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ARTIGO. Leonardo da Rocha Botega, o ambiente, a Covid e 2,8 bilhões de pessoas com circulação restrita

O equilíbrio com a natureza como chave para a existência humana

Por LEONARDO DA ROCHA BOTEGA (*)

Em 27 de março, a agência France Presse (AFP) divulgava um balanço que apontava que pelo menos 2,8 bilhões de pessoas (mais de um terço da população mundial) estavam sob algum tipo de restrição de circulação para conter o rápido avanço da Covid 19. Dias depois, um Coiote descansava calmamente próximo a famosa Ponte Golden Gate, em San Francisco (EUA). Na África do Sul, Leões tomavam sol em uma estrada que até pouco tempo era um movimentado local de circulação de jipes com turistas. Os românticos canais de Veneza foram “invadidos” por Golfinhos em busca de cardumes de peixes que voltavam a circular por ali.

Além desses casos, Javalis, Cavalos Selvagens, Veados, Macacos e até um Urso também foram flagrados circulando por cidades no Japão, na Tailândia, na Índia e na Espanha, propiciando uma série de imagens de animais circulando livremente em “espaços humanos”. Um espetáculo inusitado de beleza animal em plena “selva de pedra”.

Porém, nem tudo que tem vindo à tona na relação ser humano-natureza, nesse momento e nos últimos anos, tem sido beleza e espetáculo. Um estudo publicado na Revista Proceedings of the Royal Society B., coordenado pelo pesquisador da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade da Califórnia, Pranav Pandit, alerta para o fato de que as mudanças climáticas, a destruição da flora e a exploração da vida selvagem por meio da caça, da captura e do comércio, são fatores que favorecem o surgimento de pandemias, pois facilitam a disseminação de vírus letais. Em 3 de março, em seu Environment Programme, a ONU chamou atenção para o fato de que as doenças transmitidas de animais para humanos estão em ascensão devido à destruição sem precedentes de habitats selvagens pela atividade humana.

Em 2017, Jean Michel Claverle, professor da Universidade Aix-Marselle, alertava que o aquecimento global pode ressuscitar doenças extintas. Conforme o biólogo francês, “gelo permanente é muito bom em preservar micróbios e vírus porque é frio, não tem oxigênio e é escuro”. Por isso, o derretimento de geleiras e de permafrost (solo permanentemente congelado) tem liberado vírus que ficaram adormecidos e trancados por centenas e até mesmo milhares de anos. No último dia 21 de maio, a BBC inglesa destacou o estudo feito pela equipe do Observatório Terrestre Lamont-Doherty da Universidade de Columbia (EUA), liderado pelo professor Colin Raymond, indicando que algumas regiões do planeta têm tido ondas de calor extremo muito perigosas para os seres humanos.

Todas essas questões indicam que é fundamental a revisão dos modelos de desenvolvimento que veem os seres humanos separados da natureza. Mais do que nunca é hora de retomarmos a sugestão de José Lutzenberg de que “politólogos e sociólogos de visão” devem se aprofundar no estudo da Ecologia e examinarem “detidamente o funcionamento dos sistemas naturais intactos, enquanto os houver”. O ambientalista, falecido em 2002, suspeitava que tal exame os levaria a descobrir “modelos extremamente relevantes para a condição humana”, pois ali “não existem estruturas de poder central, hegemonias, dominação”, mas sim, “uma constelação de equilíbrios”. Ali progresso “é esmero de equilíbrio”.

O equilíbrio entre o ser humano e a natureza é a chave que pode salvar a própria existência humana. Na busca deste equilíbrio, uma fala defendendo o aproveitamento da “distração” da imprensa com a Covid para “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas” (de defesa do meio ambiente) deve ser vista como um atentado contra a humanidade. Na busca deste equilíbrio não precisamos de um Ricardo Salles, mas de muitos Lutzenbergs, afinal até hoje não sabemos da existência de um segundo Planeta Terra.

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

Observação do editor: a foto (de Richard Sowry/Divulgação/Kruger National Park) mostra a invasão de leões numa estrada da África do Sul, após o sumiço de turistas da região.

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2 Comentários

  1. Caríssimo Leonardo!
    Belíssimo artigo. De fato, todas as discussões em torno do meio ambiente referem-se às discussões da própria existência humana. Mais que isso, o que se torna urgente é compreender as relações que nos fazem, também, meio ambiente. Tivemos um ruptura, desde o pensamento cartesiano (do ponto de vista filosófico) e mesmo Kantiano, da centralidade humana. No entanto, há uma relação simbiótica. O que acontece ao meio acontece aos seres que fazem parte deste meio, que são este meio. é por este motivo que é urgente aprender com as comunidades indígenas, com os vizinhos bolivianos, equatorianos, com os africanos. A ideia de desenvolvimento, como foi posta, está nos levando à destruição. Temos que pensar alternativas, alguns falam em bem-viver, outros em desaceleração, outros ainda em desenvolvimento negativo, etc… o importante é que, em meio à tanta fatalidade da Pandemia do Covid-19, podemos observar que a natureza é resiliente e que, quem sabe, teremos algumas chances de sobrevivência se vivermos harmoniosamente com ela.

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