Coluna

A reunião da família brasileira – por Bianca Zasso

O filme de abertura do 51º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o longa de ficção Domingo, tem como protagonista uma família. Até aí, nenhuma novidade, já que papai, mamãe, filhinhos e agregados já foram o fio condutor de muitos filmes. Porém, as peculiaridades dos personagens da produção dirigida por Clara Linhart e Fellipe Barbosa (o mesmo de Gabriel e a Montanha), são um tanto insólitas. Para o bem e para o mal.

Domingo se passa no dia 1º de Janeiro de 2003. Para os leitores de pouca memória, trata-se da data de posse do primeiro mandato do Presidente Lula. O primeiro dia do ex-metalúrgico em Brasília é utilizado no longa para diferenciar patrões de empregados dentro da trama, filmada na cidade de Pelotas, na região sul do Rio Grande do Sul.

Aliás, a família protagonista, capitaneada por Laura, interpretada pela veterana Ítala Nandi (agraciada como Prêmio Leila Diniz no festival), é um retrato de uma burguesia que diminuiu a renda, mas não o ego. Os empregados da casa à beira da lagoa, de paredes mofadas e telhado precário, são tratados de forma opressiva. Do outro lado da moeda, temos patrões com uma série de conflitos, segredos e frustrações. E é esse o problema de Domingo.

Tirando as atuações de Silvana Silvia, Clemente Viscaíno, Augusto Madeira e Camila Morgado, que convencem no sotaque e na construção dos personagens, temos uma turma caricata e complicada de engolir. Ítala Nadi, em especial, tenta dar um tom cômico para os absurdos ditos por Laura, mas só consegue nos fazer lembrar que está atuando. Os personagens adolescentes, em especial os masculinos, não convencem e causam antipatia quando deveriam ser o frescor da história.

A proposta de Domingo, que é a de apresentar o fim de uma era e a mistura de medo e esperança que ele provoca, não se concretiza de forma completa. Linhart e Barbosa gostam de planos longos e com muitos personagens, quase sempre com a câmera parada, quase um teatro filmado.

Isso funciona na parte inicial, mas torna-se cansativo, ainda mais depois de momentos em close, nas cenas internas. Chegamos perto daquelas pessoas, mas elas não se revelam completamente. A fotografia, limpa e cristalina, lembra uma telenovela e não reflete a decadência inaceitável que paira nos diálogos e ações.

Domingo é uma série de situações inacabadas, o que prejudica o envolvimento do espectador. São pessoas agarradas à velhos padrões sociais. Mesmo Bete, personagem de Camila Morgado, que fala o que pensa e é dada à extravagâncias, também não está disposta a perder suas regalias.

A única que parece ter noção do que acontece da porta para fora do velho casarão é Inês, a empregada que mora com a filha no menor quarto da casa. Ela é a única que enfrenta Laura, com uma elegância que sua patroa jamais conheceu. É talvez a única do elenco que consegue nos conquistar, já que tem os dois pés na realidade.

Domingo, apesar de suas falhas, serve para provocar uma reflexão nestes tempos estranhos que vivemos. Há muitas famílias como as do filme vivendo em nosso país, acreditando numa hierarquia ultrapassada e ainda olhando com asco para o diferente. E elas vão às urnas também. No dia 1º de janeiro de 2019, vamos torcer para que a novidade do dia seja de esperança e não de medo.

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