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O “novo” ensino médio e um futuro de universidades para poucos – por Luiz Eduardo Boneti Barbosa

O “NEM” representa também um “ataque direto às licenciaturas e a docência”

No próximo ano será colocado em prática o tão comentado em 2017, durante o Governo Temer, o Novo Ensino Médio (NEM). Mas o que esse modelo nos mostra é que na realidade, ele se baseia numa concepção antiga, a qual estruturou as relações educacionais por séculos no nosso país, e que mantiveram nossas Universidades Públicas voltadas apenas para as elites.

A lei 13.415/2017 tem em sua essência um nítido objetivo de promover a estudantes do Ensino Médio uma educação de caráter técnico, a fim de que possibilite a preparação a curto prazo para o mercado de trabalho, o que inclusive gera estranheza tendo em vista que os índices de desemprego no país se aprofundam ainda mais, tendo atualmente mais de 14,8 milhões de pessoas desempregadas, e com taxas de 31% do desemprego entre a juventude de 18 a 24 anos, o que não ocorre por falta de qualificação, mas sim pela ampliação do trabalho precarizado, corrosão do emprego formal e desproteção social do trabalho, elementos que são uma maior margem de manobra aos patrões no manejo da força de trabalho.

De qualquer forma, para alimentar essa narrativa se utilizam das dificuldades que vem vivendo e educação pública para justificar a necessidade deste novo formato. O que eles não contam é que essas dificuldades foram, em grande parte, postas justamente pelo governo que o implementou (Michel Temer) e por seus aliados no Congresso, entre eles, Jair Bolsonaro.

Não há como pensar em 2016 sem lembrar das milhares de ocupações de escolas e Universidades, as quais foram motivadas, em especial, pelo combate a então PEC 55 (hoje EC 95), conhecida desde aquela época como PEC do Teto de Gastos. Essa Emenda congelou os investimentos em educação, saúde e assistência social por 20 anos, alimentado por um discurso de que uma grande crise estava ocorrendo por conta do inchaço do Estado, em especial por um “investimento desenfreado” desses três setores, promovido pelo Partido dos Trabalhadores. Segundo eles, a Emenda Constitucional era necessária para reorganizar a casa e as contas.

Foi com base nesse discurso também que aprovaram a Reforma Trabalhista, da Previdência, e tentam hoje aprovar a Reforma Administrativa. Como já denunciávamos, o que visualizamos hoje é que a retirada do PT do Governo, que foi acusado de gerar essa grande crise, e a aprovação dessas chamadas “reformas” não provocou melhora alguma na vida do povo brasileiro, mas sim retirou diversos direitos sociais, trabalhistas e aprofundou ainda mais as desigualdades. É nesse cenário que a educação pública se encontra hoje: precarizada, sucateada, sem investimentos e com altos níveis de evasão escolar.

Na última semana, o atual Ministro da Educação declarou em entrevista que o futuro da educação eram os cursos técnicos, e que as Universidades não atendem a maior parte da população, devendo assim, estar a disposição de poucos. Rechaçado pelas entidades estudantis, o Ministro obteve apoio dos promotores do NEM, o que não surpreende em nada, já que estão alinhados na tecnização do ensino. Inclusive para garantir esse direcionamento, o novo regime dá a cada estudante a “autonomia” em escolher a área que quer estudar, de forma que assim se concentre em áreas específicas, em especial das ciências exatas. Entretanto, é de conhecimento geral de estudantes do Ensino Médio, em especial do último ano, que a partir da participação no ENEM, cabe a cada estudante escolher o curso e Instituição de Ensino que quer optar, seja por meio do SISU para Universidades Públicas, ou pelo PROUNI e FIES, para privadas, direcionando-se assim para área que tenha preferência.

A partir dessa reflexão, e das últimas declarações do Ministro da Educação o que fica nítido é que não se trata de fornecer as e aos estudantes o direito a escolha, mas sim direcioná-los para a área na qual possa se inserir o quanto antes no mercado de trabalho, e nessa lógica, a Universidade não é uma etapa adiante, ou pelo menos não para a grande maioria de estudantes, que se encontram nas escolas públicas. Sendo assim, a democratização das Universidades Públicas é carta fora do baralho.

O que o Novo Ensino Médio (NEM) guarda para o povo brasileiro é o aprofundamento do sucateamento da educação pública, da inserção das nossas e nossos estudantes num mercado de trabalho precário, sem objetivos a médio e longo prazo, e da desvalorização das e dos professores, por meio da contratação de profissionais de notório saber. Ele representa também um ataque direto às licenciaturas e a docência. Temer, Bolsonaro, Milton Ribeiro e todos seus aliados que disseram sim a essa lei dizem que formar jovens para o mercado de trabalho é dar a nós o direito à independência, mas na realidade isso é nos prender a trabalhos precarizados, sem direitos e sem perspectiva de futuro. A única coisa que o NEM pode significar é: NEM educação de qualidade, NEM trabalho e vida digna.

O que precisamos é de escolas e Universidades ligadas à realidade das suas comunidades e cidades, que consigam desenvolver dentro e fora das salas projetos que promovam mudanças no seu dia a dia, conforme suas demandas. Que conectem as relações comunitárias com a produção acadêmica, e que apresentem a partir disso soluções a curto, médio e longo prazo.  Uma escola comprometida com a formação não apenas de profissionais mas sim de sujeitos e cidadãos, é uma escola que dá a cada estudante o direito de sonhar. Essa sim é uma educação emancipadora.

(*) Luiz Eduardo Boneti Barbosa é estudante de Direito na UFSM e coordenador do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFSM.

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Um Comentário

  1. PISA, programa internacional de avaliação de estudantes.
    Brasil em 2003, matematica, escore 56, classificação 39. Brasil 2015, matematica, escore 377 (variação de pouco menos de 6%), classificação 68.
    Brasil 2006 ciencia, escore 390, classificação 49. Brasil 2015, escore 401, classificação 66.
    Brasil 2003 leitura escore 403, classificação 36. Brasil 2015 leitura, escore 407, classificação 62.
    Como é feita a ‘regulação do mercado de trabalho’? Vamos pegar o direito como exemplo. Mercado saturado, um coice na macega e saem bachareis para todo lado (a grande maioria despreparada, obvio). OAB Sindicato aperta a prova de acesso e acaba criando um mercado de profissionais de segunda linha. OAB Lobby vai no Congresso e consegue MEI/Supersimples. Nas outras profissões o governo joga um sem numero de profissionais sem preparo no mercado (PISA da ideia da produtividade) e tenta regular quanto eles recebem, via salario minimo e outros mecanismos. Obvio que a conta não fecha.
    Resumo da ópera: os anos do PT no poder foram um desastre para a educação; as lorotas que a esquerda defende não tem pé nem cabeça, são atrasados por definição; o discurso é uniforme em todas as áreas, nada funciona direito, mas nada pode ser modificado, é so jogar mais dinheiro em cima, colocar mais gente e esperar mais algumas décadas (tem tudo para dar certo!).

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