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O paradigma Mujica – por Leonardo da Rocha Botega

Que não acabem suas ideias e “surjam novos ‘Mujicas’. A humanidade precisa!”

“Sou um velho que está muito perto de empreender a viagem de onde não se volta”. Com estas palavras, pronunciadas em um comício da Frente Ampla, no final do primeiro turno da campanha presidencial uruguaia, José Alberto “Pepe” Mujica Cordano levou milhares de pessoas, no mundo todo, às lágrimas. A sensação de finitude é sempre um desconforto para a humanidade, ainda mais quando quem está se indo é um grande expoente da luta por um novo paradigma.

Desde que subiu no púlpito da Organização das Nações Unidas, na 68ª Assembleia da instituição, em 24 de setembro de 2013, Mujica demonstrou ao mundo a sua natureza paradigmática. Após anunciar que era um homem do sul, vindo da “esquina do Atlântico e do Prata”, o então presidente uruguaio proferiu uma das mais brilhantes peças discursivas das Nações Unidas. Em meio ao jogo da real politique falou de amor, amizade, aventura, solidariedade e família, “as únicas relações humanas que transcendem”.

Mujica falou também que o angustiava “o amanhã que não veria”, mas pelo qual se comprometia. Chamava atenção de que “é possível um mundo com uma humanidade melhor, mas talvez, hoje, a primeira tarefa seja cuidar da vida”. Um importante recado para um mundo que, ao longo da década seguinte, vivenciou (e vivencia) uma psicodeflação pandêmica, o fortalecimento dos fascismos e uma incerta escalada de guerras e genocídios.

A trajetória de Mujica confunde-se com a própria História Contemporânea do Uruguai. Descendente de imigrantes bascos, nasceu em 20 de maio de 1934, no bairro Paso de la Arena, em Montevidéu. Seu pai, um pequeno agricultor, faleceu quando tinha apenas seis anos. Estudante de escola pública, seus primeiros contatos com a política ocorreram por influência do tio, Ángel Cordano, um nacionalista ligado ao Partido Nacional, agremiação onde “Pepe” iniciou sua militância.

Não demorou muito, Mujica rompeu com o nacionalismo e passou a militar na Unión Popular, um grupo socialista. Nos anos 1960, aderiu ao Movimento de Liberação Nacional – Tupamaros. Foi preso e ficou doze anos enfrentando a repressão e a tortura da Ditadura Civil-Militar que assombrou o país ao longo destes mesmos doze anos. Com o fim da ditadura passou a construir a Frente Ampla, movimento que deste 1971 congregava a esquerda e a centro-esquerda uruguaia.

A Frente Ampla chegaria ao governo do país em 2005, trinta e quatro anos após a sua fundação, com a vitória eleitoral de Tabaré Vázquez. Mujica passou a ocupar o cargo de Ministro da Agricultura no novo governo. Deixou o ministério em 2008 para concorrer à presidência da República. Por ironia do destino seu principal adversário foi Luis Alberto Lacalle do Partido Nacional. Mujica venceu, no segundo turno, com 52,60% dos votos, assumindo o governo no dia 1 de março de 2010.

O governo Mujica foi marcado pelo intenso combate à pobreza, que caiu de 40% para 11%, pelo combate ao desemprego, que caiu de 13% para 7%, e por medidas ligadas ao chamado progressismo como a descriminalização do aborto, a instituição do matrimonio igualitário e a legalização da maconha a partir do controle estatal. Porém, o que mais chamou atenção, sobretudo, internacionalmente foi a postura austera assumida pelo presidente uruguaio.

Por conta desta postura, foi considerado o presidente “mais pobre do mundo”. Quando perguntado sobre sua pobreza, Mujica responde que não se considera pobre, apenas “vive com aquilo que necessita”. Uma resposta coerente com a sua crítica à sociedade de consumo, onde o “homenzinho médio” das grandes cidades perambula “entre os bancos e o tédio rotineiro dos escritórios”. Coerente com sua crítica aos próprios governos da esquerda que conseguiram produzir “consumidores”, mas não “cidadãos”.

“Pepe” Mujica representa uma nova forma de ver o mundo em meio a um espaço político cada vez mais profissionalizado e burocratizado. Um paradigma que não teme a possibilidade da construção de uma humanidade melhor. Que não se prende ao poder. Um paradigma necessário em tempos onde o mundo baila à beira do abismo. Um paradigma que não pode acabar com o fim de seu propagador. Que surjam novos “Mujicas”. A humanidade precisa!

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

Nota do Editor: a foto que ilustra este artigo, de José Alberto “Pepe” Mujica Cordano, votando no primeiro turno da eleição presidencial uruguaia, no último domingo, é uma Reprodução obtida na internet.

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4 Comentários

  1. ‘Que surjam novos “Mujicas”. A humanidade precisa!’ Dois problemas. Momento historico é diferente, a ideologia que impulsionou Pepe é anacronica. Segundo, a ‘humildade’ de quem sabe do que a ‘humanidade’ precisa!

  2. ‘Foi preso e ficou doze anos enfrentando a repressão e a tortura […]’. Amnesia seletiva de praxe. Participou como guerrilheiro, inspiração cubana, da tomada da cidade de Pando. Em 70 resistiu a prisão a bala, feriu dois policiais e levou meia duzia de tiros. Preso escapou duas vezes.

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