O assédio é passageiro?
Por MICHAEL ALMEIDA DI GIACOMO (*)
Embora seja possível destacar os avanços e conquistas obtidos pelas mulheres, inclusive com um arcabouço jurídico a tutelar direitos, o fato é que ainda vige, com muita força, uma cultura onde a mulher é tratada como objeto.
E o assédio sexual é uma das formas a exteriorizar essa relação de poder ainda muito desigual. Mais especificamente no contexto entre o homem e a mulher. Essa é uma prática recorrente de agressão que se repete diariamente e pode acontecer de muitas formas.
Um dos locais de maior incidência a ocorrer esse tipo de manifestação sexual é justamente no transporte e no espaço público. Identificar e distinguir comportamentos que possam ser caracterizados como assédio sexual, em determinadas ocasiões, não é algo tão simples. Primeiro pela situação em si, depois pelo próprio contexto social, no qual muitas vezes a mulher resta desacreditada.
Isso ocorre, pois o assédio não se configura somente quando a agressão é percebida sob a forma física. Por exemplo, no transporte público, quando o agressor se masturba e ejacula sobre a vítima. Aliás, de uma forma muito inteligente, a série “Sex Education”, que estreou a 2ª temporada no canal de streaming Netflix, traz entre seus episódios um evento que chama a atenção justamente para esse fato.
Na série, a personagem Aimme Gibbs é vítima de um agressor que ejacula em sua calça. A jovem, no momento do fato, e nos instantes seguintes, não chega a compreender o ato como uma agressão sexual. No entanto, no desenvolvimento dos episódios, com a ajuda das amigas da escola, passa a entender a situação. A agressão da qual foi vítima e a necessidade de denunciar à autoridade policial.
Um ponto a se destacar no episódio é a situação psicológica sofrida pela jovem, a qual, inclusive, passa a ir a pé para a escola. Ela tem medo de encontrar novamente o agressor. Além de não conseguir mais manter relações sexuais com seu namorado.
Mas há outras situações em que, embora a mulher possa ter consciência do que é uma agressão sexual, ela não percebe que está sendo vítima, pois o agressor age sob “as sombras”.
Esse foi caso de uma jovem moradora do município de São José dos Campos, interior de São Paulo. Ela ia para um de seus compromissos, acredito que para a escola, e ao fazer uso do transporte público foi vítima de uma situação que, infelizmente, se torna corriqueira nesse ambiente.
Um homem a filmou no assento do ônibus e, ao mesmo tempo, mostrava no vídeo que estava tendo uma ereção. Ao postar a imagem da jovem em um site pornográfico, usou termos chulos a indicar que ela estaria gostando da situação. A imagem foi parar em cinco sites e teve mais de 70 mil visualizações. A jovem fez uma denúncia pública em sua rede social e também registrou Boletim de Ocorrência junto à Delegacia de Polícia.
A orientação recebida pela vítima na Delegacia foi reproduzida em sua rede social, e acredito ser importante lançar aqui: “Tirar foto do rosto. Se ele reclamar, vc tira mais!! No mesmo dia vai na delegacia fazer um B.O. pq as filmagens dos ônibus ainda não foram apagadas”.
A jovem também faz um apelo às demais vítimas de agressão sexual no transporte público: “Eu sei que é comum nós termos medo de reagir e isso não nossa culpa; mas se conseguirem passar por cima do medo, GRITEM. O motorista é obrigado a parar o ônibus e o nojento não sai de lá enquanto a polícia não chegar”.
Assim como a personagem de Sex Education, que contou com a ajuda das colegas de escola e todas embarcaram com ela no ônibus para ir à escola, a jovem de São José dos Campos teve a companhia de uma amiga e de seu irmão nos dias seguintes para percorrer o trajeto por meio do transporte público.
E mais, a cidade se mobilizou a fim de combater esse tipo de agressão. A Câmara de Vereadores criou uma comissão parlamentar para discutir e encontrar soluções para o problema vivido pelas mulheres.
Como é possível de ser constatado, a denúncia é muito importante para alcançar o agressor. É fundamental saudar a coragem da jovem de São José dos Campos que, ao expor sua situação, irá incentivar outras mulheres a não ficarem caladas. Afinal, o assédio não é passageiro.
(*) Michael Almeida Di Giacomo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público. O autor também está no twitter: @giacomo15.
Observação do editor: A foto, sem autoria determinada, é de uma obra do pinto brasileiro Victor Meirelles de Lima. Foi reproduzida deste link: https://museuvictormeirelles.museus.gov.br/exposicoes/longa-duracao/arquivo/victor-meirelles-construcao/obra-em-perspectiva/mulheres-suliotas-a-morte-nos-olhos/
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