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Condenados – por Pylla Kroth

“Não. Não gosto. Eu não gosto”. “Por que?”, perguntava a mãe do menino. “Porque não”, afirmava ele, e a mãe lhe respondia que simplesmente “porque não” não era resposta. Mas essa era a resposta que a mãe não aceitava sem uma boa explicação e ai ficava aquele clima, o garoto emburrado, “de beiço” e a mãe com cara de braba ao seu lado. Esse guri era eu.

O tempo passou e até hoje tem palavras das quais não gosto, isso eu já falei em várias crônicas por aqui. Mas hoje vou explicar o porquê de não gostar especificamente de uma palavra, pois vou “tentar” aceitá-la e explorá-la: “CONDENADO”. Essa palavra não me traz boas lembranças mesmo.

Quando eu tinha aproximadamente 10 anos ouvi pela primeira vez essa famigerada palavra, ou pelo menos entendi o significado dela de maneira menos abstrata.

Havia um cachorro na vizinhança diferente dos que eu tinha. Este cresceu mais rápido e tinha uma habilidade e inteligência diferente dos meus “guaipecas”, era um Pastor alemão muito dócil que topava qualquer parada com a meninada. Um tipo Rim-tim-tim – os mais velhos irão lembrar. Seu nome era Sultão.

Acontece que fizemos um circo de apresentações no lugarejo onde cresci. Fora o cachorro, éramos três meninos sapecas aptos a desenvolver nossas habilidades. Um gostava de cantar, o outro dançava e imitava vozes e fazia mímicas e o outro era um exímio “pulador”. Construímos tudo em uma clareira no meio do mato, com todo cuidado, pois até cercamos e cobrimos com lona, fizemos arquibancadas, picadeiro, etc.

O Circo era chamado “Gran Circo Erni – Paulo e Pylla”. Que doce lembrança! A meninada que não era pouca nos arredores apareceu para o dia da estréia. O melhor número era junto com o Sultão no trapézio. Tudo parecia bem no dia da estréia no picadeiro, até aparecerem as mães da meninada e ao presenciarem as acrobacias se puseram a gritar com as mãos na cabeça interrompendo as apresentações, alegando que aquilo iria terminar com alguém de pescoço quebrado.

Nosso Circo e nossa alegria foi condenada e tudo foi desmontado no mesmo dia pelo pai do meu amigo Erni, seu Adão. Os dias ficaram tristes, mas fazer o quê? Nosso circo foi condenado a desaparecer. Nos dias seguintes, estávamos brincando às escondidas, ensaiando nossos números com o Sultão, quando ao deitar ao lado do dog percebi alguns caroçinhos em sua pele e, como ele era dócil, fui apalpando e vi se tratar de uma bicheira. Apertei perto do rabo e saltou um “berne”, mais embaixo outro, nossa mãe ! ele estava todo bichado e ninguém havia percebido!

O jeito foi avisar Dona Glória, mãe do Erni, que devido ao estado avançado da bicheira nada mais pode fazer a não ser deixar o pobre Sultão agonizar de dor. Todos os dias eu ia ver o meu amigo cachorro, ele me olhava com uma cara triste e gemia baixinho. Até hoje me pergunto por que não foi tratada a bicheira do nosso amigo, mas fato é que certo dia a Dona Glória ao ver o cachorro sofrendo e ao ver seu marido chegando em casa falou em voz alta: “Este cachorro está condenado”.

Foi o tempo deste entrar em casa, pegar o revolver e com as mão trêmulas pediu que me retirasse dali pra execução do nosso amigo Sultão. Foram  dois ou três estampidos cruéis. Corri para os fundos da casa para chorar. Depois dos tiros houve um silencio impiedoso. Eu ali atrás da casa engoli meu choro. Quando olhei para o lado, uns metros longe de mim, chegava o autor dos disparos que sem se conter e aos prantos ergueu as mãos para o céu e pediu desculpas – oh,  deus- complementando que o pobre cachorro estava condenado. Eis a palavra cruel. Condenado.

Na verdade, não faz muito tempo, outro cachorro meu também foi condenado e executado na minha frente pelo veterinário que me confessou não ter outra saída para o pobre bichinho se não a eutanásia, e assim agora eu maduro resolvi olhar bem nos olhos de meu fiel amigo, agradecê-lo pelos ensinamentos, dar meu último adeus. Tratava-se de uma doença incurável, ou partia, ou ficava sofrendo e definhando até a morte.

Portanto estou tentando explicar o porquê de “não gosto”. E digo “por que não”  é resposta sim. E ultimamente os homens têm usado muito a condenação para outras coisas que para mim também são doenças. A doença de condenar.

E para terminar, estou quase convicto que fomos todos condenados em outras vidas para viver aqui no mundo de hoje. Será que fomos tão cruéis assim em outras vidas para estarmos condenados a viver neste inferno? Dizem que daqui só sairemos depois de acertarmos nossas contas. E quem já quitou partiu para o mundo dos justos. Será?

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a imagem que ilustra esta crônica é uma reprodução da internet.

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