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“Je suis la laicité” – por Liliana de Oliveira

Paris, 14 de janeiro de 2015.  Dia cinza e frio. Compro a primeira edição do jornal Charlie Hebdo depois do atentado que vitimou jornalistas e cartunistas. Eu estava curiosa para ver o jornal, suas charges e o que de tão provocador poderia conter ali. Depois de ler vários artigos, ver diferentes análises e programas que discutiam as implicações e as possíveis conseqüências do atentado esperava ler o jornal e encontrar por mim mesmo alguma resposta. Começo pelo editorial. Nele encontro a defesa da laicidade como a única possibilidade de garantir os direitos republicanos. Segue um trecho do editorial.

luciana“Nós esperamos que a partir de 07 de janeiro de 2015 a defesa firme da laicidade vá além de si para todo o mundo, que vá enfim cessar, por postura, por cálculo eleitoral, legitimar ou mesmo tolerar o comunitarismo e o relativismo cultural, que abrem a via para somente uma coisa: o totalitarismo religioso. Sim, o conflito entre Israel e Palestina é uma realidade. Sim, a geopolítica internacional é uma sucessão de manobras e golpes sujos. Sim, a situação social como se diz da “população de origem muçulmana” na França é profundamente injusta. Sim, o racismo e as discriminações devem ser combatidos continuamente. E felizmente, recentemente existem inúmeros outros para tentar resolver estes graves problemas, mas são todos inoperantes na falta da laicidade. Não a laicidade positiva, não a laicidade inclusiva, não a laicidade-eu-não-sei-qual, a laicidade ponto final. Somente ela permite preconizar a universalidade de direitos, o exercício da igualdade, da liberdade, da fraternidade, da irmandade. Somente ela permite a plena liberdade de consciência (…). Somente ela permite, ironicamente, aos crentes e aos outros viverem em paz. Todos os que pretendem defender os muçulmanos e aceitam os discursos religiosos totalitários defendem de fato seus carrascos. As primeiras vítimas do fascismo islâmico são os muçulmanos. As milhões de pessoas anônimas, todas as instituições, os chefes de Estado e de governo, todas as personalidades políticas, intelectuais, todos os religiosos que esta semana proclamaram “Je suis Charlie” devem saber que também disseram ‘Je suis la laicité’” (tradução livre)”.

Depois de ler o editorial me coloquei a pensar. Continuo sem ter uma posição clara sobre ser ou não ser Charlie Hebdo. Li belos artigos que defendiam a importância de resistir e se manifestar contra o fanatismo religioso defendendo o “Je suis Charlie” e outros mais belos ainda dizendo “Je ne suis pas Charlie” se colocando contra a sátira que discrimina os muçulmanos e que acaba por gerar um clima ainda mais hostil aos estrangeiros aumentando a islamofobia, xenofobia e outras tantas fobias.

Para mim é difícil ter uma posição clara, pois entendo que não precisamos decidir por um dos lados; não precisamos nos definir. Podemos ser contra todo e qualquer ato de barbárie que contrarie a vida como o ato terrorista e, ao mesmo tempo, por uma questão de humanidade, ser contra toda e qualquer sátira que desrespeite a vida ou que gere atos de violência que contrariem a vida. Mais importante do que se dizer ou não Charlie Hebdo é problematizar o presente. Somente problematizando o presente podemos compreender o que nos tornamos. E problematizando o presente talvez nos demos conta de que uma das saídas para uma vivência pacífica entre os homens seja o fim das religiões. Neste sentido “Je suis Charlie”, isto é, “Je suis la laicité”.

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Um Comentário

  1. A moral é o instinto de manada do indivíduo já dizia Nietzsche.
    Antirreligiosidade e laicidade são coisas diferentes. Anticlericalismo, antiteismo e ateismo também são coisas diferentes. Logo, não se trata do fim das religiões. Lendo a tradução do editorial, pode-se ler: "Somente ela permite, ironicamente, aos crentes e aos outros viverem em paz". Se existe liberdade de crença religiosa, existe religião.
    Assunto à parte, também existem marxistas que pregam o fim das religiões e disfarçam isto com um ateísmo militante. É o materialismo disfarçado de religião da não-religião. É a esquerda tosca tentando pegar carona em assuntos sérios. Do tipo: "a unica solução para acabar com o aquecimento global é o fim do capitalismo".
    Voltando à vaca fria. Os cartunistas mereceram o que levaram. Foram arrogantes, se achavam donos da verdade e não mediram consequencias. No fundo, eram fundamentalistas também. Duas verdades absolutas se encontram e o resultado é conflito.
    O laicismo frances (ou secularismo) surgiu na Revolução Francesa como resposta ao conluio entre a nobreza e a Igreja Católica para ocupar o poder. Instituíram o Culto à Razão e o Culto ao Ser Supremo como religiões alternativas.
    Séculos depois, em diversos lugares do mundo, as religiões fazem parte da sociedade civil organizada. Têm um papel na assistência social, suprindo deficiências do Estado. Exemplo: refugiados da guerra na Síria estão albergados em Mesquitas em SP. Logo, antes de lançar uma jihad em prol do laicismo, é preciso uma reflexão mais apurada. O Brasil não é a França, para o bem e para o mal.
    Prefeitos de cidades pequenas na Gália estão adotando a política "ou comem carne de porco ou passam fome". Crianças judias e muçulmanas não terão mais alternativas na alimentação das escolas públicas. Provavelmente o Charlie Hebdo vai receber outra "visita" já que não mudou a linha editorial. Não é de espantar que alguns prefeitos também saiam premiados.

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