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A crise da pós-graduação brasileira – por Leonardo da Rocha Botega

“Nenhum país se desenvolve sem pesquisa! Nem sem pós-graduação!”

Na última semana recebemos atônitos a notícia de que a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) irá encerrar doze dos seus vinte e seis programas de Pós-Graduação. Entre esses programas de reconhecida qualidade como os Programas de Pós-Graduação em História, Comunicação, Ciências Sociais, Psicologia, Engenharia Mecânica. Paralelamente ao anúncio, algumas demissões de professores e professoras de grande trajetória também foram realizadas.

Através de uma Nota, a Unisinos informou que o encerramento é uma das ações da instituição visando a promoção de seu “equilíbrio financeiro” e seu crescimento “sustentável”. Como causas dessa readequação, a universidade aponta a queda no número de matriculas e a “redução expressiva de financiamento público para o ensino superior”. Chama atenção a seguinte frase: “o contexto do ensino superior brasileiro mudou radicalmente ao longo dos últimos anos”.

É inegável que ao longo das duas primeiras décadas do Século XXI, sobretudo a partir do Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) e do Programa Universidade para Todos (Prouni), o ensino superior teve um crescimento significativo no Brasil. Entre 2003 e 2014, foram criadas 18 novas universidades federais e 173 campi universitários. Além disso foram criadas mais de 360 unidades de Institutos Federais pelo país. No total, a quantidade de Instituições de Ensino Superior saltou de 1.859 para 2.368 ente 2003 e 2014. O número de estudantes concluintes do Ensino Superior passou de 1 milhão.

Tal evolução foi acompanhada pela Pós-Graduação. Entre 2008 e 2017, o número de titulados na pós-graduação stricto sensu, ou seja, Mestrado Acadêmico, Mestrado Profissional e Doutorado, cresceu 78,5%. No que tange ao número de Programas de Pós-Graduação stricto sensu, nesse mesmo período, houve um crescimento de 67,3%. Isso fez com que o número de mestres e doutores atuando como docentes de Ensino Superior chegasse a 80,4% em 2017. Um salto de qualidade significativo, sobretudo, se pensarmos que o Brasil só teve suas primeiras universidades no Século XX, quatro séculos depois da fundação das primeiras universidades na América Latina.

É esse salto de qualidade que vem sendo ameaçado nos últimos anos. O orçamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível de Ensino Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), principais órgãos de financiamento de pesquisa e das pós-graduações no Brasil, é o menor dos últimos dez anos. Somente o CNPq perdeu R$ 9,459 milhões que seriam destinados à pesquisas e bolsas. Bolsas estas que alcançaram neste ano o menor valor da história. Sem reajustes há dez anos, as bolsas de mestrado e doutorado hoje representam um poder aquisitivo 66% menor do que representavam em 2013. Para a maioria absoluta dos estudantes de Pós-Graduação, a bolsa é o “salário” que permite a sobrevivência e a dedicação exclusiva à pesquisa.

O resultado desse “novo contexto” é visível. Parte significativa dos Programas de Pós-graduação não está conseguindo sequer preencher suas vagas. Uma realidade que atinge até mesmo os programas de excelência, com conceitos máximos e reconhecimento internacional. Na Universidade Federal de Santa Maria, por exemplo, um terço das vagas da Pós-graduação ficaram ociosas. Ao mesmo tempo, os relatos de estudantes com dificuldades financeiras para se manter no curso, bem como, daqueles que desistiram por não conseguirem conciliar o trabalho com as exigências do estudo e da pesquisa, se avolumam.

Parafraseando o grande Darcy Ribeiro, com a devida permissão literária, a crise da Pós-graduação brasileira não é uma crise é um projeto! Um projeto que desmonta a política pública e fortalece a educação mercantil “pesque e pague”. Aquela sem qualquer compromisso de qualidade, que só pensa no $. Aquela dos lobbys que tomaram conta do Ministério de Educação. Dos mercadores da fé que acusam as instituições federais de Ensino Superior de serem “antros de balbúrdia”. Um projeto que, como estamos vendo, não se limita a destruição das universidades públicas, mas também põe suas garras maléficas sobre as Universidades comunitárias e privadas sérias. Esse quadro precisa ser mudado urgentemente! Nenhum país se desenvolve sem pesquisa! Nenhum país se desenvolve sem pós-graduação!

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

Nota do editor. A foto (de Reprodução) é da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos)

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4 Comentários

  1. Resumo da opera é simples. Um monte de dinheiro jogado em cima do problema, uma expansão para mostrar numeros bonitos. Retorno para a sociedade pifio. Como o famoso Trem Bala, fazer o Brasil parecer avançado é mais facil e mais rapido do que fazer o pais realmente avançar. Não era possivel, com a ideologia deste povo, fazer algo que preste. Melhorar a qualidade antes de expandir ‘aumentaria a desigualdade’, ‘criaria elites’, impensavel. Negocio é expandir (ou seja, aumentar o problema!) e ‘depois melhorar a qualidade’. Coisas de ‘genio’. Culpa, como sempre, é dos outros!

  2. Serviços de propriedade intelectual do Brasil (os tais royalties) mostraram um saldo negativo em 2021 de 4,5 bilhão de dolares. Recebemos algo como 705 milhões e pagamos pouco mais de 5,1 bilhões. Simples assim. Darcy Ribeiro (esquerda) encampou as bandeiras de Anisio Teixeira (um conservador). Darcy Ribeiro, se lembro bem, trabalhou na secretaria de educação do Maranhão no governo Sarney lá no tempo do Ariri Pistola.

  3. Reuni foi feito como Deus fez a mandioca. Mais ou menos como as creches do periodo petista. Foram prometidas milhares de creches e dez anos depois (mais ou menos) metade (arredondando) não saiu do papel. No processo muito dinheiro jogado na sarjeta, construtoras quebraram, obras inacabadas, sabe-se lá quanto foi para a corrupção. Criaram cursos sem criterio nenhum e a ‘justificativa’ são os numeros. Numeros inflados e ‘qualitativo’ idem. ‘Tal evolução …’. ‘É esse salto de qualidade que vem sendo ameaçado nos últimos anos.’ Que qualidade? Desde quando numeros de quantidade é salto de qualidade?

  4. Pós graduação, para começo de conversa, não é uma coisa só. Exise o lato sensu (especializações) e o strictu sensu. Primeiro, curto, voltado a atividade profissional, segundo a carreira academica (ao menosn no Brasil é assim). Exceção ao mestrado profissional que é mais ou menos misto. Nenhum pais se desenvolve sem pesquisa ou pós-graduação? Italia no processo de adoção do Processo de Bolonha só adotou o dottorato em 1980. Uruguay é mais ou menos nesta linha. Catar milho demanda tempo, mas o busilis é que trocam o efeito pela causa por conta da ideologia, quanto mais servidores publicos burocratas cuidando da pesquisa maior o desenvolvimento. Obvio que não é assim.

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