Claudemir Pereira

ARTIGO. Delegada Débora Dias e a desconstrução de valores provocada pela mídia ao idolatrar criminosos

A irresponsabilidade de glamourizar o crime

Por Débora Dias*

O crime como manchete de jornais, de televisão, da mídia em geral para chamar a atenção, não é novidade. O crime instiga, aguça a curiosidade e arrisco dizer que tem um certo fascínio na tentativa de entender o “humano” sob o prisma da perversidade. Assim, esse aspecto da violência do ser humano, da crueldade de seres que não são tão humanos assim, despertam, para muitos, o desejo de saber mais. Mas, por outro lado, é questionável, sob o meu ponto de vista, é a idolatria de crimes e, por consequência do criminoso. Nessa semana passada, foi notícia nas redes sociais a possibilidade da Rede Globo fazer um série sobre o assassinato de Eliza Samúdio, teria comprado os direitos autorais do livro O indefensável: o goleiro Bruno e a história da morte de Eliza Samúdio, de autoria de três jornalistas. E, ainda, há notícias que dão conta de que uma das cenas iniciais da série seria a de cachorros da raça pit bull devorando supostamente o corpo de Eliza. Que tipo de sociedade construímos quando atropelamos a dor alheira para obtermos lucros? E, até que ponto tornar criminosos astros de uma série televisiva contribui para a (des)educação de nosso povo?

Nesse artigo me proponho a também não citar o nome dos criminosos, além do que já foi referido (nome do livro) que já tiveram bastante destaque a mídia nacional, não serei eu a referir novamente os nomes dos envolvidos. Mas o caso ocorreu em 2010, quando Eliza Samúdio, 25 anos de idade, tinha um filho com o ex-goleiro do Flamengo, um de seus algozes e, ainda, já havia um histórico de violência doméstica contra o assassino, inclusive com registro em delegacia especializada. A vítima foi morta e seu corpo nunca foi encontrado. O ex-goleiro do Flamengo foi condenado a 20 anos e 9 meses de prisão. O filho do casal hoje tem quase 10 anos de idade.

A mãe de Eliza entrou na justiça com ação para impedir a gravação da série, pensando na saúde mental do neto. Assiste a ela toda razão. Mas, o desrespeito e o dinheiro falam mais alto, e não venham dizer que se trata de um documentário, etc, é uma série sensacionista, medíocre e que visa lucros, e o pior disso tudo, vai ter público, sem se sobrepesar as consequências morais e psicológicas da família da vítima. Destarte, isso é arte ou ainda, quais os efeitos pedagógicos de tamanha “arte”?

Dentro dessa discussão poderíamos citar vários exemplos em que a mídia de um modo geral, e não somente a Rede Globo, agiu de forma a fazer do crime um show e do criminoso seu ator principal, tudo isso para gerar lucros, sem pensar em um só momento nas vítimas e suas famílias. Penso na entrevista dentro de um Lindemberg Alves, assassino de Eloá, de 15 anos de idade, o qual foi entrevistado ao vivo por um programa de televisão, enquanto mantinha no cárcere a adolescente Eloá, em seguida morta. Ainda, vários programas de televisão entrevistaram Guilherme de Pádua, assassino de Daniela Perez, assim como Suzane Richthofen, uma das mentoras intelectuais do assassinato cruel de seus pais teve um programa exclusivo de entrevistas, com o apresentador Gugu Liberato.

E assim o é. Os criminosos se tornam atores principais de uma mídia de desconstrução de valores, isso considerando a informação passa para o espetáculo vergonhoso de atribuir glamour ao criminoso sem o menor pudor, em rede nacional, desrespeitando os familiares da vítima e mais uma vez, criando no imaginário popular que o crime pode até compensar sim, afinal os criminosos têm suas ações criminosas transformadas em “arte”, é o sucesso, mesmo que de anti-herói, mas isso é só um detalhe, que pode até passar despercebido.

*Débora Dias é a Delegada da Delegacia de Proteção ao Idoso e Combate à Intolerância (DPICoi), após ter ocupado a Diretoria de Relações Institucionais, junto à Chefia de Polícia do RS. Antes, durante 18 anos, foi titular da DP da Mulher em Santa Maria. É formada em Direito pela Universidade de Passo Fundo, especialista em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes, Ciências Criminais e Segurança Pública e Direitos Humanos e mestranda e doutoranda pela Antônoma de Lisboa (UAL), em Portugal.

Observação do editor: Na imagem que ilustra este artigo, uma foto de Eliza Samúdio. Crédito: Divulgação.

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7 Comentários

  1. Eu gostaria de um artigo explicando a lógico dos crimes relacionado a comunidade LGBT.
    Quando é contra um travesti, nascido masculino, mas que vive com aparencia feminina: é feminicidio?
    Quando um casal homosexual de duas mulheres, uma feminina e outra não, se a feminina for morta a outra será acusada de feminicidio?
    E se a feminina matar a outra, uma mulher, será feminicidio?
    E num casal de dois homens, um com papel feminimo, se ele for morto pelo companheiro? Será feminicidio?
    E se a Thamy Gretchen matar a companheira? Será feminicidio?
    E se a companheira matar a Thamy Gretchen? Será feminicidio.

    O que caracteriza feminicidio? Somente quando um homem, nascido e de aspecto, atitudes masculinas no dia a dia matra uma mulher, nascida feminina e com aspecto/atitudes femininas no dia a dia?
    E se na noite os papéis se invertem.
    Gostaria de ser esclarecido.
    |Parece que tem homem morrendo sofrendo feminicidio (travestis) e parece que tem mulheres (masculinas) não sendo acusadas de feminicidio quando matam outras mulheres.

    Peço perdão se usei alguma expressão agressiva. Chamar de homem feminino ou mulher masculina eu tirei da canção do Pepeu Gomes, ser um homem feminino, não fere meu lado masculino.

    Muito dificil tratar e se esclarecer neste tema, pois pessoas podem se sentir desconfortáveis na pergunta, por isto peço esclarecimento e até mesmo correção por algo, desde já pedindo perdão e corrigindo no futuro.

  2. Teve o Macarrão e mais um. O goleiro famoso pode e três de outros Crimes podem ser explorados a vontade, até no presente artigo.
    Por que dar destaque a Lindemberg Alves, Suzane Richthofen e o Ator Guilherme de Pádua?
    A critica seria para evitar mídia e destaques mas de UM caso surgiram mais 4 neste artigo.
    Goleiro pode ter mais e mais referencia, até pela profissão de outrora, já o Macarrão fica no anonimato.
    Estranha a lógica. Critico a citação e cito. Não falo por mim, pois o nome dos canalhas deve ser lembrado sempre.

  3. Quando falei em não citar nome “dos criminosos” estava me referindo aos nomes dos envolvidos no caso de Eliza Samudio.

  4. ” O indefensável: o goleiro Bruno e a história da morte de Eliza Samúdio”

    “Nesse artigo me proponho a também não citar o nome dos criminosos, além do que já foi referido (nome do livro)”

    “Penso na entrevista dentro de um Lindemberg Alves, assassino de Eloá,”
    “entrevistaram Guilherme de Pádua, assassino de Daniela Perez”
    “Suzane Richthofen, uma das mentoras intelectuais do assassinato cruel de seus pais”

    Imagina se fosse citar nomes de criminosos. Sem querer citou três!

  5. Sensacionalismo e ideologia.
    Richthofen era uma menina bonita de classe média alta que se envolveu com marginais e colaborou na morte dos pais.
    Os demais casos são enquadrados (ou poderiam ser) como feminicidios. Crimes contra a comunidade LGBT, casos de racismo, feminicidios), mortes provocadas por policiais e balas perdidas no RJ têm preferencia na pauta da Rede Bobo.
    A ‘idéia’ é ‘se bombardearmos a sociedade com bons e maus exemplos levaremos a mesma no rumo da civilização’.
    No mais, como dizia um amigo meu, ‘se entrares num supermercado e achar uma prateleira com baldes cheios de esterco fresco é porque alguém compra’.

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