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Toda vez que leio Walden – por Márcio Grings

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Bem, toda vez que leio “Walden”, tenho vontade de abraçar uma árvore. Se o seu autor, o norte-americano Henry David Thoreau, tivesse nascido na época de Cristo, “Walden” faria parte dos livros apócrifos da Bíblia. Na última quarta-feira choveu à noite. Aproveitando a ambiência acústica reverberante na minha janela do quarto, resolvi abandonar o mundo online, e assim, também desliguei TV e pus-me a relê-lo. Meu bloquinho de anotações abarrotou de rabiscos. Poderia reprisar vários trechos, mas escolhi apenas uma das citações, talvez a mais conhecida delas, um breve trombetear que de certa forma exemplifica o tom do livro:

 “Em lugar do amor, do dinheiro e da fama, dai-me a verdade. Sentei-me a mesa onde havia pratos requintados e vinho em abundância, além de companhia solícita, mas sinceridade e bondade não havia; Eu fui-me embora do recinto inóspito com fome. A hospitalidade era fria como gelo”.

Comprei meu primeiro exemplar de “Walden” pela internet no meio da década passada. Chegou pelo correio uma edição surrada da Ediouro, lançada no final dos anos 1970. Na verdade, descobri a obra de Henry David Thoreau através de fragmentos e citações espalhadas em diversas leituras feitas ao longo dos anos. Mas realmente fui à caça de alguma sua obra quando li “Na Natureza Selvagem”, livro escrito por Jon Krakauer e lançado no Brasil em 1999 (obra que virou um bom filme dirigido por Sean Penn). Thoreau era um dos ídolos de Chris McCandles, protagonista do livro de Krakauer, um viajante a contramão do sonho americano.

Voltando a 1999, no mesmo ano comprei o manifesto anarquista “A desobediência Civil” (L&PM Pocket). Mas foi quando li  “Walden” que realmente fui envolto pelas palavras de mestre.

O livro é dividido em vários capítulos bem peculiares, e em cada um deles, detalhadamente o autor conta o que viveu, o que sentiu e o que pensou durante o tempo que permaneceu no lago Walden, onde ergueu uma cabana e sobreviveu sozinho somente com a ajuda da natureza. E como bom ermitão, Thoreau se detém as descrições detalhadas sobre tudo aquilo que viu e viveu as margens e em volta do lago. Por exemplo, utiliza as estações como desculpa para construir uma visão literária desse local transformando-o num ambiente ecumênico e sagrado, uma síntese da humanidade e do pensamento do autor.

O professor universitário que abandonou o emprego numa prestigiada faculdade de Boston, foi um dos primeiros intelectuais do seu tempo a chamar a atenção para o caminho destrutivo que a sociedade norte-americana rumava, colocando interesses políticos e econômicos a frente de valores humanitários e ecológicos. Já naquela época, por exemplo, nos alertava sobre a sede de consumismo desvairado da sociedade. Um vidente.

Ao todo, foram dois anos, dois meses e dois dias. O recado final que ecoa quando concluímos a leitura de “Walden, é que o livro não passa de um testamento ético-espiritual que até hoje inspira as pessoas a buscarem uma vida menos material e mais natural”. Além de confesso amante da natureza, Henry David Thoreau é considerado, junto com os povos indígenas, um dos avós do movimento ecológico que ganharia forma nos anos 1960. Dá pra dizer que também inspirou o início do movimento hippie.

Em “Walden ou a vida nos bosques”, Thoreau disse que não pretendia escrever uma ode à melancolia, e sim alardear como um galo ao amanhecer, no alto de seu poleiro, quando menos para despertar os vizinhos. Mas o livro chegou muito mais longe, pois sua leitura despertou centena de milhares de pessoas em todo o mundo.

Mesmo passados mais de 150 anos de seu lançamento original (1854), “Walden” merece um lugar na sua estante, ou melhor, merece muito mais do que uma despretensiosa passada de olhos pelas páginas da obra. E depois de lê-lo, abrace a árvore mais próxima.

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