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ARTIGO. Michael Almeida Di Giacomo e uma questão surgida na pandemia: pais separados, filhos também?

A convivência parental no atual contexto de crise sanitária

Por MICHAEL ALMEIDA DI GIACOMO (*)

Um dos efeitos colaterais causados pela pandemia que ora enfrentamos é a necessidade de isolamento social das pessoas. E muito das medidas adotadas, na efetivação do necessário distanciamento, reflete diretamente na rotina de crianças e adolescentes.

A fim de promover a proteção integral dos infantes e buscar evitar a sua contaminação pelo Covid-19, uma das primeiras decisões adotadas pelos nossos governantes foi a suspensão do calendário letivo no modo presencial. Além do resguardo à saúde, também se cuida de não os ter como vetores na transmissão da doença para seus familiares, especialmente os tidos como grupo de risco.

Com isso, nos últimos meses, os pais passaram a ter mais tempo de convivência com os filhos. Mas, essa “quebra” na rotina acabou por ter reflexo direto nas famílias em que os pais exercem a guarda compartilhada ou unilateral de suas proles. A necessidade de isolamento social levou à suspensão, mesmo que temporária, em alguns casos, do exercício do direito de convivência ao pai/mãe que não resida na mesma casa que seu filho.

E como resolver essa dificuldade que se impõe alheia à nossa vontade?

Em primeiro plano é oportuno estabelecer que a Constituição de 1988 disciplina o direito das crianças e adolescentes à convivência familiar como sendo um direito fundamental à sua própria formação e proteção. A mesma Carta Constitucional normatiza que é dever da família, da sociedade e do Estado, resguardar, com absoluta prioridade, o direito à saúde dos infantes.

Não cabe aqui aprofundar a ponderação no que se refere a conflitos entre princípios e regras. Mas é possível considerar, em poucas letras, que nessa análise de restrições, tem-se um conteúdo, um núcleo do direito fundamental que não pode ser afetado.

Contudo, no contexto atual, surgem situações nas quais, para garantir a efetivação do direito à saúde, é necessário a suspensão compulsória da convivência parental. Porém, essa suspensão deve ocorrer de forma que não afete o conteúdo essencial dos princípios fundamentais constitucionalmente previstos.

Como exemplo, tem-se a decisão prolatada na 1ª Vara Judicial da Comarca de Taquari – RS, ao pai, que exercia a convivência nos finais de semana, e lhe foi determinado que mantivesse contato com sua filha via internet. A fundamentação posta pelo magistrado, Leonardo Vanoni, considerou que a situação da criança, de apenas um ano de idade, em período de amamentação, insere-se em grupo de elevado risco, uma vez que “os cuidados […] devem ser extremos, obedecendo às recomendações da OMS. […] Se o isolamento social é necessário a jovens adultos e saudáveis, o que se dirá em relação a crianças na primeira infância”.

Veja, qualquer discussão a ser feita sobre a matéria deve se dar com uma aferição muito profunda do caso concreto, da realidade dos fatos. É preciso ter atenção que o “excesso de cuidado”, arguido por um dos pais, não deve servir como simples motivo para obstaculizar o direito à convivência de outro. Desse modo, medidas que tenham por fundo proposital tão somente o afastamento de um dos pais, com o objetivo de dificultar a convivência, podem ser configuradas como alienação parental. É uma situação muito delicada.

A par das diversas situações ocasionadas pela excepcionalidade do tempo atual, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, emitiu documento intitulado “Recomendações do Conanda para a proteção integral a crianças e adolescentes durante a pandemia da COVID-19”.

E no que se refere à pactuação dos períodos de convivência, o Conselho orientou no sentido de “que crianças e adolescentes filhos de casais com guarda compartilhada ou unilateral não tenham sua saúde e a saúde da coletividade submetidas à risco em decorrência do cumprimento de visitas ou período de convivência previstos no acordo estabelecido entre seus pais ou definido judicialmente”.

Para a eficácia plena da orientação, o CONANDA robustece as decisões judiciais na escolha para visitas e períodos de convivência, preferencialmente, substituídos por instrumentos eletrônicos, via telefone ou on-line. Porém, o responsável que mantém convívio diário com o infante, não deve se abster de informar ao outro, com regularidade, as condições da criança, tampouco, obstaculizar a comunicação com seu pai/mãe.

A orientação se dá no sentido de evitar o deslocamento da criança ou adolescente, além de alertar que o responsável que tenha voltado de viagem ou tenha sido exposto a situações de risco, deva respeitar um período de isolamento de 15 dias antes de realizar o contato físico com seu filho.

Eu sei, parece ser um tanto óbvio, mas nunca é demais dizer que o diálogo entre os pais se torna essencial a fim de dirimir questões que envolvam o tempo de convívio de forma equilibrada, tendo por norte as condições fáticas e o interesse dos filhos. Contudo, ao surgir a discordância entre os responsáveis, em relação à necessidade de suspensão ou alteração de convivência, o imbróglio poderá ser resolvido pela via judicial.

Nessa condição, de possibilidade de risco à saúde do infante, as decisões judiciais de suspensão compulsória do direito de convivência têm-se mostrado adequadas. Obviamente, devendo a restrição ser cessada logo haja a devida segurança para o convívio e disponibilizado meios de manter intacto o núcleo do direito.

A nova realidade que vivemos exige.

(*) Michael Almeida Di Giacomo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público. O autor também está no twitter: @giacomo15.

Observação do editor: a imagem (sem autoria determinada) que ilustra este artigo é uma reprodução da internet.

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