíza Eloisa Helena Hernandez de Hernandez, da 1ª Vara Cível Especializada em Fazenda Pública de Santa Maria, manda os sócios da boate, alguns familiares e a própria empresa a pagarem verbas alimentares a quem dependia de vítimas fatais e pensão a sobreviventes que tiverem prejuízo na capacidade de trabalho. A juíza afastou a responsabilidade do município de Santa Maria e do estado do Rio Grande do Sul. Os réus recorreram da decisão, que foi reformada pela 10ª Câmara Cível do TJ-RS. Os desembargadores entenderam ser necessário, primeiro, apontar os sujeitos lesados, o que somente acontecerá na liquidação de sentença em primeiro grau. O entendimento foi mantido pela 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça em 2016.

Já a ação cautelar 02711300067888, também da Defensoria, pede o bloqueio de bens de Eliseo Spohr (pai de Elissandro), e das empresas dele, EJS Participações e Assessoria Empresarial e Novaportal Comércio de Autopeças, para garantia do pagamento das futuras indenizações às vítimas do incêndio. A liminar foi negada pela juíza Eloisa Helena Hernandez de Hernandez em 2013. Atualmente, ainda está em fase de levantamento pericial. Em outubro de 2017, a mesma juíza requisitou ao Banco Bradesco, atual proprietário do Banco HSBC, extratos bancários da empresa Santo Entretenimento LTDA., razão social da Kiss. O processo ainda vai longe na 1ª Vara Especializada da Fazenda Pública de Santa Maria.

Tramitam ainda dezenas de ações individuais, com pedidos de indenização a parentes de vítimas, em varas cíveis e de Fazenda Pública. Uma das autoras, por exemplo, já conseguiu em segunda instância o direito de receber R$ 20 mil. Isso ainda vai muito longe.

Na Justiça Federal

A Justiça Federal já determinou que sócios e administradores da boate Kiss devolvam ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) o dinheiro gasto com benefícios concedidos a funcionários em função do incêndio.

Processos contra pais

Houve quatro processos contra pais de vítimas. Três de promotores. Em julho, foi divulgada a sentença que absolveu o pai de vítima da tragédia da Boate Kiss Paulo Carvalho. Ele respondia por calúnia e difamação, em ação criminal ingressada pelos promotores Joel Dutra e Maurício Trevisan. Nesse processo, ele foi defendido pelo advogado Pedro Barcellos Jr.

Ainda são processados os pais de vítimas Flávio José da Silva, vice-presidente da Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), e Sérgio da Silva, presidente da AVTSM. Eles são acusados de calúnia pelo promotor Ricardo Lozza. A ação tramita na 4ª Vara Criminal de Santa Maria. Sergio é defendido pelos advogados Ricardo Munarski Jobim e Luiz Fernando Scherer Smaniotto.

No processo, Flávio, defendido pelo advogado Pedro Barcellos Jr., requereu a chamada “exceção da verdade”. Ele tentava provar que não caluniou o promotor e que falou a verdade, ao dizer que o Ministério Público sabia que a Boate Kiss funcionava em situação irregular.

No julgamento da “exceção da verdade”, o placar final foi de 20 votos a 2 contra o pai. Agora, o advogado Pedro Barcellos Jr. apresentará um recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília. Só chegará lá se o TJ/RS admiti-lo. Então, vamos aguardar. Lembrando que o Judiciário gaúcho está em recesso até 6 de janeiro.

Ainda era processada Irá Mourão Beuren, a Marta, mãe de Silvio Beuren Junior, o Silvinho, que morreu na tragédia da Boate Kiss aos 31 anos. Ela foi inocentada no processo cível que sofria por injúria, difamação e falsidade ideológica. Marta foi processada pelo promotor aposentado João Marcos Adede y Castro e pelo filho dele, o advogado Ricardo Luís Schultz Adede y Castro. O processo foi instaurado devido a um artigo publicado no jornal Diário de Santa Maria, de autoria de Irá. A ré foi defendida pela advogada Patrícia Michelon.

Expediente arquivado contra o prefeito

Em julho de 2013, a pedido do Ministério Público, a 4ª Câmara Cível do TJ/RS determinou o arquivamento do expediente contra o então prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer, que virou secretário estadual de Segurança. Sendo assim, ele não responde a processo algum por conta da tragédia. Por entender que agentes públicos devem ser responsabilizados, uma petição foi dirigida pela Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes de Santa Maria (AVTSM) à Organização dos Estados Americanos (OEA), pedindo a responsabilização do Estado brasileiro por violação dos direitos humanos.

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