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CRÔNICA. 10% de brasileiros mais ricos respondem por 51,5% da desigualdade, escreve Orlando Fonseca

Desigualdade            

Por ORLANDO FONSECA (*)

Pirâmide social é um termo usado por economistas e sociólogos para explicar as assimetrias sociais em uma sociedade dividida em classes. Porque, dada a complexidade do tema, por vezes é preciso desenhar para que a maioria entenda.

No Brasil, esta figura sóciogeométrica é peculiar pois, entre o topo e a base, a diferença é significativa, uma vez que aponta uma desigualdade pior do que a dos EUA, Alemanha e Grã-Bretanha, para ficar entre os mais ricos (que servem de exemplo pra muita gente).

Segundo um estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea), os 10% mais ricos da população brasileira respondem por 51,5% da desigualdade de renda total do país, uma das mais altas do mundo.

Essa desigualdade não é porque os ricos ficam mais ricos porque sabem ganhar mais dinheiro. Também não o é porque os mais pobres ficaram mais pobres  por não saberem ganhar dinheiro, são “indolentes”, não querem trabalhar. Mas é sobretudo porque há uma concentração de renda nas camadas mais altas. Isto é uma platitude, óbvio, basta olhar os números com atenção. E desenhar o resultado para ver com clareza.

O Estado como mediador das políticas sociais é responsável por garantir que assimetrias como esta não se tornem tão agudas quanto as que vemos. Se estamos em um regime capitalista, no qual os meios de produção estão na mão da iniciativa privada; se o que rege a evolução do capital são as leis do mercado, não é o Estado que deve operar no sentido de garantir o rendimento dos empreendedores privados.

O Estado deve ser um moderador, para garantir que aqueles que só podem contribuir na formação da riqueza com sua força de trabalho – e não com capital – não tenham suas condições de vida degradadas com políticas que privilegiem o ganho no mercado de capitais.

Se é responsável pelo equilíbrio das contas, também o é nas garantias sociais. No entanto, o brasileiro é sufocado pela massiva informação tendenciosa a favor do rentismo. Enquanto alguns apontam as políticas de renda mínima como um gasto excessivo, responsável pelo desajuste fiscal, esquecem de botar na conta os investimentos na produção, a juros subsidiados com o dinheiro público (arrecadado de toda a população), que é um aporte de recurso que também impacta as contas públicas.

O apelo para que se sacrifiquem os salários dos servidores públicos esconde a intenção de que haja mais verba para os investimentos privados.  Trata-se de uma falácia que seja papel do governante garantir emprego e renda. O volume do lucro é muitas vezes maior do que o resultado social desta política.

Se colocarmos na conta a inadimplência a sonegação (absurda, basta consultar o site do Sinprofaz) e os desvios de toda ordem (se existem corruptos é porque existem os corruptores), vemos que são os mais pobres os que não têm a devida proteção do Estado (embora a propaganda oficial).

Pesquisas mostram que, desde o início do século até 2014, houve uma queda considerável na desigualdade, segundo dados obtidos com a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios/ IBGE) anual, os dados mais usados até então para acompanhar o fenômeno. Análises de especialistas sobre esses dados destacam o papel das políticas sociais, como os aumentos reais de salário mínimo e de benefícios atrelados a eles para justificar o recuo da desigualdade.

Todos sabemos, não há fórmula mágica para combater a desigualdade. É necessário um conjunto de políticas muito grande, mantido de maneira persistente para que, de fato, haja uma redução da desigualdade.

Para isso, é preciso vontade do gestor público e uma força de mobilização popular na mesma direção. Exige esforço e sabedoria (produto cada vez mais escasso, por vezes, nem desenhando).

(*) ORLANDO FONSECA é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e  Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a imagem que ilustra esta crônica é de Wilson Dias, da Agência Brasil.

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2 Comentários

  1. Juros subsidiados lembra BNDES. Que lembra Dilma, a humilde e capaz, e o Molusco. Lembra JBS. Lembra Eike Batista.
    Sistema financeiro. Tem distorções, mas é sintoma. Não vale a pena discutir, é assunto complexo e dominar completamente talvez só o pessoal envolvido diretamente.
    Conta da sonegação é uma piada, fizeram uma conta bonita e chutaram 10% do PIB.
    Teoria da conspiração, sempre existe ‘uma montanha de dinheiro’ em algum lugar que vai resolver todos os problemas. Geralmente não é nem uma coxilha e não vai resolver problema nenhum.
    ‘Rentismo’ é a noção de que as pessoas depositam dinheiro no banco, ele é colocado num cofre e uma vez por dia vai alguém lá e joga fermento para ele crescer. Exploração da ignorância alheia.
    A Bolsa de Valores de Shanghai na China funciona desde 1990. A URSS nunca teve mercado de capitais. Cuba não tem bolsa, mas existe um fundo (CEIBA) que é listado na de Londres, controla o mercado imobiliário na ilha.

  2. Falácia antiga: ‘desigualdade é grande no Brasil, logo não podem mexer no salário do funcionalismo público’.
    Vejamos outras estatísticas. IBGE. Renda do 1% mais rico é 36 vezes a do mais pobre. Qual o valor da renda do mais rico? Vinte e oito mil reais. Muitos salários iniciais em carreiras da União partem de 22 mil reais.
    Valores médios. PNAD Continua. Salário médio do empregado do setor privado (excluindo doméisticos): 1950 reais. Trabalhador doméstico: 900 reais. Salário médio do setor público: 3581 reais, ou seja, mais de 80% acima do setor privado. Ou seja, só se descobre quem está nadando pelado quando a maré é baixa.

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