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Um mundo perdido – por Pylla Kroth

Há tempos, durante minhas andanças em minhas “tocatinas” conheci um amigo chamado Glitx, um garçom braço direito de um empresário proprietário de um bar e restaurante e de uma casa de espetáculos localizada no litoral catarinense, onde minha banda costumava se apresentar, às vezes por uma temporada inteira de verão.

A casa do dito proprietário servia de QG para a banda e era por lá que nos hospedávamos. Eram tempos das “vacas gordas”, como diz o dito popular. O Glitx tinha umas palavras chaves que, quando ele queria opinar sobre algum assunto sem se estender muito no discurso, resumia seu pensamento em poucas palavras, numa frase simples de um jeito até cômico: “este mundo está perdido!”.

Dizia esta frase com tanta freqüência que era a marca registrada dele, parecia às vezes dizer até no modo automático. E quando o caso era de um assunto mais drástico, às vezes também juntava uma segunda frase: “o sentimento não é mais o mesmo.”

Enquanto escrevo esta lembrança, quase posso vê-lo na minha frente, colocando as moedinhas que ganhara junto às gorjetas na noite embaixo de um sapo de porcelana que considerava seu amuleto da fortuna e dizendo: “e vocês aqui na praia e dormindo até esta hora em vez de acordarem cedo e irem aproveitar o Mar? Este mundo está perdido mesmo!”

Era sempre assim, qualquer coisa difícil de entender ou que fugisse do comportamento descomplicado e agradável no roteiro daquela vida praiana de trabalhar e curtir o que de melhor o dia e o lugar paradisíaco pudessem oferecer, era “este mundo está perdido!”. Mas não dizia em tom de protesto veemente, nem como se fosse uma crítica severa, não. Era com tamanha calma e naturalidade que parecia ser quase apenas uma constatação penalizada, um suspiro, a despeito do contexto catastrófico que a frase pudesse sugerir. “Este mundo está perdido…” E segue o bonde. Ou melhor, o barco, já que no mar não tem bonde!

E assim comecei minha crônica, sem saber ao certo por onde começar, lembrando da frase e do personagem, quando desejava abordar determinado assunto que venho matutando a respeito nos últimos dias e que só me faz pensar isso, que este mundo está perdido. Pois não consigo achar aceitável ou sequer normal as pessoas odiando e espalhando o ódio, um ódio negativo que sempre é dirigido “a outras pessoas” e que se alastra principalmente nas formas virtuais de “convívio social”.

É necessário, na minha opinião, rapidamente haver uma conciliação entre as pessoas que, sem se dar conta desse veneno estão se auto destruindo de dentro pra fora por motivos bizarros e que, dependendo da análise e ponto de vista, podem ser considerados até mesmo fúteis.

Isso corrói corações e mentes e é a razão da amargura. Quem me conhece sabe que sou da geração Paz & Amor e tem me deixado muito triste o que tenho presenciado nos círculos sociais que convivo, sejam os virtuais ou os presenciais.

Há alguns dias atrás, por exemplo, fui convidado para um jantar de aniversário, o que era pra ser um momento de descontração e confraternização em que bastou alguém falar a respeito do valor do ingresso de um show que estaria acontecendo na cidade, o qual considerava um absurdo, que começaram os ataques. E lá se foi o papo descontraído e a carne saborosa que estava sendo servida.

Parecia um campo de batalha. Armados até os dentes, e já, já, de um simples comentário, dali a pouco já estavam noutro patamar mais avançado, já se definindo como de um lado os “coxinhas” e de outro os “Petralhas”. Não vou entrar no mérito de que lado eu estava, o certo é que eu estava no bolo e o único jeito de escapar da situação antes que a coisa ficasse feia foi fingir que iria ao banheiro e aproveitar para sumir.

Afinal a ocasião não era para debates e mesmo saboreando uma carne boa, o que eu adoro, me veio a mente a frase “melhor verduras nas refeições onde há amor, do que boi gordo acompanhado de ódio”, como diria um velho jornalista amigo.

Lembro-me de um tempo não muito distante, logo após o regime ditatorial do Brasil, onde adversários políticos não passavam de adversários, eram amigos e até compadres. Sempre com a “porta” aberta ao bom diálogo e isso era até gostoso. Um belo debate. Quem tinha lido mais livros de história costumava se sair melhor, as agressões eram exceções e, repito, isso era logo após a ditadura, vejam bem! Alguma coisa daqueles tempos sombrios o povo tinha aprendido, ou seja, conviver melhor em sociedade mesmo com nossa diferenças, pois durante algum tempo havia se perdido a liberdade de expressar livremente ideais diferentes e mesmo controversos, o que então foi a duras penas reconquistado e devia ser valorizado.

Pois é… E agora, em plena democracia, a mesma reconquistada a duras penas, onde o direito à livre expressão de nossas idéias e convicções existe e é assegurado pela nossa Constituição, instaurou-se uma espécie de rígida censura que nem sequer é governamental, que são as pessoas vigiando umas as outras, censurando, gritando, protestando, agindo como habitantes de uma espécie de “brucutulândia” onde quem expressa idéias e opiniões diferentes da sua é considerado seu inimigo, é excluído, deletado, apartado e outros verbos no particípio da rede social, por exemplo.

E há ainda daquelas pessoas que, por saberem disto, para não provocar a desinteligência desnecessária, acabam se calando e nada dizendo, não participando nem sequer opinando ou se manifestando, servindo-se dos verbos no gerúndio da mesma rede. A coisa anda braba mesmo, minha gente. Agora é “nós contra eles”! As criticas deram lugar a agressões. Um sabe melhor que o outro, ou quer ser mais esperto. Quando na verdade todos sabemos que quem ta pagando o “pato” somos todos nós. Uma verdadeira degeneração de relações amigas de décadas.

Cheguei assim à triste conclusão de que a internet, que veio trazer as facilidades da comunicação instantânea e uma liberdade aparentemente tão grande de expressar e difundir nossas idéias para o mundo inteiro ver, ouvir ou assistir se tornou o grande instrumento responsável, gerador desta nova espécie de guerra civil.

Aqui nesta tela do meu computador o que mais vejo é uma falta de respeito entre todas as classes , algumas mais atingidas que as outras, dado seu grau de intelectualidade. Todos postam e se acham no direito de expor o que pensam, sem se preocupar com o uso adequado das palavras na maioria das vezes. A privacidade acabou, foi para o brejo!

A violência com que falam extrapolou seus limites. Enquanto isso, no poder federal a arma é a tesoura, retaliações dilaceradoras, nem sequer pela defesa da instituição e da nação, mas roteiro de um show de egocentrismo, vide o presidente em exercício e sua patota, incluindo sua esposa recatada do lar. Nada mais é bondoso vindo do governo, e tolos são os que se fazendo cegos a esta realidade fartam-se de agredir ao próximo como se não estivessem tão prejudicados quanto este!

Acho mesmo é que meu amigo Glitx é quem está certo em sua colocação: este mundo está perdido. Mas o meu adendo seria “estamos todos perdidos, nossos sentimentos não são mais os mesmos!” E é bom também lembrar do que dizia o poeta:  “o limite de tudo que se discute pertence a fronteira daquilo que se respeita”.

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