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Que sejamos LGBTQIAP+ e que nos orgulhemos disso – por Benhur Pinós da Costa e Diego Miranda Nunes

“Embora as divergências, feministas e LGBTQIAP+ estão entrelaçados”

Das políticas diárias contra as violências em relação aos nossos corpos até as raivas canalizadas em movimentos sociais organizados e suas conquistas legais de reconhecimento social

A data de 28 de junho é referência para a celebração do Orgulho LGBTQIAP+. Em primeiro momento, a questão do “orgulho” é fundamental porque isso se desdobra em um sentimento contrário às durezas, infelicidades e sofrimentos em relação às lutas que pessoas LGBTQIAP+ vivem e travam em seus dia-a-dias. Tal data relembra a canalização da raiva de gays, lésbicas e pessoas transgêneros em relação as suas impossibilidades de ser quem são entre quaisquer formas de convivências sociais.

Na época, no final dos anos de 1960, em todo mundo, eram práticas comuns das forças policiais a violência contra pessoas LGBTQIAP+, pela evidência de seus corpos e comportamentos dissidentes à cisheteronormatividade, como as que aconteciam entre as sociabilidades homoafetivas e transafetivas no bar nova-iorquino de Stonewall Inn.

A resistência contra a violência instaurada foi o marco de expansão dos protestos que marcaram os anos de 1980 e 1990, nos EUA e pelo mundo afora, e que geraram uma discussão pública para reconduzir políticas sociais pelos direitos à igualdade.

Isso acabou se fortalecendo no meio internacional pela propaganda pelo reconhecimento, trazida dos movimentos sociais organizados, chegando ao Brasil em pleno período militar, com iniciativas como o jornal Lampião de Esquina, o grupo Somos em São Paulo, Grupo Gay da Bahia e a ABGLT nos anos de 1990.

Em termos de políticas institucionalizadas, o principal ganho deste período foi a mudança da CID-09 (OMS), em 1990, para CID-10, em relação à retirada do transtorno homossexual e sua configuração como doença, e no Brasil a resolução 01/99 do Conselho Federal de Psicologia, normalizando a atividade profissional de psicólogos quanto às questões de orientações sexuais.

Podemos notar que existe um entrelaçamento importante a ser pensado em relação a este dia de celebração do Orgulho: a vida comum diária das pessoas que sofrem; suas raivas canalizadas como movimento de luta pelo reconhecimento social (que parte do reconhecimento dos outros imediatos em suas vidas cotidianas); as políticas institucionalizadas que preservam a apresentação de suas pessoalidades.

Devemos pensar que, em termos de relações sociais, as possibilidades de plena existência das pessoas estão atreladas a sintomas de normalização sobre quem se é e como se deva ser. A sociedade é estruturada pelos espelhamentos individuais que as pessoas mantêm com uma série de “outros” (aqueles com quem nos relacionamos diretamente; aqueles que politicamente lutam pela especificidade de nossas individualidades; outro generalizado que se apresenta abstratamente pela existência social de uma identidade defendida pelas leis que nos protegem).

As formas normalizadas são instituídas socialmente ao longo da história, regidas pelas relações de poder. Foucault, em seus três volumes da História da Sexualidade, nos mostra como as políticas e ideologias contidas nas instituições sociais (religião, ciência, direito e Estado) foram se posicionando em relação às definições neutralizadas e naturalizadas sobre quem sejam e devam ser os sujeitos sociais. Mas, como sujeitos, as pessoas marginalizadas pelos discursos políticos, naturalizados nestas instituições, acabaram lutando pela sua existência através de uma história de inúmeras violências físicas e psicológicas.

Tanto o movimento feminista como das homossexualidades, no decorrer do século XX, lutaram pelo reconhecimento das diferentes identidades de gênero e das possibilidades de existência das diferenças afetivo-sexuais além das normas e das crueldades estabelecidas por uma sociedade de poder sintomático concentrado em uma abstração em ser cisgênero e heterossexual. Não foi/é uma luta contra ser (individualmente falando) cis e hetero, mas como estas condições se instauram como motivações de ódio às mulheres e às pessoas LGBTQIAP+.

Podemos ver que, embora suas divergências, que são muitas, os movimentos feministas e LGBTQIAP+ estão entrelaçados em um conjunto de causas comuns em relação à desconstrução das normas baseadas na heterossexualidade e no poder masculino, o que gerou ao longo do tempo infinidades de casos, nem mesmo registrado, sobre corpos violentados devido simplesmente seus gêneros e orientações sexuais.

De fato, nas lutas por reconhecimento, sempre deveremos pensar sobre como as pessoas não encontram possibilidades plenas de socialização desde a família, perpassando pela escola e pelo trabalho, até as relações intimas e de amizades comuns por ser alguma identidade entre o rol de representações da sigla LGBTQIAP+. As lutas são diárias e elas vão se acumulando na existência compartilhada das dores em ser e não ser aceito como gay, lésbica, transgênero, não-binário, etc.

Para nós, LGBTQIAP+, existe uma raiva trazida da crueldade social em não podermos ser quem somos e esta raiva é importante porque ela é canalizada como força para as lutas políticas que se dão perante nossas relações diretamente instituídas em diferentes instituições sociais (desde a família, como falávamos). A raiva se acumula e se organiza coletivamente pelos movimentos sociais formais e suas provocações públicas. Lá na frente, esta raiva volta transformada em políticas instituídas na forma de direitos jurídicos formalizados, o que nos permite segurança contra as violências que não cessam, assim como as políticas das igualdades de direitos de acessos aos bens sociais coletivamente produzidos e a proteção de nossas vidas. Estamos falando sim, de vida! Porque as pessoas morrem e são assassinadas por serem gay, lésbicas, travestis e transgêneros em plena atualidade, como foram os assassinatos das lideranças transgêneros da cidade de Santa Maria, entre elas Verônica Alojamento, nosso espelhamento sobre a valorização de nossos corpos e de defesa da nossa integridade.

De fato, é pelo orgulho compartilhado coletivamente entre iguais que conseguimos nos apresentar socialmente como diferentes e conseguimos instituir nossas lutas de existência social para que outros e outras, além de nós, em tempos futuros, não precisem se preocupar em esconder ou negar suas identificações, quanto às tantas possibilidades de existência dos gêneros e dos desejos afetivo-sexuais.

É por isso que o dia do Orgulho é importante, porque basta de violência e crueldade diárias quanto aos nossos corpos e nossas existências! É na luta diária, na resistência pela raiva coletivamente canalizada em torno dos movimentos sociais e no/pelo orgulho de sermos que somos que conseguimos efetivamente ‘SER’, em termos de possibilidades sociais aqui e no futuro de nossos/as companheiros e companheiras.

Que sigamos na luta para um futuro melhor, cuja utopia é mesmo não se falar mais de gênero e de orientação sexual, porque isso não mais importará em um período em que todos e todas vivamos em paz e nos reconhecendo em nossas individualidades.

(*) Benhur Pinós da Costa é Geógrafo, professor do departamento de Geociências da UFSM e Diego Miranda Nunes é Professor, geógrafo e doutorando no Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFSM.

Observação do Editor: o texto foi originalmente publicado no site da Seção Sindical dos Docentes da UFSM (Sedufsm)

PARA LER A ÍNTEGRA, NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

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