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Apocalípticos do Século XXI – por Rogério Koff

Uma conhecida revista semanal brasileira atribuiu a seguinte declaração a Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência da República e coordenador do programa de governo da ministra Dilma Rousseff: Os canais de televisão a cabo realizam, de forma indolor, um processo de dominação muito eficiente. Despejam esterco cultural. Garcia teria feito esta referência à televisão para assinantes em um discurso na sede do Partido dos Trabalhadores, em Brasília, no último dia seis de fevereiro.

Tudo bem, dirão os leitores, já sabemos de qual revista se trata. Pode ser uma publicação notoriamente antipetista, que nunca hesitou em salientar aspectos negativos do governo Lula. Mas, particularmente, não estou interessado nas perspectivas editoriais em foco que, aliás, são legítimas, em se tratando do estado democrático e da liberdade de expressão. Gostaria mesmo de saber se a fala de Garcia corresponde mesmo à transcrição feita. Em caso afirmativo, estamos diante de um disparate.

Em primeiro lugar, porque só acredita nesta bobagem quem não tem acesso aos canais pagos de televisão e, consequentemente, é incapaz de comparar. A televisão aberta e grande parte dos programas de entretenimento produzidos aqui mesmo, no Brasil, são inequivocamente piores do que aqueles referidos pelo assessor. Faço questão de tomar o cuidado que Garcia não teve, que é o de não generalizar. É claro que há produções qualificadas e que não merecem ser comparadas a algo como esterco cultural.

Dito isto, sou forçado a pensar que Garcia não está preocupado exatamente em entabular um debate sério sobre a qualidade da programação da televisão brasileira. Sua fala é ideológica e expressa uma crendice que durante décadas significou uma bandeira para as esquerdas. A origem está lá mesmo, na cartilha marxista: o entendimento de que as representações das classes dominantes também se tornariam ideias dominantes de uma época histórica. Transposta para a era dos meios de comunicação e abraçada mais tarde por Adorno e Horkheimer, a teoria enfatiza a suposta passividade das audiências diante dos produtos culturais, incapazes de defesa ou crítica.

Felizmente, ninguém mais leva isto a sério nos cursos de comunicação, ou pelo menos não conheço mais quem possa pensar em ensinar coisa parecida a seus alunos. Ao invés do ranço contra a “satânica” Indústria Cultural, as teorias falam hoje da cultura das mídias e de como, para além da inércia das audiências, entendemos existir uma posição crítica dos espectadores, capazes de produzir uma interação simbólica entre suas representações e os produtos culturais veiculados pelos meios de comunicação.

Talvez a resposta para a irritação de Garcia contra a TV a cabo esteja na lógica vesga do antiamericanismo, pela qual tudo o que se produz nos Estados Unidos é nefasto e ideologicamente perverso. Não terá sido por este motivo que um seriado magnífico como Os Simpsons acabou censurado na Venezuela? Mas não esqueçamos que a narrativa cinematográfica tal como a conhecemos hoje é uma invenção norte-americana e que muito do que se faz por aquelas bandas, não necessariamente no cinema independente, mas também na indústria hollywoodiana, é de muita qualidade.

De minha parte, desejo longa vida à televisão a cabo. Graças a ela ainda não morri de tédio. Quanto a Garcia, ele pode ficar com os reality shows da Globo, da Record e do SBT. Todos na TV aberta. Bom proveito!

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Um Comentário

  1. Bueno, na minha opinião, a utilização de termos como “fascistas” e outros de natureza semelhante, mesmo quando utilizados como contra-argumento, denotam o desejo de imposição de idéias, de cercear o debate. Em respeito às normas de civilidade do site, recolho-me manifestando a intenção de não mais comentar neste espaço.

  2. O que, caros amigos, em se tratando de Hugo Chavez e das neo-ditaduras do Cone Sul e de alguns expoentes brasileiros um tanto saudosos, dá absolutamente na mesma. Fascismo é fascismo, de direita ou de esquerda, não é mesmo???

  3. Pelo menos o clichê está se modernizando. Antes os referenciais comparativos seriam: U.R.S.S., República Popular da China, República Popular Socialista da Albânia, etc…

  4. Olá Rogério. Parabéns pelo artigo. Acho que você é muito otimista. Em breve esta turma esperta vai sim transformar todos os setores de comunicação do Brasil em aparelhos similares aqueles que se vê na ensolarada Cuba, na sensacional Venezuela, no glorioso Irã, na bela Coréia do Norte. Aguarde.

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