Coluna

O discreto charme da crueldade – por Bianca Zasso

O cineasta sul-coreano Chan-wook Park divide com seus conterrâneos a paixão pelo tema da vingança. Por mais que tenhamos exemplares muito interessantes que abordam a fúria violenta utilizada para destruir o inimigo, Park ainda é soberano na lista com a sua trilogia formada pelos impecáveis Mr. Vingança (2002), Oldboy (2003) e Lady Vingança (2005). Parecia um triângulo fechado, até chegar o Festival de Cannes de 2016. Corta-se uma das pontas e voilá, eis um quadrado fantástico com a chegada de A Criada.

Premiado como melhor direção artística, o filme causou alvoroço entre a crítica e o público. Não que isso tenha acontecido pelos motivos certos, já que o que mais se comentava nos corredores do balneário francês eram as cenas de sexo envolvendo as atrizes Min-hee Kim e Tae-ri Kim.

Não que esta colunista seja puritana, longe disso. Park conseguiu emular a mesma elegância cruel do clássico O Império dos Sentidos, de Nagisa Oshima e em nenhum momento se deixou levar pelo puro voyeurismo. O sexo é personagem em A Criada, utilizado tanto visando o prazer quanto a dissimulação. Todos no filme dissimulam. Nenhum beijo ou toque é vazio de sentido.

Porém, A Criada oferece muito mais que um deleite aos olhos proporcionado pela beleza de suas protagonistas. A verdadeira característica irresistível das personagens é o poder de conseguirem o que querem, não importando a legalidade de seus atos. A reconstituição da Coréia dos anos 30, ainda sob ocupação japonesa, une verossimilhança e criatividade.

Os tons de verde e azul, pincelados por detalhes em vermelhos (sem dúvida uma cor importante para o universo do diretor) presentes nas cenas internas, constroem uma atmosfera claustrofóbica que reflete a alma de Lady Hideko, a garota educada para ler contos eróticos pelo tio que usa métodos de tortura para que a sobrinha atinja a perfeição.

A moça quer a liberdade e pensa tê-la encontrado ao se aliar ao vigarista Fujiwara, interpretado pelo ótimo Jung-woo Ha. O plano é simples: ele trará uma nova criada, Sookee, que pensa que irá tirar vantagem da fortuna de sua patroa, para interná-la em um sanatório e permitir que Hideko assuma sua identidade e possa abandonar o tio e suas taras. Quando tudo isso se concretiza dentro da trama, Chan-wook Park faz o coração da plateia disparar ao fornecer uma nova informação: nem tudo aconteceu como parece.

Spoiler? Longe disso. Obter essa informação antes de assistir ao longa não estraga a experiência. Park não é do tipo que quer provocar surpresas baratas, dessas que a gente solta um oh! e depois da sessão já não acha tanta graça. A Criada é filme para inebriar nosso olhar e mexer com nossos sentidos. Ficamos hipnotizados, tal como os senhores de roupa de gala que pagam fortunas para ouvir Hideko ler com sensualidade histórias que envolvem dominação e objetos sonoros.

No fim, vence o amor, exaltado na cena final, considerada dispensável por alguns críticos. Talvez a aversão seja fruto da dificuldade que é para algumas pessoas contemplar duas mulheres livres e felizes. Hideko e Sookee são anti-heroínas que merecem ser exaltadas. Mais duas ladies vingança para a coleção de Park.

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