Coluna

Corrida sem volta – por Bianca Zasso

Paixão é algo que não bate na porta, arromba. Caso contrário, não mereceria ter este nome. Quando a força vai além do que podemos suportar, é comum que ocorram perdas pelo caminho. Nossas e alheias. O diretor alemão Stephan Lacan levou para seu segundo longa-metragem todo o peso da descoberta da paixão. Já seria envolvente se tratasse do que alguns desavisados chamam de “relacionamento normal”, mas vai além, já que o protagonista de Queda Livre se vê diante de um desejo para o qual ele não estava preparado.

Marc Borgmann é um jovem passando por vários momentos iniciais: sua carreira de policial está engrenando e ele se muda com a namorada grávida para uma casa ao lado de onde moram seus pais. Algo que se mostrará simbólico no decorrer do filme. Marc não cortou o cordão umbilical por completo. Quando resolve formar sua família, tem a sua perto demais. O desconforto causado pela presença do pai e da mãe é sentido em cada parede do novo lar do casal. Eles ajudam na mudança e dão conselhos até quando não são questionados. A sensação de incômodo de Marc é visível.

E só aumenta quando seu colega de quarto no alojamento da polícia, Kay Engel, aparece, literalmente, em seu caminho. Durante suas corridas em um bosque, Kay faz questão de ser notado. A falta de fôlego de Marc é motivo de provocações que culminam no toque. Não o sutil, mas o intenso. Sem buscar ângulos poéticos ou apenas sugerir o interesse sexual de Marc e Kay, o diretor promove uma das cenas de descoberta mais cruas e belas do cinema atual. Se o encontro na barraca mostrado em O Segredo de Brokeback Mountain, de Ang Lee, deu o que falar, este exemplar do cinema alemão consegue ser ainda mais forte. Na chuva, sem arroubos românticos, o primeiro contato, instintivo e, na cabeça de Marc, isolado. Pois começa aí um novo percurso. Será preciso correr mais rápido. Primeiro para fugir de um segundo momento com Kay, depois para dar conta de uma vida dupla.

Por mais que as sequências mostrem um crescente envolvimento, com direito a demonstrações de afeto e transas que vão além da simples satisfação do corpo, Queda Livre não perde sua câmera na mão, um pouco confusa com o foco e a movimentação. Por mais que surjam sorrisos no protagonista sempre sério, ainda assim falta ar. Marc é um eterno sufocado. Se beijar Kay o liberta, é por poucos segundos. Esconder as marcas, visíveis e invisíveis, do beijo é que dão trabalho. E ele é cada vez mais apertado. Contra a parede e contra si mesmo.

Queda Livre não quer discutir o preconceito, por mais que apresente momentos onde Marc e Kay precisam encará-lo. Mas se todo filme tem um objetivo, o deste é tentar traduzir a jornada de autodescoberta, com seus impulsos e arrepios. Não é simples saber quem somos. Talvez a resposta nunca chegue completa. O importante é construí-la, um pouco a cada dia. Marc acelerou o passo em vários momentos, mas ficou mais próximo de encontrar o seu ritmo. Correr do que realmente desejamos é que é uma fuga sem fim.

Queda Livre (Freier fall)

Direção: Stephan Lacant

Ano: 2013

Disponível em DVD, Blu-Ray e na plataforma Netflix

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