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Quem estava com as cartas marcadas na condenação de Lula no caso do triplex? – por Carlos Wagner

Ainda não temos todas as informações. Mas o que temos é suficiente para desenhar uma rota mostrando como está crivada de irregularidades a condenação, em julho de 2017, em primeira instância, do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP) pelo então juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal, em Curitiba (PR). Na ocasião, Lula foi sentenciado a nove anos e seis meses por corrupção e outros crimes no caso do triplex de Guarujá, no litoral de São Paulo – há abundância de matérias na internet. As informações concretas que temos é que foi um julgamento de cartas marcadas, usando o linguajar dos jogadores de baralho. Para nós repórteres interessa saber quem estava nessa mesa, participando do jogo. Por quê? É sobre isso que vou conversar com os meus colegas repórteres, principalmente os jovens que estão na correria da cobertura do dia a dia nas redações. Antes vamos contextualizar a nossa conversa para lembrar os fatos fundamentais de como esse rolo começou.

A contextualização. Na época da condenação, Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol eram as figuras de proa da Operação Lava Jato, que ficou famosa no Brasil e em outros países como símbolo de combate à corrupção. A Lava Jato tornou Moro e Dallagnol pessoas influentes na Justiça Federal. Em janeiro de 2018, na 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), com sede em Porto Alegre (RS), os desembargadores Leandro Paulsen, Victor Luiz dos Santos Laus e João Pedro Gebran Neto confirmaram a sentença dada por Moro e ampliaram a pena para 12 anos e um mês. Por ser uma condenação de segunda instância, a Lei da Ficha Limpa impediu que Lula concorresse à Presidência da República, beneficiando o seu principal adversário, o atual presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Moro abandonou a magistratura e tornou-se ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro. No ano passado, os dois brigaram e agora o ex-juiz é sócio de uma empresa de consultoria internacional. Mas, antes da briga, em 2019, o site The Intercept Brasil começou a divulgar matérias sobre diálogos mantidos pelo aplicativo Telegram entre Moro e os procuradores da República, principalmente Dallagnol. Conversas ilegais. As publicações ficaram conhecidas como “Vaza Jato”. O site nunca revelou a sua fonte, um direito garantido pela Constituição. No entanto, a Operação Spoofing, da Polícia Federal, prendeu hackers acusados de terem invadido contas do Telegram de autoridades ligadas à Lava Jato. Ufa… aqui acabamos a contextualização. Vamos aos fatos recentes.

As denúncias feitas pelo The Intercept Brasil deram início a uma jornada envolvendo jornalistas, pesquisadores e escritores em busca de informações sobre o que aconteceu entre as quatro paredes da Lava Jato. O resultado foram matérias, livros e estudos acadêmicos – disponíveis na internet. E também uma liminar do ministro Ricardo Lewandonski, do Supremo Tribunal Federal (STF), garantindo o acesso dos advogados de Lula às informações apreendidas com os hackers presos pela PF na Operação Spoofing. A soma de tudo isso é a garantia de que a condenação do ex-presidente no caso do triplex foi um jogo de cartas marcadas. Aqui chegamos ao xis da nossa conversa. O que vai acontecer com a condenação de Lula é matéria factual da cobertura que as redações fazem do dia a dia. Nós repórteres precisamos voltar no tempo para descobrir quem estava sentado na mesa jogando com as cartas marcadas na condenação. Muita coisa precisa ser esclarecida. Uma que considero importantíssima: os desembargadores Paulsen, Laus e Gebran, da 8ª Turma do TRF4, não só confirmaram a sentença dada por Moro como a ampliaram. Qual é o papel dos três desembargadores nessa história? Nós temos que esclarecer o nosso leitor. Mais ainda: os agentes da PF que participaram das investigações de que deram origem ao caso do triplex. Precisamos esmiuçar a investigação. A começar pelas perícias técnicas. Eu não entendo de leis. Mas entendo de história. E sei que é importante saber quem participou da montagem desse processo para podermos informar ao nosso leitor o que exatamente aconteceu. Isso é importante. A história nos mostra isso. Nos anos 30, na Alemanha, a primeira coisa que os nazistas comandados por Adolph Hitler fizeram foi destruir a Justiça por dentro. E com isso tornaram os tribunais simples validadores das atrocidades cometidas contra a oposição e os horrores praticados contra os judeus e as outras minorias. Por isso é importante saber se eram apenas Moro e Dallagnol que tinham as cartas marcadas ou existiam outros que participaram desse jogo.

Sei que não é fácil convencer um editor a publicar uma matéria mostrando os podres de um juiz. Sou um velho repórter, 70 anos, 40 e tantos de profissão, sempre lidando com matérias investigativas e complicadas. Sempre existiu nas redações um cuidado muito especial em fazer denúncias contra juízes, desembargadores e ministros dos tribunais superiores. Nos dias atuais esses cuidados foram redobrados porque as grandes empresas de comunicação têm equipes de advogados que aconselham os editores nos casos de matérias polêmicas. Mais ainda. Existe uma confusão entre os repórteres, principalmente entre os mais jovens, sobre a “imparcialidade” com o direito legítimo que a pessoa tem de ter a sua preferência política, futebolística, religiosa, sexual e outras. O que aprendi em 40 anos de profissão é que a “imparcialidade” é o cumprimento das leis que regulamentam o exercício profissional. Moro não está sendo acusado de ter “ajeitado o processo do Lula” por ele ser de direita. Mas porque não cumpriu uma das leis que impede o juiz de orientar o procurador da República. O conhecimento simplifica as coisas na cabeça do repórter. E o ajuda a escrever de maneira simples e precisa as notícias. O leitor agradece.

*Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner. Crédito da foto: Gerd Altmann / Pixabay.

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Um Comentário

  1. Versão curta. Predio do tríplex estava sendo construído por um sindicato tocado por um ‘cumpanheiro’. Empreendimento quebrou.
    Chamaram uma construtora ‘amiga’. Um apartamento que custava uma merreca virou um tríplex. Galera que tocava a obra pela empreiteira negociou os moveis e o aparelhamento da cozinha na base do ‘vamos comprar dois queremos descontos’. Fartamente documentado no processo via e-mails. Para onde foi os moveis e cozinha adicionais? O sitio que continha fotos, que continha pedalinhos, que teve torre de celular para melhorar o sinal, etc. Fim da história.
    Judiciário pode vira a mesa agora. Descrédito do mesmo. Culpado no tribunal da opinião pública continuará assim. Só não será possível mais chamar de ladrão porque pode dar processo. Alás, dá para continuar, mas na moita. Gente que passou mais de vinte anos dizendo que era ‘diferente’, ‘corruptos são os outros’.
    Mais simples do que isto só desenhando.

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