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A grande troca – por Bianca Zasso

O poeta gaúcho Mário Quintana, que tinha as feições mais amigáveis que eu já vi, escreveu definiu a amizade como um amor que nunca morre. Simples, direto e verdadeiro. Mais do que um poema, Quintana criou um ensinamento: amizade é um tipo de amor. E a base de qualquer amor é a troca.

Filmes que falam sobre amizades existem dentro de todos os gêneros. Uns são tristes, outros nos enchem de esperança. Tem também os poéticos, que traduzem na tela todo aquele turbilhão de emoções que toma conta da gente quando estamos entre amigos. Um bom exemplo dessa poesia foi expresso em Bagdad Café, filme de 1987 que chegou de mansinho nas telas e nos festivais e acabou se tornando uma das melhores produções da década de 80.

Dirigido pelo diretor de videoclipes Percy Adlon, Bagdad Café segue a linha dos vídeos musicais, com cenas que são um convite à contemplação e uma trilha sonora marcante. A canção de abertura Calling You, interpretada por Jevetta Steele, é um anúncio: estamos diante de uma bela história.

Ambientado no deserto do Arizona, Bagdad Café tem como protagonistas duas mulheres que, à primeira vista, parecem muito diferentes. Jasmin, interpretada pela ótima atriz Marianne Sägebrecht, é alemã e resolve abandonar o marido sozinho na famosa Rota 66, estrada americana icônica tanto no cinema como na literatura, para tentar mudar de vida. Brenda é a proprietária do estabelecimento que dá nome ao filme, uma espécie de posto de gasolina misturado com hotel e lanchonete. Além de tocar os negócios, Brenda precisa lidar com um marido preguiçoso, dois filhos e um neto.

O encontro das duas, no meio do deserto, parece prever um embate violento, já que a paciência de Jasmin contrasta como os gritos e ataques de raiva de Brenda. Apesar dos conflitos iniciais, logo percebemos que Brenda e Jasmin são iguais. Ambas querem mudar, encontrar um outro caminho, mais feliz, onde possam realizar seus desejos sem culpa. Seja o desejo de ser livre ou o de aprender a ver o lado bonito dos dias. Jasmin parece mais dedicada à mudança, procurando contato com os filhos de Brenda e mudando aos poucos sua atitude tipicamente alemã, fechada e cheia de regras. Brenda parece brigar consigo mesma para conseguir relaxar e aceitar as mudanças que Jasmin vai aos poucos trazendo para sua realidade.

É mais que uma ajuda, é uma troca. Jasmin engrandece os pequenos detalhes felizes de Brenda, e Brenda se entrega a uma amizade sincera, sem os horários rígidos que seu trabalho cobra e ela tanto odeia. Jasmin aprende alguns truques de mágica e transforma o Bagdad Café em um ponto de encontro alegre para os viajantes que cruzam a Rota 66. Mais do que fazer surgir coelhos da cartola, Jasmin muda a cor do ambiente e faz brotar momentos inesquecíveis em cada um que passa pelo local.

Numa das cenas mais simbólicas do filme, Jasmin faz uma faxina caprichada no escritório de Brenda, que mais parece um depósito de lixo. Tirar a poeira dos cantos, jogar fora o que pesa e não tem mais valor. É o pontapé inicial para uma verdadeira revolução na vida das duas personagens. Não há efeitos especiais, nenhum meteoro se choca com a terra, mas nada será como antes.

Apesar da maioria das cenas envolverem as duas protagonistas, os coadjuvantes são de extrema importância em Bagdad Café. Os hóspedes do hotel, os caminhoneiros que lotam o local para ver as apresentações de mágica e um encantador Jack Palance no papel de um pintor em crise que encontra em Jasmin sua musa inspiradora. Quem está acostumado a ver Palance fazendo cara de mau em faroestes e filmes de ação, se surpreende com o olhar carinho de seu personagem Rudy Cox, que lhe rendeu prêmios e o reconhecimento da crítica.

Bagdad Café é o cúmulo da amizade pura, aquela que nasce onde menos se espera e não precisa de rituais para se tornar sólida e verdadeira. O roteiro do filme poderia render uma trama melodramática, chata, mais do mesmo. Mas o diretor Percy Adlon conduz seu filme com delicadeza. Se valendo de uma linda fotografia para colocar ainda mais encanto na troca entre Brenda e Jasmin, Adlon faz poesia da simplicidade e Bagdad Café torna-se um poema sobre amizade escrito em 24 quadros por segundo. Quintana iria gostar, com certeza.

Bagdad Café (Out of Rosenheim)

Ano: 1987

Direção: Percy Adlon

Disponível em DVD

 

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