Claudemir Pereira

CRÔNICA. Orlando Fonseca e terça-feira magra

Terça-feira magra

Por Orlando Fonseca*

No final dos anos sessenta, tornou-se popular uma espécie de hino informal brasileiro, o qual afirmava como nossa moradia “um país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza”. Na interpretação de Wilson Simonal, a composição de Jorge Ben acrescentou o apelido “patropi” ao nosso país, motivado em especial porque “em fevereiro tem carnaval”. Era uma forma reduzida do que se anunciava na primeira estrofe. Hoje se poderia dizer que a “economia de sílabas” tem uma essência profética. Neste 2020, a conjuntura está mais para “terça-feira magra” e, com as prefeituras cancelando verbas para os desfiles, as folias de Momo tendem a ser esquálidas em algumas cidades do país.

Quando a canção País Tropical foi gravada a primeira vez, em 1969, o país vivia um ufanismo, muito ao gosto da ditadura militar, o que foi um impulso para torná-la popular no período conhecido como do “milagre brasileiro”. Mas, como cantou o poeta Cacaso, o tal milagre em terras tropicais foi de transformar “vinho em vinagre”. Vivia-se o momento mais agudo da repressão política, que se foi distendendo até dar lugar à democracia com a Nova República. Aí apareceu a enorme conta daquele milagre, que nos custou algumas décadas para quitar. Ainda estamos na fase de convalescença.

A tradição do “mardi gras”, celebrado em New Orleans pela influência francesa, aportou em território brasileiro e se aclimatou perfeitamente. De tal modo que hoje nem bem é um dia comum de festa, pois é um feriado informal, nem bem é um dia útil – do ponto de vista econômico. Os que não curtem a festa torcem o nariz para os gastos com fantasias, alegorias e bebedeiras; enquanto que os foliões torcem o nariz pela falta de recursos para que as escolas possam ganhar as ruas. Nosso “mardi” tem pouco “gras”, e ao que parece, embora os messias de plantão, o país tropical não tem sido tão “abençoado” como se anunciava no século passado. E já não se fazem mais “milagres” como antigamente.

Pode-se perceber que a propalada “crise” que o Brasil atravessa é mais aguda para uns do que para outros (vide rodovias em direção ao mar, os centros de compra e os restaurantes nos fins de semana). A decisão dos prefeitos em cortar as subvenções aos grupos carnavalescos tem muito mais a ver com a “lei de responsabilidade fiscal” – não se esqueça de que estamos em um ano eleitoral, e nenhum gestor público pode deixar “restos a pagar” ao seu substituto. E, em tempos de terça-feira magra, os administradores têm pouco jogo de cintura para cair no samba. Ainda que alguns até que gostariam de tirar a fantasia do cofre, mas a ala dos descontentes tem falado mais alto.

Dólar batendo nos R$ 4,40, greve dos petroleiros, histórias mal explicadas das milícias, motins da polícia no Ceará, escalada de feminicídio, gorda mesmo é a lista de estraga-prazeres nesta terça-feira. No entanto, é dado ao povo o direito de ser feliz, de buscar alegria como lhe seja próprio neste país tropical, mesmo com falta de verbas, com falta de infraestrutura, a população tem ocupado ruas e praças para celebrar a folia. E até mesmo os desfiles organizados, nos grandes centros, têm afrontado o sistema com críticas severas ao que se vê de desmando na atual conjuntura. Aliás, resgatando o que representa o carnaval, desde o medievo, em que a festa da carne era o salvo-conduto para a população afrontar a autoridade e afrouxar a moralidade legal. Depois da quarta-feira de cinzas o povo volta à expectativa d’Aquele conterrâneo que parece foi fazer veraneio em outras praias ensolaradas.

*Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

Observação do editor: crédito da foto: Divulgação

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5 Comentários

  1. ‘Instituições’. Nenhuma é melhor do que as pessoas que as ocupam. Presidente do Senado sério, acima de qualquer polemica, ultimo acho que foi Nelson Carneiro. Agora é Batoré. Presidente da Câmara não é o finado ‘Ulissio’, é Nhonho. Como não conseguiu aumentar o fundo eleitoral o Centrão resolveu pegar um naco do orçamento (com auxilio da oposição, óbvio). Muito simples.
    Declarações do B38 não tem maio peso porque ‘ele é presidente’. Molusco tinha passe livre para falar o que quisesse (largava grana para a mídia). Dilma, a humilde e capaz, nem pagando tinha salvo conduto. Doria (os rumos hoje em dia apontam para isto) mesmo engomadinho, com português impecável e gel no cabelo não terá ‘maior peso’ porque todo mundo sabe que serão declarações formais para inglês ver. Vem da publicidade, sabe ‘vender’.

  2. Motins de policia não são novidade. Lei 13293/2016: ‘ Altera a Lei nº 12.505, de 11 de outubro de 2011, que “concede anistia aos policiais e bombeiros militares dos Estados de Alagoas, de Goiás, do Maranhão, de Minas Gerais, da Paraíba, do Piauí, do Rio de Janeiro, de Rondônia, de Sergipe, da Bahia, do Ceará, de Mato Grosso, de Pernambuco, do Rio Grande do Norte, de Roraima, de Santa Catarina, do Tocantins e do Distrito Federal punidos por participar de movimentos reivindicatórios”, para acrescentar os Estados do Amazonas, do Pará, do Acre, do Mato Grosso do Sul e do Paraná’.
    Caso do ‘senador’? Saiu barato. Uma atitude completamente irracional. Parte da imprensa tentou minimizar e até transferir responsabilidade. Detalhes que passam batidos: crime estaria aumentando no Ceará, milícias e trafico. Pergunta: não é o estado do ‘milagre na educação’?

  3. Greve dos petroleiros era coisa localizada, imprensa amplificou o problema (até mesmo na aldeia). Alás, para a imprensa todo dia o mundo vai acabar ou vai ter crise.
    Milícias? Única informação nova foi a morte do sujeito. Todo o resto foi repetição do que já sabia de forma confusa e com a linha do tempo embaralhada para colocar um cartaz de ‘miliciano’ em B38 (trigésimo oitavo presidente do país). O finado foi honesto, policial do BOPE (unidade que tinha fama de incorruptível). Familia envolvida no caso da rachadinha do senador. Foi investigado no caso Mariele (outro assunto do qual não me ocupo) na base do ‘prendam os suspeitos de sempre’. Alás, José Padilha ‘perdeu’ para a realidade, o que aconteceria se no segundo filme o Capitão Nascimento se corrompesse? Preferiu vitimizar o personagem e coloca-lo do mesmo lado do Freixo. Alas, Brigada tem duas dúzias de integrantes cedidos para a Assembleia Legislativa, se surgirem milícias no estado não será difícil ‘enroscar’ políticos na base do ‘fulano lotado no gabinete do deputado tal serviu com o miliciano beltrano’. Basta a insinuação ser conveniente para acontecer.

  4. Feminicídio: não me ocupo do assunto. Dólar: há que se ter cuidado com o que a imprensa divulga. Pessoal do mercado financeiro não costuma revelar estratégias e as declarações espelham isto. Guedes fala nas domésticas? No mesmo período Cristina Kirchner visitava a filha em Cuba (tratamento de saúde) e dava declarações do tipo ‘não pagaremos a divida porque não existe dinheiro’, ‘precisamos de um desconto grande dos credores’. Ambos os países estão no pacote ‘mercados emergentes’. O que poderia ter mais efeito, Guedes ou CK? Alás, vai faltar trigo no mercado e vai subir o pão. Resultado do tarifaço correntino. Não é só Marchezan que gosta de aumentar/criar tributos para ‘fazer milagres’. Alás, FMI declarou que os credores privados tem que dar um desconto (30%?) para o governo castelhano. Não são a Grecia, não tem comunidade para ajudar. Ou seja, quero ver conseguir dinheiro emprestado depois, vão precisar.

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