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A milionária compra de chicletes e leite condensado é uma casca de banana? – Por Carlos Wagner

Tema ganhou espaço no noticiário e jogou para o canto a história de Manaus

Presidente Jair Bolsonaro, na quarta-feira, mandou a imprensa enfiar no rabo a compra milionário de leite condensado e chicletes durante um churrasco com amigos e ministros. Quem pagou o almoço? (Foto Reprodução)

Toda redação tem uma figura conhecida como “estraga prazeres”. O repórter chega da rua com uma matéria apurada que, na sua opinião, merece ser a manchete do jornal. Assim que começa a escrever, o “estraga prazeres” chega de mansinho, coloca a mão no ombro do repórter, espia o texto na tela e pergunta: “Será?” Não foram uma nem duas. Foram várias vezes que, por conta dessa indagação, fiquei horas e horas verificando o que havia apurado.

Em algumas ocasiões, não muitas, fui salvo de dar uma “barriga”. Na maioria das vezes, ampliei e melhorei a apuração como resposta à desconfiança do “estraga prazeres”. Assim que coloquei o olho na história da compra milionária do governo de chicletes, leite condensado, pizzas e refrigerantes, que somam quase 50 milhões, eu lembrei do “estraga prazeres”.

Por quê? O governo do presidente Jair Bolsonaro é especialista em espalhar cascas de banana pelo chão para os jornalistas pisarem. Não perde uma oportunidade de chutar as nossas canelas. Ainda ontem (quarta), em uma churrascaria em Brasília, mandou os jornalistas “enfiar no rabo” as guloseimas compradas pelo seu governo. O total da compra foi de R$ 2,2 bilhões e o maior volume foi para o Ministério da Defesa.

Vamos aos fatos. A informação é confiável. Ela foi manchete do site de notícias Metrópoles no domingo (24/01). E fonte citada é o Portal da Transparência, que é da Controladoria da União, portanto uma fonte oficial. Mais ainda: ter dificuldades para explicar as compras não é exclusividade do governo Bolsonaro. Outros presidentes já tiveram problemas – há matéria na internet. Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) comprou vinhos importados, camarões e lagostas. Desistiu da compra quando ela se tornou pública e houve gritaria da opinião pública.

O lógico nessa história era o governo explicar o que está acontecendo. Em vez disso, ele “tentou apagar o incêndio jogando gasolina”. Por quê? Simples. Essa é a primeira vez que o governo Bolsonaro é colocado contra a parede por uma questão concreta, que são os mortos por asfixia devido à falta de oxigênio nos hospitais de Manaus (AM). Mais ainda: faltam vacinas para consolidar a vacinação no Brasil graças à política errada do seu governo.

O ministro da Saúde, general da ativa do Exército Eduardo Pazuello, vai ser processado pelos erros cometidos na sua administração. As entidades católicas e protestantes entraram com um documento de 72 páginas na Câmara dos Deputados pedindo o impeachment do presidente devido a sua incompetência em administrar a pandemia causada pela Covid-19. Pelo calibre das lideranças religiosas envolvidas e o conteúdo do documento essa história vai acabar na mesa do papa Francisco, em Roma.

Não tem como ser diferente. A questão da compra dos chicletes e do leite condensado ganhou espaço nos noticiários e empurrou para o canto a história de Manaus. Pelo menos por hora. Isso interessa a Bolsonaro, que é negacionista em relação ao vírus. Mais um detalhe que temos que ficar atentos. O maior beneficiado pelas compras é o Ministério da Defesa. Pelo que sabemos as Forças Armadas não estão envolvidas em nenhuma guerra suja que se conheça.

Mas por outro lado Bolsonaro montou um sistema de informações alternativo no governo. Pergunta: por acaso parte desse dinheiro da compra de chicletes, pizza e leite condensado pode ter sido desviado para a manutenção desse sistema de informações particular do presidente? É um assunto que merece a nossa atenção e é de interesse do leitor. Muitos colegas repórteres ainda não se deram por conta. Mas a política de comunicação do governo federal é ancorada nos princípios da guerra de contrainformação, uma estratégia militar que tem por objetivo confundir o inimigo. No caso, o inimigo somos nós jornalistas.

Não sei como vai acabar a história das compras dos chicletes e do leite condensado. Mas sei que ela logo será substituída por outra igualmente curiosa que servirá para desviar a nossa atenção do principal, que é a responsabilização do presidente pela confusão do combate à pandemia, que já causou mais de 210 mil mortes ao Brasil.

As cascas de banana espalhadas por Bolsonaro no nosso caminho têm como objetivo nos desviar do assunto principal e nos desmoralizar perante os nossos leitores. Em uma confusão como essa cresce a importância nas redações do “estraga prazeres”, por ser ele a pessoa que sempre desconfia de tudo. Não é agradável alguém desconfiar de uma apuração. Mas é saudável para o bom jornalismo.

Antes de arrematar a conversa. Vou explicar para quem não é jornalista o que significa “barriga”. É um termo antigo, que nasceu nos tempos das máquinas de escrever, e é usado com o sentido de dizer que se cometeu um erro na notícia, o pesadelo de todo repórter. Mas acontece. E quando acontece, o melhor é reconhecer o erro e assumir a bronca. Isso faz bem para o bom jornalismo. A nossa transparência perante a nosso leitor é fundamental para sobreviver às cascas de banana espalhadas pelo governo brasileiro.

PARA LER A ÍNTEGRA, NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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Um Comentário

  1. Casca de banana? Burrice e incompetência. De onde partiu o ‘levantamento’? Metrópoles. De onde saiu a tonelagem de memes? Da militância muar. Quem repercutiu a ‘noticia’? Imprensa tradicional e alternativa. Não é de se crer que algum destes fez um ‘favor’ para o Cavalão. E, obviamente, burrice e incompetência são problemas que se resolvem sozinhos. Menos no serviço publico porque existe estabilidade.
    Manaus é assunto que se deixa para a esquerda trabalhar. Para não ficar repetitivo.
    E olhando assim de longe, existe uma ‘guerra religiosa’ entre catolicismo e protestantes tradicionais contra as pentecostais. Pela ‘alma’ do cidadão brasileiro. Nas franjas do Estado. Vamos ver no que dá.

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