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Viagem ao SUS do lado de casa – por Leonardo Foletto

Volto a escrever aqui neste espaço não com a periodicidade que gostaria, mas com aquela que é possível diante de um ano cheio de coisas a serem feitas (e não mais adiadas). Começo então com um texto que, aparentemente, pouco tem a ver com o digital, tema vagamente definido desta coluna…

Não tenho plano de saúde faz dois anos. Um tanto por não querer (ou não poder) pagar um plano privado e incentivar um negócio que cada vez mais explora quem não deveria, outro tanto por querer testar, de fato, um certo Sistema Único de Saúde (SUS) que garante o atendimento para qualquer brasileiro, sem qualquer distinção. Soma-se a esta escolha também uma opção de usar as medicinas da natureza (chá, inalações, cicatrizantes naturais, etc), a cuidar da saúde a partir da alimentação e, por fim e não menos importante, um certo desconforto em ser atendido por uma classe que tem se mostrado tão conservadora, xenófoba e preconceituosa como a classe médica – sabemos que existem médicos que não são assim, mas tenho a impressão de que eles são cada vez mais minorias.

Conto isso porque, semanas atrás, resolvi fazer um check-up pela primeira vez no SUS. Como primeiro procedimento, entrei no site da secretaria de saúde de onde vivo, Porto Alegre, para saber qual a unidade que deveria me dirigir. Queria não atendimento de emergência/urgência, que ocorrem em geral nas unidades de pronto atendimento ou pronto-socorro, mas atendimento normal, consulta com um clínico geral, por exemplo. Meio escondido dentro de um menu a esquerda, encontrei o link desejado: como acessar os serviços de saúde. Para saber qual a unidade que deveria me dirigir, a única opção possível era baixar uma lista (formato xls) de unidades de saúde, endereços e números atendidos, entre outras variáveis. Imagine quantas ruas existem em uma cidade como Porto Alegre e calcule, então, o tamanho dessa tabela. Mas sempre há um CTRL-F pra facilitar a busca, então que descobri que a unidade de saúde destinada a minha rua era a uma quadra de onde moro. Praticamente do lado de casa.

[No último Hackathon do Datapoa, em dezembro de 2014, Iuri Guilherme, do Matehackers, desenvolveu um sistema pra ajudar esse serviço: Cadê Meu Posto? Ainda em fase beta, se totalmente implementado promete facilitar esse cruzamento postos X endereços.]

Cheguei ao posto de saúde indicado com meu cartão do SUS e uma pergunta a fazer: como faço para ser atendido por um clínico geral? Nas paredes do posto, já dizia um cartaz: Marcação de consultas: “Clínico Geral, terças-feiras”. Perguntei para uma pessoa no setor de informações qual o horário da marcação. “Tem que vir cedinho, 5h30, 6h da manhã já tem fila. Já tem carteirinha do posto?”. Não tinha e fui fazer. É um documento simples, xerocado, com nome, endereço do posto e uma cartela de marcação de consultas. Vale por um ano e precisa do cartão do SUS e qualquer comprovante de residência para ser feito – é a forma de comprovar que você mora no lugar que, de fato, é atendido por aquela unidade de saúde. Aproveitei também pra pegar o cartão novo do SUS, que necessita de RG e CPF para ser feito (mais informações sobre ele aqui).

Na terça seguinte, acordei cedinho da manhã e fui ao posto. Cheguei próximo das 6h e já tinha uma fila com cerca de 30 pessoas. Muitas em pé, algumas sentadas em cadeiras de praia, outras tomando chimarrão – apesar do calor de janeiro que já fazia aquela hora. Em sua maioria, gente com mais de 50 anos. Predominava um silêncio quebrado aos poucos pelo movimento dos ônibus da avenida ao lado e por reclamações abafadas na fila, “será que vai ter senha suficiente? janeiro tem muito médico que entra em férias”, “mas que horas chegaram pra já ter tanta gente na fila?”, “acho que aqueles lá da frente dormiram aqui, só pode”. Próximo ao horário da abertura do posto, 7h, uma funcionária da unidade percorreu a fila distribuindo folhetos para as eleições do conselho local de saúde (CLS), subordinado ao conselho municipal (CMS). Falava alto: “o conselho é a forma de vocês participarem das decisões do posto e reclamarem de qualquer situação, aqui estão as datas e os horários da reunião. Qualquer um pode participar”. Uma senhora atrás de mim na fila comentou: “política a essa hora da manhã? Se adiantasse alguma coisa reclamar…”

As 7h02 a unidade foi aberta e começou a distribuição de senhas. Entrávamos no posto, recebíamos nosso número e éramos destinados a outro local – formava-se novamente uma fila, mas agora com bancos, tipo os de praça, para aguardar sentado. Ali o funcionário do posto chamava de 5 em 5 para entrar no espaço destinado a marcação de consultas. Enquanto esperava, conversei com a senhora atrás de mim na fila, a que tinha reclamado da política. Ela disse que morava no Jardim Botânico e que tinha vindo de ônibus. Aparentava uns 60 anos. “Antes a minha unidade era perto de casa, só atravessar a Ipiranga e já chegava. Mas eles mudaram pra cá faz uns anos, daí tenho que pegar ônibus. Até nisso eles dificultam”. Mas de ônibus é perto daqui, argumentei. “Sim, em 15 minutos chego. Mas queria entrar na fila de novo, pra pegar outra senha e marcar clínico pro meu guri. Não vai dar dessa vez”. Disse que era a primeira vez que eu estava naquela unidade e pedi recomendação de algum clínico.

Alguns minutos depois, eu e a senhora entramos para a sala de marcação de consultas. Depois que nós e mais 3 entramos, vi o funcionário do posto fazer o gesto clássico com as duas mãos: acabou as senhas, não entra mais ninguém. Chamaram o meu número, mostrei meu cartão do SUS e do posto pra funcionária. Falei que queria consulta com a médica indicada pela senhora. “Tem pra próxima sexta pela manhã, às 7h. Pode ser?”. Confirmei e saí com um papel impresso, tipo um recibo de banco, com o horário e o nome da médica impressos. 7h40 já estava em casa.

Voltei ao posto na sexta-feira, no horário da consulta. Menos de 10 minutos de espera e já estava sendo atendido pela médica, atenciosa como a senhora da fila tinha me dito. Mediu minha pressão, perguntou o que eu tinha, e diante da minha resposta, recomendou fazer todos os exames básicos (sangue e urina). Indicou um laboratório do curso de Farmácia da UFRGS, a poucas quadras dali. “Não te esquece de carimbar aqui na entrada do posto!”, disse. Dias depois fui ao laboratório, que pareceu igual a outros tantos que já fui: um guichê para cadastrar e atender as pessoas, cadeiras para sentar, jornais e revistas para ler enquanto espera, ar-condicionado ligado no talo, paredes de cores claras, etc. A diferença era no atendimento, todo realizado por estudantes do curso de Farmácia. Fui na recepção, fiz o cadastro e, quando ia sentar, fui chamado para a coleta. Em menos de 5 minutos já havia sido atendido e estava indo pra casa. Os exames ficaram prontos em 10 dias, me informou o papel impresso utilizado como recibo para a retirada. Não paguei nada, assim como na consulta.

Depois dessa breve jornada, a tentação é retirar conclusões apressadas como, por exemplo, dizer que “o SUS funciona/não funciona”. O que posso dizer é que, sim, pra mim funcionou. Tive a sorte de morar num local onde existe bons serviços de saúde próximos e não ter necessidade de procedimentos complexos. Muita gente que usa o serviço no dia a dia sabe que, para alguns casos, o SUS é a melhor opção, como por exemplo para partos normais. Para outros, o SUS é sinônimo de lotação e desorganização. O fato é que ele é uma opção a se considerar com mais atenção e menos preconceito.

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