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Agora, quase no dia seguinte – por Luciano do Monte Ribas

Tragédia da Covid e uma reflexão de quem está “do lado da ciência e da vida”

Em 20 de março de 2020 publiquei, nesse mesmo espaço, um pequeno artigo intitulado “O dia seguinte”. Nele eu especulava sobre como atravessaríamos a pandemia e como estaríamos ao seu final. Voltei a lê-lo em 11 de março de 2022 e, confesso, fiquei um pouco assustado: errei pouco e isso não é exatamente algo bom.

Dois anos depois, ainda não chegamos ao tão aguardado “dia seguinte”, mas espero que estejamos quase lá. O balanço, porém, mesmo que parcial, é trágico. Perdemos mais de 650 mil vidas apenas no Brasil. Isso significa dizer que, a cada 327 brasileiros, um morreu de covid-19, o que torna quase impossível não conhecermos ao menos uma vítima fatal.

Alguns, em Manaus e outros lugares, morreram sem oxigênio; outros, pelo país afora, foram vitimados pelo charlatanismo da cloroquina e da ivermectina. Houve momentos em que, inclusive, estivemos à beira de um colapso na capacidade de sepultar nossos mortos. Fatos terríveis que explicam, ao menos parcialmente, a síntese da tragédia: a covid-19, agravada pela maneira como o governo e parte da população lidaram com ela, derrubou em 4,4 anos a nossa expectativa de vida.

Voltando àquele texto, resgato uma frase imodestamente premonitória. Obviamente me referindo ao néscio, afirmei que “esse mesmo governante quase completou a destruição do SUS, instituição que é quem irá, ao que tudo indica, servir como última barreira à desagregação social e à morte”.

Previsão certeira, concretizada de forma plena e eloquente, ao ponto de as pessoas de todas as classes sociais terem entendido a importância do Sistema Único de Saúde. Uma das poucas consequências positivas do que vivemos, aliás, cuja força não podemos permitir que acabe no esquecimento. Afinal, o SUS precisa ser resgatado e deve evoluir enormemente, ajudando o nosso povo a viver melhor e o país a voltar a se desenvolver com justiça social.

Sínteses são difíceis de fazer. Ao menos boas sínteses o são. Mas é preciso nos arriscarmos a fazê-las, para que o espírito do assunto sintetizado seja preservado e que as gerações futuras possam lidar de forma exitosa com desafios semelhantes, que certamente virão.

Para mim, a síntese é que mudamos todos com as experiências vividas, como sociedade e como indivíduos. Muitos para melhor e alguns para pior – mas destes ao menos vimos as máscaras caírem e todos os disfarces se desmancharem no ar.

Sabemos quem negou a ciência, quem promoveu a desinformação, quem zombou da morte e quem agiu por ideologia. Quem usurpou os belos sentidos da palavra “liberdade” e quem passeou de moto por cima dos cadáveres de milhares de pessoas. Quem debochou da tristeza e quem chafurdou na lama da desumanidade montado em um jet ski.

Nas nossas famílias, nas empresas, nas instituições, nos grupos sociais, na imprensa e na política sabemos quem brincou com a morte e quem, à esquerda e à direita, entendeu a gravidade do que atravessávamos.

Nós, que sobrevivemos carregando tristezas em nossos corações, mas com a consciência tranquila por termos estado ao lado da ciência e da vida, podemos relevar, talvez até perdoar alguns, mas jamais poderemos esquecer – e isso não será soberba, apenas justiça.

(*) Luciano do Monte Ribas Luciano do Monte Ribas é designer gráfico, mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e doutorando em Diseño pela Universidad de Palermo (UP/Buenos Aires). É um dos coordenadores do Santa Maria Vídeo e Cinema, além de já ter exercido diversas funções na iniciativa privada e na gestão pública. Ele escreve neste site aos domingos.

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