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Memória. Beto São Pedro, “com o povo e sem medo”

“Cabe é fazer um pacto: não deixar que a história dele caia no esquecimento”

Com o povo e sem medo (*)

O Beto São Pedro tinha um arsenal de histórias, muitas delas originadas ou movidas por uma frase de efeito. Um “gancho” para relacionar o conteúdo com a situação. Com refinada ironia, geralmente. Ou irônica ingenuidade, dependendo do protagonista.

Numa delas, segundo ele, um senhor mais humilde, por assim dizer, tinha sempre uma saída para os silêncios constrangedores das conversas. Se o assunto parava, o personagem desta história largava a frase “tem morrido gente!”. Quebrava-se o gelo e seguia-se adiante.

Talvez o Beto São Pedro aproveitasse essa hoje. Pensem nessa possibilidade, sem preconceitos: ele se levantando, dando um leve sorriso, arregalando os olhos para todas e todos nós e soltando a frase “tem morrido gente”, seguida dos risos e da modesta autoironia que desarmava qualquer pessoa.

Foram infinitas frases como essa. Por exemplo, quando a explicação para algo não era muito clara, a solução era dizer “às vezes isso é uma espécie de qualquer coisa”. Geralmente era, fosse lá o que fosse a tal da “coisa”. O ambiente suavizava e ganhava-se tempo para entender melhor o problema, primeiro passo para descobrir um caminho a ser seguido.

Mas, se o caminho fosse sem volta, ele recorria à máxima do seu Floriano do Monte, “assim é e assim será”. E ponto, pois “se não tem remédio, remediado está”.

Mas caso fosse preciso abreviar os “introitos”, o recurso era a reiterada pergunta de um dos muitos militantes que ele conheceu durante a vida: “e como está a coligação e o partido?”. Para a fonte inspiradora, não importava a época e, mesmo se não fosse período eleitoral, a pergunta seria a mesma. E ela se tornou útil para entender melhor a conjuntura sem precisar contextualizar o assunto desde a abertura do Mar Vermelho…

E havia a síntese do pragmatismo ilustrado, movido pela busca da solução possível e exequível, em oposição ao desejo condenado ao mundo. Quando era preciso recorrer ao possível, ele nos lembrava que aquele era o caso da “menas perca”, como em algum momento ouviu de alguém.

Mas não nos compete nesse duro momento de despedidas lembrar de todas as histórias que ele contava. Vamos saboreá-las aos poucos, em Camobi, em Itaara, nos encontros da Resistência, na Tafona, na beira do Vacacaí ou em qualquer outro lugar do mundo onde existirem amigos e amigas do Beto São Pedro. E vocês sabem que essa não é uma frase retórica, pois para ele onde não havia uma amizade, urgia construir uma.

O que nos cabe é fazer um pacto: não deixar que a história do Beto São Pedro caia no esquecimento, enquanto um de nós estiver por aqui. E, de preferência, reproduzirmos as histórias que soubermos, até que a lenda se torne viva e autônoma, sendo reproduzida e aumentada enquanto houver vida no planeta.

Ressalte-se, a reprodução da história de uma pessoa imperfeitamente boa, visceralmente humana, que via o mundo como um projeto de civilização e não como um território a ser conquistado. Era assim que ele colhia histórias nascidas nas ruas, nos bares, nas barrancas, nas academias, nas lutas ou nas mentes geniais de um García Lorca ou de um João Cabral de Mello Neto. Aliás, aproveitando o gancho, esse galo sempre soube tecer manhãs.

Um desses amanheceres foi em 1° de janeiro de 2023, no Planalto Central.

Todas e todos sabem o quanto o Beto São Pedro fincou o garrão na resistência. Enquanto alguns fraquejavam, ele não se importava até em colocar amizades em risco em nome do que não seria a “menas perca”, mas sim o “grande ganho” dessa geração. E ele viu isso acontecer. Ou começar a acontecer. E fará muita falta para ajudar a consolidar a reconstrução.

Por fim, arriscando falar em nome das famílias do Monte e Fialho (e de todas as pessoas que a elas se agregaram), pedimos que todas e todos aqui presentes levem consigo a luz teimosa da esperança que o Beto São Pedro carregava desde guri – a luz recebida em 23 de maio de 1952 através da Judith, verdadeiro esteio da vida dele.

Essa luz já está continuada na Manuela, no Éder e na Alice, nos muitos sobrinhos e nas muitas sobrinhas, nas irmãs Vera e Lígia e no irmão Zé e nas incontáveis amizades. Mas ela precisa ser continuamente compartilhada, precisa ser comum, ser comunitária, ser comungada.

É necessário partilharmos a esperança para compartilharmos o pão e o vinho. Essa era a missão dele, cumprida e passada adiante, hoje, para cada um e a cada uma de vocês.

Não se neguem a assumi-la.

(*) Texto escrito, em nome das famílias do Monte e Fialho, por Luciano do Monte Ribas e lido por Manuela do Monte, na homenagem feita a Luiz Roberto Simon do Monte, o Beto São Pedro, no final do velório, no plenário da Câmara de Vereadores, no final da tarde de terça-feira, 31de janeiro.

(**) As fotos de Beto São Pedro, que ilustram este texto e a capa do site, são reproduções do Facebook.

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3 Comentários

  1. Belíssimo texto, Luciano. Vamos em frente com a missão que o Beto São Pedro assumiu e também permitiu que a ela nos incorporássemos, ao seu muito próprio e humano modo, tão bem descrito por ti. Obrigado. Agradeço também ao Claudemir, pela publicação. Abraços.

  2. Hummmm…..Figuras de linguagem a parte, todos os que ouviram o texto no velorio e todos que lerem a publicação no site serão esquecidos. Simples assim.

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