DE SOL A SOL (Final). A Agricultura Familiar e o que pensam sobre ela o secretário o que sai e o que entra
Por MAIQUEL ROSAURO (com fotos de reprodução/Facebook)
CLÁUDIO FIOREZE, atual secretário estadual de Agricultura: “o problema não é de custos, é de gestão e vontade política”
O Susaf foi regulamentado em julho de 2012 e, até o momento, apenas cinco municípios conquistaram a homologação. Por quê?
Vamos direto ao ponto. Não se avançou como se esperava (a meta era chegar a 50 municípios até o final de 2014) por dois motivos principais: primeiro, uma confusão generalizada sobre as reais possibilidades do mesmo; segundo, por nítida má vontade dos gestores municipais.
É necessário entender que o Susaf (que em resumo significa “sistema unificado de sanidade da agroindústria familiar”) nada mais é do que um conjunto de procedimentos técnicos, administrativos e normativos aos quais os serviços de inspeção municipais (SIM) devem se submeter para obter a equivalência sanitária com o serviço estadual de inspeção (conhecido como Cispoa). Sem isso, nada feito. Por quê? Porque ninguém em sã consciência vai permitir que um produto inspecionado pelo SIM do município “A” seja vendido em Porto Alegre ou Santa Maria se aquele serviço não foi auditado, certificado, comprovado que de fato tem qualidade. Isso só é possível se o SIM tiver, além de técnicos habilitados, gestão, processo, enfim, registros auditáveis. A auditoria tem duas fases: a documental (leis, decretos, regulamentos) e a local (prática, onde os auditores conferem in loco os procedimentos, ou seja, se o papel está sendo implementado na prática em uma agroindústria municipal).
Portanto, voltando ao primeiro entrave, criou-se uma expectativa de que ao aprovar o Susaf, todas as agroindústrias gaúchas com SIM poderiam comercializar seus produtos em todo o Estado. Um erro que não encontra respaldo em nenhum país do mundo!
Mas o maior problema foi o segundo: infelizmente, a maioria dos prefeitos municipais priorizam a agroindústria familiar só no discurso. Dados da Famurs e Emater apontam que mais de 60% dos 497 municípios gaúchos possuem o SIM, ou seja, possuem lei que os implantou, decreto, regulamento e veterinário responsável. Ou seja, a maior despesa já está feita! O que falta é gestão, é priorizar a inspeção em detrimento de atividades populistas que os prefeitos submetem seus veterinários e para as quais já existe um serviço com esta finalidade, seja público (Emater, Inspetoria), seja privado (veterinários particulares, de cooperativas, de empresas). Aí o que acontece? O veterinário que deveria fazer inspeção, registrar seu trabalho, encaminhar amostras para análise química, microbiológica e física, que é o que garante a qualidade do produto, etc., tem que fazer clínica, vacinar cães e gatos, castrar touros, inseminar vacas, fazer licenciamento ambiental, etc. Isso é impossível! Ou os municípios encaram a agroindústria de pequeno e médio porte como um caminho para agregar valor à produção, gerar empregos, tributos, conter o êxodo, ou então vai ser sempre esta novela, este jogo de empurra onde quem perde é o agricultor, a economia solidária e o consumidor!
O Governo Olívio criou o “Sabor Gaúcho” que fez centenas de cursos de boas práticas de fabricação aos agroindustriais familiares, estruturou dezenas de feiras municipais, financiou aquisição de equipamentos, prédios e veículos novos. O Governo Tarso resgatou o Sabor Gaúcho (estava abandonado) e foi além, criou o Susaf. E mais, pela primeira vez na história da Secretaria, separamos a Inspeção da Defesa Agropecuária, colocando nada mais nada menos que 133 veterinários do Estado à disposição exclusivamente da inspeção e da auditoria do Susaf. Além disso, o Susaf permite a formação de consórcios de municípios para dividir os custos da contratação de veterinários para a inspeção.
Os cinco municípios já homologados receberam o Kit Susaf?
Ainda não, porque está em fase de licitação. São R$ 3 milhões, dos quais R$ 2 milhões para comprar 40 kits (veículos, notebook, GPS e outros aparelhos) e R$ 1 milhão para cursos de capacitação de gestores municipais, técnicos responsáveis pelo SIM e agroindustriais registrados no SIM. O dinheiro está garantido, depositado, inclusive a contrapartida do Estado. O próximo governo deverá prosseguir, ou não, com o projeto. Penso que seguirá.
Se não tivéssemos “trancado o pé” na Expointer, muito poucos municípios enviariam a carta de adesão ao Susaf. Como fomos rígidos, 215 municípios enviaram carta de adesão, treinamos veterinários de 150 municípios, mas destes apenas 40 enviaram documentos, dos quais cinco já foram aprovados pelas auditorias e mais 15 estão próximos de sê-lo. Os demais só enrolaram e, se tivéssemos sido reeleitos, seriam barrados na Expointer 2015 enquanto não enviassem a documentação completa. Infelizmente, se não for assim, os agricultores e movimentos sociais não pressionariam seus prefeitos. Ou eles assumem esta bandeira ou o processo não avançará. Não adianta querer na marra, sem critério, sem respeito à lei, à ciência, à razoabilidade das coisas. Está aí o Ministério Público exigindo cada vez maior rigor na fiscalização. Nenhum governante ou secretário vai assinar embaixo num produto que não passar por este crivo de qualidade. Repito: o problema não é de custos, é de gestão e vontade política.
O que está trancando a criação dos consórcios intermunicipais para adesão ao Susaf?
Existem três consórcios se habilitando, o maior deles é o Cirau, do Alto Uruguai, com 32 municípios. Tem um de oito municípios na região da Produção (Planalto Médio) e o Condesus da Quarta Colônia, com nove municípios, mas que estava priorizando a adesão ao sistema federal (Suasa-Sisbi), no que está coberto de razão se o objetivo for o mercado nacional. Nada impede que um município ou consórcio se habilite ao Susaf e depois ao Suasa. Na verdade este é o caminho natural da evolução: primeiro o âmbito municipal, depois o regional/estadual e finalmente o federal. Qualquer empresa pequena um dia quer ser média e depois sonha em ser grande. Assim é a vida, mas as estruturas de apoio e de gestão tem que acompanhar estes sonhos, caso contrário à frustração é certa.
Hoje o Rio Grande do Sul possui oito municípios no Suasa, cinco no Susaf e logo terá mais 15 ou 20 neste sistema estadual. Para quem tinha só cinco e nenhuma perspectiva em 2011, não deixou de ser um avanço.
Durante as entrevistas para esta reportagem foram registradas quatro críticas pontuais: 1) O Susaf não tem apoio interno na Seapa; 2) Alguns técnicos da Seapa dificultam, atrasam ou trancam os projetos de homologação dos municípios; 3) Há grandes empresas do ramo da alimentação e frigoríficos que não têm interesse no crescimento das agroindústrias e estariam buscando meios de frear o projeto. 4) Há quatro ou cinco municípios que estão há meses aguardando uma vistoria final. Estas críticas procedem?
Não procedem. Acontece que as condições objetivas para dar suporte ao Susaf avançaram efetivamente em 2014, quando nós chamamos 80 fiscais exclusivos para a inspeção e auditoria. Formamos equipe estadual e regionais para orientar os municípios e técnicos locais. Fizemos curso para mais de 150 municípios e participamos de inúmeras palestras e debates para desmistificar questões e orientar procedimentos. Não há nenhuma razão objetiva para técnicos da Seapa boicotarem o Susaf se este funciona como complemento fundamental à árdua tarefa de fiscalização efetuada pelo Estado e União. Pode haver alguma dificuldade de comunicação, de postura diante de conflitos que são naturais, mas não uma ação deliberada. Quanto às empresas, nunca recebi nenhuma reclamação ou percebi tentativa de obstaculização deste projeto, o que seria amplamente rechaçado pela sociedade, que deseja produtos da agricultura familiar com qualidade. Ao contrário, SICADERGS, SINDILAT, SIPS, APIL e outros são favoráveis. Também não sei de nenhuma auditoria atrasada por falta de condições objetivas de nossa parte (técnicos, viaturas, diárias, etc.).
Penso, enfim, que se cada um fizesse a sua parte, com seriedade e espírito público, já teríamos mais de 50 municípios gaúchos no Susaf. Porém, comparo este trabalho todo de capacitação, convencimento, instrumentalização, com um “efeito mola contraída”: ela acumula energia para depois dar um grande salto quantitativo. Nada foi em vão, tenho certeza.
ERNANI POLO, futuro secretário de estadual de Agricultura: “fortalecer os elos que mantém os jovens no campo é fundamental”
Qual a importância que terá a Agricultura Familiar durante sua gestão na Secretaria de Agricultura?
Terá sim a sua devida importância, já que é responsável por grande produção de alimentos e tem expressiva representatividade no setor primário. Em conjunto com o secretário de desenvolvimento rural, vamos procurar atuar em sintonia para valorizar as iniciativas que se revertam em um crescimento melhor para a atividade, com geração de emprego e renda.
Uma dificuldade que o atual governo enfrenta é em relação ao Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agroindustrial (Susaf). Apenas cinco municípios do Estado estão homologados. O senhor pretende dar continuidade a este trabalho?
Programas que visam a melhoria da qualidade dos alimentos devem ser sempre valorizados. Vamos, após assumir, tomar ciência da situação para verificar como anda este processo, para aí tomarmos as iniciativas necessárias. Sanidade é muito importante.
O senhor pretende desenvolver ações para frear o êxodo rural?
Entendo que precisamos tomar iniciativas em vários âmbitos para manter o agricultor no meio rural, em especial os jovens, incentivando a sucessão familiar. Fortalecer os elos que mantém os jovens no campo é fundamental. Trabalharemos para fornecer mais infraestrutura em pontos como energia elétrica e telefonia, que são áreas essenciais para a vida rural. Acesso às novas tecnologias é uma questão estratégica no mundo atual e que é uma exigência da juventude, seja do interior ou dos grandes centros. Quanto mais dermos condições, em todas as áreas, para quem trabalha no campo, mais fortaleceremos o setor primário.
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