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A Guerra contra as mulheres – por Leonardo da Rocha Botega

Uma em cada quatro mulheres brasileiras sofreu violência durante a pandemia

No início do mês de junho, o Datafolha divulgou uma pesquisa intitulada “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil”. O estudo encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública é uma sequência de outros dois realizados em 2017 e 2019. Seus resultados revelaram que cerca de 17 milhões de mulheres (24,4%) sofreram algum tipo de violência física, psicológica ou sexual ao longo de 2020. Apesar de ter havido um pequeno recuo em relação à pesquisa anterior, que apontou que 27,4% das mulheres havia sofrido algum tipo de violência, os dados são brutais.

Uma em cada quatro mulheres brasileiras sofreu algum tipo de violência durante a Pandemia! Destas, 18,6% foram ofendidas verbalmente, 6,3% sofreram tapas, chutes ou empurrões, 5,4% passaram por algum tipo de ofensa sexual ou tentativa forçada de relação, 3,1% foram ameaçadas com faca ou arma de fogo e 2,4% foram espancadas. Com relação ao perfil das mulheres vítimas de violência prevalecem as separadas ou divorciadas (35%), as mulheres negras (28,30%) e a jovens entre 16 e 24 anos (35,20%). Com relação ao perfil do principal agressor, ele é bem conhecido: o cônjuge, o companheiro ou o namorado (25,40% das agressões). Esse é seguido de perto pelo ex-cônjuge, o ex-companheiro ou o ex-namorado (18,10% das agressões).

Foram 1350 casos de feminicídios ao longo de todo 2020, 22,2% a mais do que no ano anterior. Um caso a cada seis horas! Dos Estados brasileiros, 14 dos 27 tiveram aumento em casos de feminicídio. Na maior parte dos casos (55,1%), as mortes foram provocadas por facas, tesouras, canivetes ou outro tipo de instrumento cortante. Com relação ao local, as agressões em casa cresceram de 42% para 48,8%, ou seja, o necessário isolamento social se tornou um martírio para muitas mulheres. Um martírio aumentado pelo medo e o silêncio! O número de denúncias de agressão caiu, provavelmente, devido ao temor diante da presença mais constante do agressor em casa.

Mas não é apenas a casa o local de perigo para boa parte das mulheres. Nem mesmo a rua, segundo local onde ocorreram mais casos de violências (19,90%). No último dia 7 de outubro, as estruturas de poder brasileiras conseguiram demonstrar que o país vive uma verdadeira Guerra contra as mulheres em todas as dimensões que percorrem o universo feminino. Em 24 horas, tivemos pelo menos cinco demonstrações que podem ser interpretadas nesse sentido.

A Câmara dos Deputados aprovou o projeto de retorno de gestantes ao trabalho presencial do deputado (homem) Tiago Dimas (Solidariedade-TO). Um retorno no mínimo precipitado, uma vez que a cobertura vacinal em duas doses não chega a 40% da população. Uma verdadeira agressão às mulheres de um país que representa 77% dos casos de óbito de mulheres gestantes por Covid-19 no mundo todo.

Nesse mesmo dia, uma mulher negra foi condenada a pagar R$ 500 por furtar um pedaço de carne para alimentar seu filho. Uma mãe de cinco filhos, presa por furtar um pacote de massa instantânea, teve a liberdade negada. O desespero das mães diante da fome dos filhos, mais uma vez, foi transformado em caso de polícia por aqueles que não o conhece, não tem empatia por quem o sente e recebem significativos auxílios alimentação.

Para piorar, um empresário acusado de dopar e estuprar uma modelo foi absolvido. O caso, que já havia revoltado muitas e muitos quando o advogado de defesa proferiu uma série de declarações misóginas humilhando a vítima, demonstra que os mais de 60 mil estupros ocorridos no Brasil em 2020 parecem não ter muita relevância para alguns membros dos poderes estabelecidos.

Para finalizar, o presidente da República vetou a distribuição de absorventes para mulheres em situação de vulnerabilidade social. Conforme a Unicef, a pobreza menstrual atinge 28% das mulheres de baixa renda, cerca de 11,3 milhões de brasileiras. Destas, 4 milhões são jovens e adolescentes que na maior parte das vezes não conseguem ir à escola quando ficam menstruadas. Nenhuma surpresa diante de um governo liderado por alguém que é recorrente em demonstrações de desprezo pelas mulheres, sobretudo, pelas mais pobres.

Quando deputado, o presidente afirmou para uma colega que “não a estupraria porque ela era feia”. Quando candidato, perguntado o que faria se um de seus filhos namorasse uma mulher negra, respondeu que “seus filhos não foram criados em ambientes de promiscuidade”. Na mesma ocasião chamou as mulheres de “fraquejadas”. Como presidente, tentou desqualificar uma premiada jornalista dizendo que ela “queria dar o furo”.

Longe de qualquer parâmetro civilizatório, tais posturas são típicas de alguém que se comporta como um comandante na Guerra contra as mulheres. Posturas típicas de quem dá salvo conduto aos soldados do machismo, do feminicídio e da misoginia, estejam eles dentro de casa ou ocupando cargos em muitas de nossas instituições. Até quando? Quantas mulheres mais sofrerão violência? Quando tempo mais seguiremos tolerando a estupidez?

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

Nota do Editor. A foto (sem autoria determinada) que ilustra este artigo, é uma reprodução obtida na internet.

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Um Comentário

  1. Cascata pura e simples. Estatistica furada. Até briga de casal deve ter virado ‘violencia domestica’. Simples assim. Numeros cozidos em fontes não confiáveis para confirmar a ideologia.
    Gestantes têm estabilidade no emprego até 5 meses depois do parto. No mais, nada que um atestado frio não resolva.
    Caso da mulher negra: fez acordo para pagar 500 reais para evitar o processo. O furto aconteceu, não deveria virar caso de polcia? O dono do supermercado de bairro (não era nem uma grande rede) que se lasque? Virou assistente social ad hoc? Então está acertado, quem precisar pode furtar bens dos professores da UFSM, está liberado. Problemas dos vermelhinhos com o Cavalão, eles que procurem um motel e resolvam. Kuakuakuakuakua!

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