Sem desculpas! – por Bianca Pereira, de Chandigarh, Índia
Eu sei, não tem desculpa! Vocês não sabem quantas vezes sentei na frente do computador e fiquei olhando para a página do Word e nada. Tenho alguns textos pré-prontos, mas nem nesses eu consegui mexer. Não pareciam certos, como se fossem na hora errada.
Essas duas últimas semanas foram as piores do meu tempo aqui, daquelas horas que tudo parece dar errado e tudo que tu quer é a tua cama e um colo de mãe (e um churrasquinho para matar a saudades). Nada de muito grave aconteceu, foram várias coisas pequenas que me deixaram no limite. Só não peguei o avião de volta para casa pois iria ter todo um trabalho de trocar data (e pagar taxas), e claro, seria admitir derrota e leoninos não aceitam isso muito bem (os meus leoninos de plantão me entendem!).
Um dos motivos começou com… a mudança das notas de 1000 e 500 rupias. Lembram disso? Pois é, o país ainda está “sem dinheiro”, como o pessoal tem falado aqui “the cashless India”. Muitos lugares agora estão aceitando cartão ou o paytm (estilo paypal), mas ainda há muitos lugares sem nenhuma forma de pagamento a não ser em dinheiro vivo. Os caixas eletrônicos e mesmo os bancos não possuem dinheiro, e achar um caixa funcionando é difícil. O limite para o saque diário caiu de 20 mil rupias para 2.500 mil rupias.
Sabem como gostamos de andar com algum dinheiro na rua para alguma eventualidade? Pois é, no Brasil podemos sair só com o cartão que não há problema (pelo menos eu saía e tudo bem!); na Índia, sair sem nada de dinheiro, só com o cartão, é coisa de louco. Você pode cadastrar seu cartão ou paytm para pagar o uber, mas em uma eventualidade você fica preso no setor que estiver. Lugares como a loja de celulares e internet não aceitam cartões internacionais para realizar pagamentos, e até o Subway tem problema com os dois cartões que trouxe (um visa internacional do Banco do Brasil e um master pré-pago que a Aiesec indica e que funcionam em quase todos os outros lugares).
Bom, comecei a trabalhar no novo lugar em 18/10, o anuncio da troca das notas veio dia 08/11 e os pagamentos aqui podem ser feitos do dia 30 ao dia 10, o que leva ao fato de que não recebi pelo pedaço do mês trabalhado. Ok, já haviam me mandado dinheiro de casa para passar o mês, tudo certo, no próximo eu recebo um mês e meio junto, vai ser só um mês meio apertado, certo? Sim… não! (Parêntese: muitos indianos que não entendem inglês completamente respondem a perguntas assim. Primeiro para dizer que entendeu o que perguntamos, depois para realmente nos responder. Demoramos, mas entendemos o sentindo!).
Estamos quase no Natal e nada ainda. O pessoal da empresa recebeu ontem (22/11), para mim demora um pouco já que o pagamento tem que ser com cheque (que eu ainda tenho que ir no banco trocar). Os bancos daqui não aceitam abrir contas para estrangeiros. É difícil e demora muito tempo. Uma das minhas colegas de apartamento finalizou o processo de abertura da conta quase 4 meses depois de estar no país, e porque a empresa dela insistiu com o banco.
Hoje devo receber uma parte e segunda o restante. A causa do atraso? Cada semana foi um motivo diferente: um cliente que não pagou, as notas que trocaram, o banco não possui dinheiro, algo aconteceu na agencia central do banco ou com o contador. Só irei receber algo hoje pois amanhã vou comemorar o Natal fora da cidade. Eu sempre tive pavor de perguntar sobre pagamentos atrasados, não acho legal discutir dinheiro, coisa minha. Mas pelo menos tudo é experiência e aprendizado, e falar sobre dinheiro é um deles.
A ideia sempre foi chegar aqui e me virar ao máximo sozinha. Sei que tenho família (que não é pequena, diga-se de passagem) que mandaria dinheiro quando eu pedisse, mas a viagem não é apenas para crescimento profissional, é pessoal também. Estava falando sobre isso outro dia com alguém do Brasil. Tem uma hora que precisamos resolver as coisas por nós mesmos para aprendermos a nos virar sozinhos de vez. Pais, tios, avós nem sempre estarão por perto para passar a mão na nossa cabeça e resolver os problemas que, muitas vezes, nós mesmo criamos. E que jeito mais lindo, emocionante, assustador e difícil de aprender isso do que em outro continente?
Chega de falar de dinheiro, antes do ano novo deve se resolver tudo e já me prometeram que mês que vem não será assim (espero!). Outro motivo das minhas duas semanas sem animo nenhum tem a ver com o trabalho também.
Atualmente sou produtora de conteúdo de uma empresa, escrevo sobre diferentes assuntos, empresas e pessoas de diversas formas diferentes. Passo o dia lendo e escrevendo, trabalho perfeito para alguém como eu. Treino a escrita e a leitura em inglês todo os dias, além da fala que é o tempo todo. Alguns dias os temas são entediantes para mim, o que faz parte, mas tento passar por eles o mais rápido possível.
O que acontece é que há apenas mais uma produtora de conteúdo por aqui, que também faz o papel de gerente e RH da empresa e que anda bem ocupada com a questão dos pagamentos e do contrato de novas pessoas. Então, grande parte do trabalho cai para mim. São tantos projetos que não temos nem tempo de revisar o que escrevemos, muitas vezes a pesquisa fica meio incompleta e o texto não chega aos pés do que poderia ser.
Quem trabalha com escrita sabe que por mais que passamos o dia na frente do computador, o cansaço é enorme. Os olhos doem ou ficam irritados, ainda mais quando você não traz os óculos e tem que comprar outro (que não está pronto ainda já que a lente acabou sendo arranhada pela loja mesmo), as vezes os pulsos também doem, as costas, o pescoço, a cabeça então nem se fala (me senti velha com isso agora!). Tudo que quero é chegar no apartamento, comer algo e dormir. Claro que isso não acontece!
Isso nos traz aos próximos motivos. Somos quatro meninas no apartamento. Claro que algum drama ia acontecer, e demorou bastante para começar. Quem me conhece sabe que não gosto de frescura, já tenho que aguentar a minha e não tenho paciência nem para isso (tipo um certo editor de um certo “sitio” por aí).
Não vou entrar em detalhes pois a vida e as escolhas não são minhas, mas não suporto gente falando pelas costas ou magoando quem eu gosto, e se o motivo disso for um cara, é pior ainda. Somos todos adultos aqui. A mais nova de nós tem 21 anos, nos viramos muito bem em muitas coisas, mas agimos como crianças em muitas outras. Das experiências que tive namorando (não muitas é verdade, relacionamento para mim não é para durar um mês e deu), uma coisa que tirei e que tenho certeza que é verdade, é que os amigos não devem ser deixados de lado. Quando você realmente precisa são eles que estarão lá para te levantar de novo. Então quando vejo alguém desistindo disso por alguém que trata as pessoas ao teu redor como se não fossem nada é no mínimo estressante.
Essas duas semanas também foram as últimas com nós quatro como colegas de apartamento. Uma das meninas foi viajar ontem e voltará para a cidade apenas para buscar o restante das malas. Outra vai embora no início de janeiro e eu a última de nós iremos cada uma morar em um lugar diferente (por mais que eu saiba que ela passará mais tempo no meu apartamento do que no lugar que ela ficará).
Era para ser uma semana de festas, despedidas e muito mimimi. O que ganhamos foram duas semanas de muito estresse, brigas, discussões, choros e a certeza de que não importa quão intensa uma experiência pode ser, nunca conhecemos alguém como achamos que conhecemos.
No mínimo decepcionante. Mas, de novo, quem disse que ia ser uma experiência fácil e agradável o tempo todo?
Apesar de tudo fizemos uma última festa de despedida na casa do setor 46. Com direito a uma árvore de natal de garrafas (que não utilizou nem metade que temos no apartamento desses 4 meses morando lá – oh povo que bebe esse!), mais de 30 pessoas e vizinhos muito irritados!
Foram duas semanas me sentindo cansada, sem ânimo e tentando remediar situações que agora já desisti de resolver. E o fato deste ser o primeiro Natal longe de casa também não ajuda.
Estou pronta para dar um tempo da cidade, passar este fim de semana nas montanhas e a primeira semana de janeiro na praia (muitas trocas de planos para esse final de ano). As vezes, tudo que precisamos é respirar fundo, relaxar e começar de novo.
OBSERVAÇÃO DO EDITOR: o texto da blogueira foi enviado no dia 23 de dezembro, 2 da manhã (horário local) e antes dela se mandar para as montanhas
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