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Sua Majestade a Manchete – por Eduardo Ferrão

“Brizola foi o único político brasileiro com coragem para encarar e confrontar o poder da grande imprensa.” (Alberto Dines, Observatório da Imprensa, 29/06/2004)

Há uma prudência mínima a presidir as relações interpessoais. Quer por civilidade, quer pelo reconhecimento de constituir pressuposto de sua manutenção. Comportamentos previsíveis, posturas convencionais, tudo dentro de um regramento empírico fixador de marcos éticos que delimitam a arena por onde se desenvolve o jogo permanente entre ações X reações.

Vale dizer, é o próprio jogo da vida, se tolerarmos compartimentalizá-la numa contemplação lúdica.

Quando ditas relações interpessoais derivam pela ramificação difusa, caracterizada pela polarização atípica entre, de um lado, um agente ativo, e de outro, número indeterminado de agentes passivos – caso da comunicação social – a preocupação com os aludidos marcos éticos deve redobrar.

E por uma razão muito simples. Se na relação interindividual o desvio de conduta de um dos sujeitos pode importar, no máximo, numa decepção e, quem sabe, na ruptura do vínculo pela outra parte, na relação difusa as consequências do atropelo ético podem produzir efeitos devastadores, com danos irreversíveis, a quem sequer integra o âmbito da interação. Em ambos os casos, são facilmente identificáveis os fatores concebidos como “marcos éticos”.

Em primeiro lugar, o dever da verdade, mesmo em sua potencialidade absoluta como um “imperativo categórico”, na formulação kantiana. A imprecisão, a ambiguidade e a omissão sorrateira, não raras vezes, constituem, dissimuladas, instrumentos da mentira. Em cujo manejo, aliás, os canalhas são insuperáveis.

Em segundo, o dever de deixar clara a real motivação das afirmações plantadas para a germinação do escândalo. Propósitos subalternos, escorrendo por canais clandestinos escavados por interesses políticos ou econômicos, ocultam-se nas vistosas indumentárias do “interesse público” ou no “dever de informar”.

O terceiro marco demanda a utilização de linguagem limpa e objetiva na veiculação da informação. A acidez da narrativa, direcionada à desconstrução de imagens e reputações, se opera pelo emprego de expressões e adjetivos virulentos e impactantes, aptos a induzir, pela veemência, a indignação do leitor, telespectador ou ouvinte.

A inobservância de tais referenciais éticos anda sobranceira. A impunidade está garantida pelo discurso acumpliciado da liberdade que, apenas em tais raias, se pretende absoluta.

É a sanha desta maquiada democracia tupiniquim: refém a vida inteira.

Antes, dos famigerados atos institucionais; agora, das reportagens sensacionalistas. Aqueles, caçando mandatos; esta, caçando reputações.

Em ambos, uma intolerância feroz com o direito de defesa e com o devido processo legal.

Tudo protegido por signos vistosos, sempre sob ameaças. Antes, a segurança nacional ameaçada pelo consumismo; agora, o interesse público ameaçado pela corrupção.

Por essa pauta, os discursos autoritários recebem aplausos. Presunção de inocência, devido processo legal e ampla defesa, tudo balela. Preciosismos de advogados da bandidagem. Chicana, bradará um deles, que mantém relação de absoluta hostilidade recíproca com as letras jurídicas e de um afastamento definitivo e insuperável de normas civilizatórias.

O que importa é a ressurreição do DOI-CODI, sob uma outra sigla, mas com mesmíssimos métodos e psicopatologias. Ninguém vai para a cadeia, gritam ao microfone os ensandecidos catões matinais, num ritual fundamentalista debochado.

Usando a terminologia consagrada por eles próprios, várias “farras” denunciadas foram objeto de persecução penal, com louvável busca cautelar de ressarcimento ao erário. Foi assim com a “farra” das passagens aéreas; dos cartões corporativos; das emendas orçamentárias; das ambulâncias, das aposentadorias especiais e de tantas outras. Somente uma, apenas uma, tem imunidade absoluta e não se submete à cautelaridade judicial no sentido de sua prevenção: a “farra” das infâmias.

Embora a Constituição defina a honra como INVIOLÁVEL – o que pressupõe a existência de mecanismos jurídicos que inibam sua indevida violação – nossos juízes supremos a querem violada para que se legitime a reação. Tentar resistir ao massacre moral é “censura”. Vale dizer: se a agressão iminente e injusta partir de um ser mortal, a reação pode evidenciar legítima defesa. Se advier, perversa e destruidora, dos profissionais da lambança, a reação é execrada como “censura”.

Derrubados foram os últimos marcos éticos de um padrão civilizatório.

Importa saber de quem é o jatinho, quem pagou a viagem ao exterior, qual o diálogo mais impactante do Senador com o “contraventor”. Qual a peraltice inédita de um tal “Dadá”. Quem mais será “citado”. O tal volume extraviado, com referências a gente graúda. Ou, ainda, quando e como aparecerão os próximos vídeos clandestinos ou os grampos ilegais com os quais se perpetram ameaças e chantagens.

Os franceses, logo após a revolução libertária, experimentaram o terror, com notável performance da guilhotina. Por aqui, vive-se passivamente um genocídio das instituições. Ora, o executivo é corrupto, o legislativo é promíscuo, o judiciário é leniente e a igreja é pedófila.

Quem resta? Ela, a intocável, incorruptível, volátil, impessoal, amorfa e inodora; que, dissimulada, oculta interesses políticos ou empresariais por trás de uma aparente neutralidade. Com direito a áulicos e bobos da corte, espalhados por toda a engrenagem política para lhe dar sustentação. E sorrisos. Em troca de uma manchete laudatória no disputado jornal de domingo. Ou do silêncio obsequioso, conquistado por uma generosa publicidade oficial. Ou, ainda, por uma linha de crédito subsidiado – destas de pai para filho – concedida por algum banco estatal, de preferência pelo BNDES.

Segundo informaram agências internacionais de notícias, na Espanha, um juiz famoso, idolatrado pela mídia, foi condenado e afastado do cargo exatamente por ordenar escutas telefônicas ilegais e repassá-las indevidamente.

Na Inglaterra, o News of the World foi fechado por valer-se de interceptações telefônicas ilegais para bisbilhotar a vida de políticos e celebridades. Seu poderoso chefão, o magnata australiano Rupert Murdoch, contrito, pediu desculpas ao mundo, com medo da cadeia.

Aqui, ambos – o juiz e o jornal – receberiam o aplauso servil da turba dependente da “bolsa-prestígio”. Com a qual se subjugam e se intimidam todos os atores do processo político.

A nação, intimidada, balbucia um pedido de socorro. Em vão.

Leonel Brizola está morto.

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