ComportamentoCrônica

CRÔNICA. Pylla Kroth e a verdade sempre difícil de aceitar a respeito de nós mesmos. Seremos otários?

Bando de Otários?

Por PYLLA KROTH (*)

Existe uma canção de uma banda de rock gaúcho muito conhecida que em sua primeira estrofe já sai dizendo: “Muito prazer, meu nome é otário (…)”

Na primeira vez em que a escutei, me atendo superficialmente à letra, pensei com revolta no absurdo que era aparentemente incentivar o ouvinte a gostar daquilo e sair por aí reproduzindo esta frase, chamando a si mesmo de otário. Uma palavra tão pejorativa no meu entendimento, normalmente usada para xingar e reprovar uma pessoa medíocre, tola ou incapaz. Eu não! Não sou isto, pensei, não quero ser isto, nem tampouco conheço alguém que gostaria de ser assim chamado e muito menos chamar a si mesmo desta forma!

Somente mais tarde eu viria refletir sobre a canção e chegar à conclusão de que, na verdade, existe uma profundidade interessante nela, até mesmo certa genialidade, e aí eu tive de concordar que “tudo bem, seja o que for, seja por amor às causas perdidas!” e me desculpei comigo mesmo por pensar mal do compositor, impetuosamente, naquele primeiro momento de leitura rasa.

Atualmente, porém, às vezes fico refletindo sobre a realidade cotidiana, sobre o mundo em que vivemos, sobre o tipo de sociedade na qual estamos inseridos, sobre os comportamentos sociais e individuais e até sobre minhas próprias vivências e mal contenho um suspiro exausto e desalentado e tudo o que consigo pensar, algumas vezes, é: “que bando de otários somos nós!”

Sim, amigos, um julgamento duro, talvez, capaz provavelmente de causar revolta em quem esteja lendo minhas palavras neste momento. Não sei. Mas a verdade normalmente é dura, difícil de engolir, muitas vezes inaceitável, quase sempre ríspida e inflexível, quase nunca muito agradável de ouvir.

E esta é uma verdade, infelizmente, pelo menos no meu entendimento. Uma das muitas verdades possíveis sobre o comportamento humano, o qual muito se tem estudado neste mundo há centenas e centenas de anos, a respeito do qual não tenho idéia quantos livros e teses e teorias foram escritas e propostas, nem quantos filósofos, pensadores, estudiosos, teóricos ou até mesmo homens comuns refletiram ao longo das eras. Para mim parece tão óbvio e simples: somos otários! Ou pelo menos temos uma capacidade enorme de ser!

Somos otários, creio eu, quando somos incapazes de perceber até mesmo nossa própria mediocridade, nossa pequenez insignificante diante de coisas realmente grandes como o próprio universo, por exemplo, no qual estamos inseridos e existimos dentro deste minúsculo planetinha azul habitável que também é tão, mas tão pequeno que não passa de poeira cósmica dentro de um todo que é, na verdade, até mesmo para os maiores intelectos de nossa espécie, simplesmente imensurável!

Somos otários, ainda, quando, não percebendo isso e nem sequer nos dando ao trabalho de refletirmos a respeito, “nos achamos” tão incríveis e capazes que temos a empáfia e a ousadia de “meter o bedelho” e “dar pitaco” na vida e no comportamento do alheio, como se o nosso comportamento e a nossa maneira de ver e levar a vida fosse a correta e a superior, aquela que deveria ser seguida como modelo.

Somos otários principalmente quando não temos conhecimento de causas mínimas e achamos que não há mais nada a ser aprendido, estudado ou modificado em nós mesmos, e que as nossas concepções e conceitos já estão prontos e definidos. E aí ficamos mais otários ainda por que deste modo desenvolvemos os preconceitos, e estes talvez constituam a mais terrível das doenças da humanidade.

E quando falo de preconceitos não me refiro a um tipo específico; não falo apenas de racismo, ou radicalismo, ou machismo, ou xenofobia, ou misoginia, ou homofobia, ou transfobia, ou deste ou daquele “-ismo” e de outras tantas “-ias” infelizmente comuns e dos quais tanto ouvimos falar o tempo todo, inclusive com novas terminações surgindo a todo o momento de um modo que até nos confundem.

Não falo apenas das intolerâncias de todos os tipos imagináveis e com todos seus potenciais nocivos e destrutivos. Falo de toda e qualquer idéia pré-concebida em nossas mentes, com base nas regras e conjuntos de comportamentos comuns observados pelos grupos dentro dos quais ou crescemos, ou fomos criados, ou com os quais convivemos diariamente e que não refletem exatamente a realidade dos incontáveis outros grupos dos quais nosso grande, imenso mundo é composto, o qual possui possibilidades e subjetividades cuja existência nem imaginamos. Somos otários, então, quando fingimos ignorar nossa própria ignorância!

“Aerodinâmica num tanque de guerra, vaidades que a terra um dia há de comer, “Ás” de Espadas fora do baralho, Grandes negócios, pequeno empresário(…)” vai dizendo a canção, e eu só consigo pensar no quanto somos otários quando ficamos alimentando nosso “ego” com as nossas verdades individuais, nos achando os “reis da cocada” e na verdade sendo o bichinho dentro de sua pequena goiaba, ignorando que ela é só mais uma pequena fruta bichada numa grande árvore de muitos, muitos ramos cheios de outras frutas! E que só conseguiremos, talvez, nos livrarmos desta pecha desagradável de “otários” quando entendermos verdadeiramente o significado do infinitamente pequeno mas imensamente poderoso da liberdade oculta e o direito de sermos, todos, aquilo que nos faz mais humanos sem interferir no mesmo direto e na mesma liberdade e na humanidade do nosso próximo!

Espero que isso aconteça e logo! Sem ódios e sem rancores, se possível. PONTO.

(*) PYLLA KROTH é considerado dinossauro do Rock de Santa Maria e um ícone local do gênero no qual está há mais de 35anos, desde a Banda Thanos, que foi a primeira do gênero heavy metal na cidade, no início dos anos 80. O grande marco da carreira de Pylla foi sua atuação como vocalista da Banda Fuga, de 1987 a 1996. Atualmente, sua banda é a Pylla C14. Pylla Kroth escreve às quartas feiras no site.

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: A ilustração que você vê aqui é uma reprodução de internet.

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