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“Na guerra, a primeira vítima é a verdade” – por Michael Almeida Di Giacomo

O caldeirão de disputas políticas internas na Ucrânia, um tema pouco falado

Na última década, o rico e abundante capital energético russo é a fonte de sua força política na ideia de realocar o Kremlin entre os líderes da geopolítica mundial. Para se ter uma noção, no continente europeu 41% dos países mantém uma dependência da produção do gás vindo da Rússia. Algumas dessas nações, tais como Eslovênia, Letônia, Sérvia, Eslováquia e outras, dependem 100% da importação.

No centro dessa conjuntura econômica e política, a Ucrânia tem importância capital para a autocracia implantada por Putin – que está no poder há 22 anos. O regime tem na ex-república soviética a porta de entrada para o fornecimento de gás para o continente.

A Gazprom – empresa de capital aberto, mas controlada pelo governo russo – é responsável pela extração, transporte e venda do gás natural, em especial para a Europa. A dependência da União Europeia é tamanha que, após a invasão à Ucrânia, mesmo com a recomendação de retaliação ao Kremlin, as empresas no continente compraram mais e mais gás, grande parte do produto transportado pela rede de gasoduto russo via Ucrânia.

Todo esse contexto de guerra que estamos a acompanhar tem um de seus nascedouros na eleição presidencial ucraniana – ocorrida em outubro de 2004. Na ocasião, o líder do movimento “Revolução Laranja”, anti-Rússia e pró-ocidente, Viktor Yushenko, venceu o candidato apoiado por Putin, Viktor Yanukovych, à época primeiro-ministro.

O presidente russo, que ainda não havia tido uma derrota tão expressiva, lançou mão de seu poder na área política energética para demonstrar que a Ucrânia deveria continuar sob influência do Kremlin. Putin, em janeiro de 2006, determinou o cancelamento do fornecimento de gás ao país e a interrupção da importação de mercadorias.

A relação política e econômica entre as nações somente foi restabelecida após Putin condicionar que Viktor Yanukovych fosse nomeado primeiro-ministro – posição que ocupou entre agosto de 2006 a dezembro de 2007.

Em 2010, Yanukovych foi eleito presidente da Ucrânia e governou até 2014, tendo sido deposto após grandes protestos populares, liderados por extremistas da direita. A revolta se deu devido a denúncias de seu envolvimento e cumplicidade na ação militar russa, a qual resultou na anexação da península da Crimeia à Rússia – localizada ao sul da região ucraniana de Kherson.

O ex-presidente, que atualmente vive exilado na Rússia, foi julgado e condenado, sob a acusação de ter cometido alta traição em favor das ações militares e no apoio da sublevação pró-russas nas regiões de Donetsk e Lugansk, ao leste da Ucrânia.

Após a deposição do aliado de Putin, a União Pan-Ucraniana “Liberdade” – Svoboda -, agremiação partidária tida como sendo de extrema-direita e ultranacionalista, e que teve atuação destacada na deposição de Yanukovych, chegou a ocupar cargos no alto escalão da nova administração ucraniana, incluindo o de vice-primeiro ministro.

A milícia Azov, grupo formado por neonazistas, que atuou na queda de Yanukovych e, também, na guerra civil ao leste da Ucrânia, acusada de vários crimes de violação de direitos humanos, atualmente é parte da Guarda Nacional do país.

Em meio a todo esse caldeirão que é a política na incipiente “democracia” ucraniana, desde de 2015, as hostilidades entre o governo ucraniano e a região separatista tem registrado um grande número de vítimas – entre militares e civis.

A guerra civil, conforme relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas, já causou a morte de mais de 13 mil pessoas, sendo ao menos 3.350 civis, 4.100 soldados ucranianos, e 5.650 de outros grupos armados e, ainda, milhares de pessoas tiveram que se deslocar da região para outros países.

Como é possível notar, a complexidade da região, seu histórico – que vai além do relatado – me leva a crer que, realmente, em uma guerra a primeira vítima é sempre a verdade, seja para um lado, seja para o outro.

Nota do Autor: a frase título do presente artigo costuma ser atribuída a Ésquilo ou Philip Snowden ou Samuel Johnson, mas sua verdadeira autoria é desconhecida.

(*) Michael Almeida Di Giacomo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público. O autor também está no twitter: @giacomo15. Ele escreve no site às quartas-feiras.

Nota do Editor: a foto que ilustra este artigo foi reproduzida do site da revista National Geographic Brasil (AQUI)

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2 Comentários

  1. Gas e petroleo já andam com os dias contados. O que sobra para a Russia que tem ecconomia menor que Manhattan? Elon Musk, conhecido empresario, é um debochado (até ja fumou baseado num podcast, acompanhado de whisky). Provocado sobre o litio (carros eletricos usam nas baterias) falou/escreveu ‘vamos dar golpe onde quisermos’. Esquerda tratou da declaração sem a ironia original. Maiores produtores são Australia e Chile, não ha problema a principio. Mas vai saber. Como a cabeça do Putin, muitos dizem saber o que passa por la e até as taticas e cronogramas do exercito russo.

  2. Tem muita sujeira debaixo do tapete. Em 2012 passaram uma lei (controversa) na Ucrania dando status de idioma regional para o Russo (e outros) onde as minorias excedessem 10% da população. Poderia ser utilzado em tribunais, escolas e repartições publicas. Em 2014 a lei caiu. Dali a pouco fizeram uma lei para so ensinar ucraniano nas escolas. Resumo da opera e que o leste tentou colonizar culturalmente o oeste do pais. Justificar é provar a justeza, explicar é esclarecer. Outro assunto que veio a baila foi a guerra do Kosovo. Basicamente a OTAN mandou o Conselho de Segurança da ONU catar coquinhos (russos incluidos), bombardeou a Iugoslavia e instalou um novo governo.

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