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Discursos são práticas constitutivas da realidade – por Liliana de Oliveira

“Foi precisamente essa emergência crescente de uma cultura hedonista que, apesar de suscitada pelo próprio capitalismo, tornou o sistema contraditório, com a preocupação de eficácia que o anima do ponto de vista tecnocientífico e a exigência hedonista de satisfação dos desejos revelando-se incompatíveis: ‘De um lado, a corporação dos negócios exige que o indivíduo trabalhe demais, aceite transferir para mais tarde recompensas e satisfações, isto é, que ele seja uma engrenagem da organização. Por outro lado, a corporação incentiva o prazer, o relaxamento e a indolência. Deve ser consciencioso durante o dia e festeiro à noite…’”(Ferry, Luc. Famílias, amo vocês. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010, p.83).

Paro, respiro, leio de novo.  A análise dessa contradição me permite pensar que o mundo anda um tanto esquizofrênico na medida em que dissocia a ação do pensamento. Estamos num mundo onde precisamos trabalhar muito e mais para aproveitarmos alguns poucos dias de férias. Num mundo onde consumimos cada vez mais cafés descafeinados, doces lights, cervejas sem álcool, pães sem glúten, leites sem lactose. A esquizofrenia reside exatamente aí, de um lado excesso de ofertas, de outro, excesso de controle. Num mundo que inclui para excluir.

Fico pensando como vivíamos antes trabalhando menos, tomando café com cafeína, doce com açúcar, cerveja com álcool, pão com glúten e leite com lactose. Até onde me lembro, quase não víamos crianças alérgicas ao glúten ou a lactose. Tenho dúvidas se de fato não existiam as intolerâncias ou se existiam, mas ainda não tínhamos um diagnóstico para elas. De qualquer modo, desconfio que o excesso de zelo tenha produzido o excesso de fragilidades.

Desconfio que o excesso de zelo tenha produzido consumidores sensíveis que precisem de produtos específicos. Ou, ainda, que o discurso sobre as intolerâncias tenha dado visibilidade e realidade a elas. Sim, discursos produzem realidades. Do mesmo modo que produzem alérgicos, produzem espectadores preocupados com a separação de Joelma e Chimbinha. Tenho convicção de que ninguém ou quase ninguém se interessaria pela separação do casal se a mídia não fizesse disso um dramalhão. Discurso sobre o casal que se torna de interesse nacional. Discursos não são apenas discursos, mas são práticas constitutivas da realidade.

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