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Peligros… – por Marcelo Arigony

O inspetor bem que tentou ajudar. Mas a cremeira, não

Entrei na delegacia ao raiar das 10h e ouvi um som estranho vindo de uma sala ao fundo. Era um zunido, algo tipo uoooummmmmm, uashhuuuuaaaa , wushaaaaaaaaaa, tsuitsuitsuittsusui,  íscíscaíscaíscaísca.

Vou caminhando curioso, guiado pelo som. No ar uma fumaça aromática malcheirosa, misto de fumo, baunilha e almíscar. Passo pela sala do Gôgo, ele dá de ombros, faz um jogo de sobrancelha meio constrangido, e aponta para a porta fechada da sala onde trabalha a equipe da investigação.

Abro a porta e encontro o ar turvo, uma mascada de incensos acesos, e o inspetor Peligros fumando um charuto fedorento. Vestia um turbante improvisado, toalha xadrez vermelha e branca da cozinha, a própria Zora Yonara. Olhos cerrados, qual num transe, largava um gemido tenebroso. Bolinava e gesticulava por cima e ao redor de uma cremeira preta, emborcada em cima da escrivaninha da investigação. Coisa feia de ver.

No meio da sala um gauchinho atarracado, bota e bombacha, virado em olho; tossia e se estapeava pela fumaça do charuto, mas não piscava, atento ao centro da cremeira.

– Que passa? Perguntei.

Peligros, quebrado no transe, voltou à realidade e respondeu:

– Estou procurando a égua deste cidadão delegado. Ele registrou ocorrência há algumas semanas. Foi furtada em um lugar ermo, sem testemunhas. Coisa difícil de elucidar, mas tamo firme no foco. O senhor olha ali, bem no centro da cremeira… dá pra ver uma manchinha branca. Acho que é a tubiana do patrão aí. Falta só plotar a localização no google…

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A brincadeira acima foi inspirada numa manhã em que cheguei na delegacia e havia uma vítima de abigeato meio exaltada, discutindo com os colegas do setor de investigação. O animal vacum havia sido furtado à noite, em um local distante e sem vigilância.

O que mais gratifica o policial é poder dar retorno às vítimas. Poder recuperar as coisas subtraídas, e prender o meliante. Mas às vezes é difcil porque a cremeira da cozinha não ajuda….

 (*) Marcelo Mendes Arigony é titular da 2ª Delegacia de Polícia Civil em Santa Maria, professor de Direito Penal na Ulbra/SM e Doutor em Administração pela UFSM. Ele escreve no site às quartas-feiras.

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