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Interação dos plásticos na natureza – por Marta Tocchetto

“Resultados de pesquisas científicas têm revelado constatações assustadoras”

É cada vez mais evidente a interação de resíduos plásticos com a natureza, revelam pesquisadores. Estamos comendo microplásticos!

Resultados de pesquisas científicas têm revelado constatações assustadoras em relação a interação de resíduos plásticos com a natureza. A plasticose é uma doença recentemente detectada em aves. A ingestão de pequenos fragmentos de plásticos causa lesões inflamatórias no trato digestivo desses animais. A persistência do processo provoca cicatrizes e alterações das características originais dos tecidos afetando a digestão. 

Os humanos não estão livres da interação com os plásticos. Estimava-se que uma pessoa ingeria o equivalente a um cartão magnético por ano de microplásticos. Mais recentemente, a revelação é de que essa quantidade é ingerida semanalmente. Os materiais plásticos são bastante persistentes no meio ambiente.

Durante a decomposição que pode levar centenas de anos, se fragmentam em minúsculos pedaços, os microplásticos. As partículas diminutas se locomovem por ação dos ventos, das chuvas e da movimentação de diferentes seres.

Ficam adsorvidas nas penas das aves, nos pelos dos mamíferos, na pele dos peixes e do homem, nas aeronaves, enfim são transportadas à locais muito distantes daqueles em que foram descartadas afetando, assim diferentes ambientes e a biodiversidade como um todo. A ingestão de microplásticos também ocorre por meio da água e de alimentos contaminados nos quais esses materiais estão incorporados aos tecidos de plantas, peixes e aves.

A produção de plásticos no planeta cresceu a passos largos. Estima-se que foram produzidos, até hoje, dez bilhões de toneladas desses polímeros. O número demonstra que o problema ocasionado por essa gigantesca quantidade é praticamente irreversível, considerando que a decomposição pode demorar séculos. Além disso, a reciclagem não chega a alcançar 10 %, significando que, em torno de 90 % permanecem no meio ambiente até se degradar a microplásticos.

Rochas com plástico incorporado foram descobertas por geólogos em uma ilha próxima ao estado do Espírito Santo. A probabilidade é de que a origem seja redes de pesca abandonadas no mar que pela ação de correntes acabam chegando até o local. O desgaste das rochas plásticas pode gerar microplásticos. O fenômeno se constitui em mais uma ameaça para animais marinhos como peixes, tartarugas e aves.

Cientistas detectaram essas partículas na corrente sanguínea de humanos. Estamos comendo microplásticos! Em 2022, pela primeira vez, foi detectado que 75 % de amostras de leite materno de mães saudáveis revelaram a presença de diferentes tipos plásticos (PVC, polietileno e polipropileno). É assustador que bebês estejam ingerindo microplásticos por meio do alimento mais recomendado para assegurar um desenvolvimento saudável.

O real efeito a essas crianças é desconhecido. Médicos recomendam que gestantes evitem alimentos e bebidas embalados em plásticos. Dentro do possível, devem também evitar cosméticos e cremes dentais com microesferas e, também roupas sintéticas. O processo de lavagem devido a abrasão do tecido gera micro fragmentos de polímeros.

A produção de plástico cresce ano a ano. Estima-se que durante o período mais grave da pandemia de Covid 19 o consumo cresceu 45 % e não reduziu. A indústria do petróleo é uma das principais interessadas que nem a produção, nem o consumo diminuam tampouco, o material seja substituído ou eliminado.

Muitos países buscando a redução, em especial, dos plásticos de uso único, descartáveis, têm proibido não só a distribuição, mas a fabricação – canudos para bebidas, mexedores de chá e café, cotonetes. A proibição se estende também àqueles tipos cuja reciclagem é difícil e/ou não ocorre, seja por inviabilidade econômica ou tecnológica. É o caso do isopor. O uso de plásticos é uma questão de consciência coletiva. É preciso dizer não a esses materiais! Não! Atitudes individuais impactam a sociedade como um todo.

O custo para destinar resíduos urbanos é elevado. Santa Maria gasta mais de 20 mil reais por dia para encaminhar resíduos ao aterro. A coleta seletiva vem ao encontro da redução dos custos financeiros e de uma melhor destinação. É preciso reciclar mais. É preciso gerar menos resíduos. É preciso não gerar o que é desnecessário. A reciclagem por si só não representa garantia de melhor destinação – nem todo reciclável é de fato reciclado. Muitos materiais por falta de mercado e de alternativas de processamento são destinados como rejeito.

Sacolas plásticas descartáveis são um bom ponto de partida para a revisão de atitudes em relação a nossa cidade. Na minha opinião, elas não deveriam ser distribuídas gratuitamente. Se necessárias, devem ser adquiridas (pagas) pelo consumidor. Além dessa estratégia para reduzir o consumo, os estabelecimentos deveriam desenvolver campanhas educativas para estimular, em primeiro lugar, a não geração, em segundo lugar, a redução e em terceiro lugar, o encaminhamento à coleta seletiva.

Os próprios estabelecimentos poderiam organizar um sistema de recebimento das sacolas distribuídas por eles para destiná-las às associações e às cooperativas de catadores da cidade. Dessa forma, em vez de irem parar nos aterros e, até mesmo, no meio ambiente permanecendo centenas de anos, seriam encaminhadas à reciclagem e se constituiriam em uma fonte de renda aos catadores de materiais recicláveis. Não dá para ficar esperando acontecer. É simples começar. Que tal separar uma sacola e colocar na bolsa ou na mochila para as pequenas compras? Que tal deixar sempre dentro do carro algumas sacolas para as compras maiores? Pequenas ações podem inspirar grandes mudanças.

(*) Marta Tocchetto é Professora Titular aposentada do Departamento de Química da UFSM. É Doutora em Engenharia, na área de Ciência dos Materiais. Foi responsável pela implantação da Coleta Seletiva Solidária na UFSM e ganhadora do Prêmio Pioneiras da Ecologia 2017, concedido pela Assembleia Legislativa gaúcha. Marta Tocchetto, que também é palestrante em diversos eventos nacionais e internacionais, escreve neste espaço às terças-feiras.

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2 Comentários

  1. O que leva ao assunto ‘academia’. Leandro Karnal com video no Youtube interagindo com o ChatGPT. Primeira pergunda? ‘Quem é Leandro Karnal?’. Prompt seguinte ‘Escreva um texto imitando o estilo de Leandro Karnal sobre o assunto tal’. Resumindo, não gostou do resultado. Largou um ‘existem inumeros textos de minha autoria na internet e o resultado poderia ter sido melhor’ (algo do genero, parei de assistir ai). IA foi treinada preponderantemente em ingles. Não deve ter utilizado todo texto disponivel em qualquer idioma. Aparentemente o conceito de ‘banco de dados’ não se aplica. Resumo da opera, o cientismo que saiu da pandemia foi adotado pela esquerda (que contraditoriamente, para variar, abomina o positivismo/cartesianismo). Utilizando uma piada flexivel particularmente util na aldeia, a diferença entre Deus e um(a) docente universitario(a) é que Deus sabe que não leciona para ninguém e nem faz pesquisa.

  2. Hummmm…. Como dizia o engenheiro W. Edwards Deming, o do controle de qualidade, ‘In God We Trust All Others Must Bring Data.’. ‘Resultados de pesquisas científicas […]’, quais, quantas e feitas onde e por quem? ‘Cientistas detectaram […]’ certamente tem nome. ‘Médicos recomendam […]’ idem. ‘O uso de plásticos é uma questão de consciência coletiva.’ a consciencia coletiva é o bolso. Vide cinto de segurança. ‘Os próprios estabelecimentos poderiam organizar um sistema de recebimento das sacolas […]’, podem organizar, se vai aparecer alguem para devolver sacola é outra conversa.

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