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Renda emergencial é arroz, é feijão, é leite e também é emprego – Por Valdeci Oliveira

“É como a vacina: faz parte da saída para o imbróglio a que fomos arrastados”

Dados oficiais dos Ministérios da Economia e da Cidadania e do IBGE mostram algo que deveria ser de compreensão óbvia, mas que, por vezes, enfrenta resistências inconsistentes:  a concessão por parte dos governos municipais, estaduais e federal de algum tipo de política de transferência de renda fomenta e consolida a geração de empregos formais. Os jornalistas Thiago Resende e Bruno Broghossian, ambos do jornal Folha de São Paulo, “mergulharam” nos números do auxílio emergencial e publicaram, nesta semana, uma reportagem que traz o cruzamento de uma série de dados relativos ao tema. Segundo a análise, entre março e novembro de 2020, dos 500 municípios brasileiros que mais criaram vagas formais, 357 deles, ou 71,4%, também possuíam, na média, uma quantidade superior de beneficiários do programa de renda emergencial do governo federal, que acabou em dezembro sem nada ter sido colocado em seu lugar.

Apesar de um outro levantamento, esse feito pela ONG Oxfam, apontar que 42 bilionários brasileiros tiveram o privilégio de verem o conjunto de suas fortunas aumentarem em nada menos do que US$ 34 bilhões na pandemia (o que não deixa de ser um escárnio), a conjuntura pela qual estamos passando nos mostra também que o melhor investimento feito por uma sociedade, quando a olhamos como um todo e não apenas para uma pequena parte afortunada, é aplicar em saúde e transferência de renda.

Não fosse o SUS, tão achincalhado por parcela significativa da nossa elite – estaríamos hoje sofrendo ainda mais o impacto mortífero trazido pela covid-19. Não fosse a renda emergencial concedida nos últimos meses a milhões de homens e mulheres, esses mesmos milhões não teriam tido o que comer.  Não fosse essa espécie de partilha da riqueza, mesmo que diminuta, esses milhões de “Josés” e “Marias” teriam que ter se arriscado ainda mais do que se arriscaram indo atrás de dinheiro nas sinaleiras, nos bicos, no trabalho precarizado. E, com isso, a escalada de contaminação seria ainda mais grave do que foi e do que é.

Mas mais do que isso. A concessão de uma política pública que garanta um mínimo financeiro para a subsistência de milhões de pessoas foi a responsável não só pela manutenção de empregos, mas pela criação de novas vagas. Para efeito comparativo, nas regiões cujas populações beneficiárias do programa ficaram acima da média brasileira, a taxa de emprego fechou no azul, com 105 mil postos de trabalho. Por outro lado, aquelas cujas médias ficaram abaixo, os cortes chegaram a 217 mil.  O cálculo levou em conta os empregos formais existentes em novembro quando comparado com março, antes da pandemia chegar ao território nacional.

E como não poderia deixar de ser, esses empregos somente “nasceram” porque houve certa horizontalidade do consumo. Numa analogia simples, ao contrário da parcela de brasileiros que gasta seu dinheiro no exterior, o povo compra no mercadinho do bairro, na farmácia da esquina, nas lojas da cidade. Entender essa dinâmica é importante, principalmente para o micro, pequeno e médio empresário que se coloca contra essa política, mas que aplaude quando iniciativas de financiamento a juro subsidiado em banco estatal chegam às suas mãos. Ou aos filhos e filhas desses, que enxergam um vagabundo por detrás de cada cartão do Bolsa Família, mas ficam realizados ao conquistar uma bolsa de estudo – a ser paga pelo governo – numa universidade privada por meio do Enem/Prouni. O princípio é equivalente.

Essa reflexão precisa ser transformada em um exercício de convencimento. É preciso que esse debate seja levado às Câmaras Municipais gaúchas. Na maioria dos casos, a transferência de renda é a diferença entre ter ou não sobre a mesa um prato de arroz com feijão, um litro de leite ou um pedaço de pão. A renda emergencial, principalmente no atual momento, é como a vacina, ela faz parte da saída para o imbróglio a que fomos arrastados, alguns com mais intensidade. Se trata de um direito e não um favor.

E como uma espécie de mantra, vou defender, tendo ou não um mandato eletivo, essa ideia enquanto tiver possibilidade, forças e alguém disposto a me ouvir. E será essa proposta que levarei, no próximo dia 3 de fevereiro, ao governador Leite, que aceitou o nosso pedido de audiência para discutir o tema. O nosso mandato já apresentou um projeto de lei na Assembleia a respeito, mas estamos abertos a discutir com o governo formas de implementar isso o mais rápido possível. O mais importante é que seja criada uma política estadual para, ao menos, amenizar a situação dramática de cerca de 3 milhões de gaúchos.

Tenho clareza de que existem vários motivos para que não tenhamos empregos e renda suficientes para toda a população. O modelo econômico empregado no país é inegavelmente um deles, se não o principal. Mas sequer buscar a efetividade desse benefício social neste momento é o mesmo que degustar um bom sanduíche e virar o rosto para o outro lado quando somos abordados por alguém mais vulnerável na rua. Não façamos isso. Quem tem fome, tem pressa!

(*) Valdeci Oliveira, que escreve sempre as sextas-feiras, é deputado estadual pelo PT e foi vereador, deputado federal e prefeito de Santa Maria. Também é Coordenador da Frente Parlamentar em Defesa da Duplicação da RSC-287.

Crédito da fotoReprodução AdjoriSC

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