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Efeito de mestre – por Bianca Zasso

Como medir a importância de um filme? O número de expectadores e prêmios e a presença de cenas e personagens marcantes são informações importantes para responder essa pergunta. Mas se existe algo que faz um filme entrar para a história é quando a produção vai além das linhas da sétima arte.  Poucos diretores conseguiram a façanha de criar histórias que, de tão bem construídas, influenciaram áreas como a economia e a filosofia. No caso do diretor Akira Kurosawa, foi a psicologia quem saiu ganhando.

Um dos maiores nomes do cinema japonês, Kurosawa conquistou o público do Ocidente com a produção Rashomon, lançada em 1950. Inspirado em dois contos escritos por Ryūnosuke Akutagawa, o filme apresenta um crime sob diversos pontos de vista, deixando o espectador dividido entre o que é verdade e o que é mentira. Apenas o uso de uma estrutura não-convencional para contar a história do estupro da esposa de um samurai já seria motivo para o filme deixar sua marca na história do cinema. No entanto,  a construção inteligente de Kurosawa impressionou os estudiosos da mente, que batizaram de “Efeito Rashomon” a diflculdade de detectar a veracidade de um fato por meio do depoimentos de várias testemunhas.

Akira Kurosawa faz de Rashomon um suspense superior com a maestria de sempre. Ele deixa o espectador numa confusão empolgante, onde cada cena faz mudar de ideia. O diretor embaralha as peças, ao mesmo tempo em que vai encaixando as partes de um quebra-cabeça cheio de segredos e desejos.  Lançada pela Daiei, uma das mais importantes produtoras japonesas da década de 50, Rashomon tem influências do cinema europeu, em especial nas cenas de eventos paranormais, onde um médium fala com a voz do samurai assassinado, que dá a sua versão dos fatos. O tom grave e a expressão do ator Fumiko Honma ajudam a acentuar a força da sequência.

Apesar de ser ambientado no período do Japão Medieval, Rashomon é um típico retrato da sociedade japonesa dos anos 50. Os primeiros dilemas, que desembocariam na revolucionária década de 60, estão presentes na construção dos personagens e também na temática, já que nos anos 30 e 40, temas como o estupro e o adultério não eram bem quistos dentro das tramas. Inovador, o filme de Akira Kurosawa chocou o público em suas primeiras exibições. Na ocasião, surgem as primeiras críticas à declarada admiração do diretor pelo cinema ocidental.

Ao invés de ficar preso às influências nipônicas, como o teatro Kabuki, Kurosawa trouxe para Rashomon toques de arte moderna e também do faroeste americano. Assumir e exaltar tais preferências, fez com que muitos críticos japoneses acusassem Kurosawa de ser traidor da cultura japonesa. Era o que faltava para que o diretor fosse recebido de braços abertos tanto pela crítica quanto pelo público que mora longe da terra do sol nascente. A admiração é tanta que, mesmo mais de 60 anos depois de seu lançamento, Rashomon continua ganhando homenagens. Do faroeste Quatro Confissões, de Martin Ritt até o clássico dos anos 90 Pulp Fiction, de Quentin Tarantino, o “Estilo Rashomon” se faz presente. Prova de que o que é bom não envelhece, mas se renova.

Em 2010, ano em que foi comemorado o centenário de nascimento Akira Kurosawa, a crítica japonesa tentou amenizar o preconceito presente em comentários publicados no ano de lançamento de Rashomon com várias homenagens e mostras de filmes. O “japonês que se rendeu ao Ocidente” teve sua genialidade reconhecida por estudiosos de cinema no Japão, que disseram que as críticas não foram tão ferrenhas assim. Mas os jornais do período dizem o contrário. Quem está certo? Quem está errado? É o “Efeito Rashomon” seguindo seu caminho.

 

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