Artigos

Nida – por Pylla Kroth

Leonilda era seu nome de batismo, mas para os mais chegados apenas NIDA. Nascida lá na “grota”, interior de Soledade, topou vir morar na “cidade grande” após um convite da filha de seu tutor que lhe criara desde muito criança, pois seus pais não tinham condições de criá-la e assim entregaram a Nida pra trocar seus serviços pela boa criação.

Detestava a palavra “doméstica”, argumentando com um “e quem não é de casa?” Na cidade, na casa da Dona Nilse, quem mandava era a Nida. Lavava, passava e cozinhava que era uma maravilha. Ajudou a criar os filhos da Dona Nilse e do Seu Adolfo como se fossem seus.

Tinha um coração e uma visão humanitária fora do comum: foi ela que me ensinou que em um hospital se entra distribuindo sorrisos, pois as pessoas ali estão com problemas de saúde ou visitando entes queridos em um momento difícil, e o sorriso, portanto faz a grande diferença. Esse era seu passatempo quando sobrava uma folguinha: se ia ela pro hospital, dizendo que lá tinha muita gente precisando de ajuda e de atenção. Passava de quarto em quarto, conversando com os enfermos e levando palavras de esperança para amenizar a dor dos que ali se encontravam. Não ia a enterros, pois, segundo ela num velório não se consegue mais ajudar quem realmente precisava de ajuda, pois já estava na caixa. Ai já era tarde. “Devemos ajudar os vivos!”.

Plantava rosas e as cuidava com um zelo invejável. Frequentemente a Dona Nilse pegava a Nida conversando com as flores; dizia serem elas as mais belas amigas do homem, tanto na alegria ou na dor. Aliás, conversar sozinha era com ela mesma. Seu confidente era uma estátua de São Jorge, que tinha em sua cabeceira no quarto. Ás vezes a Dona Nilse escutava a Nida conversando no quarto e ia dar uma espiadinha. Estava lá a Nida de altos papos com o santo! (risos)

A Nida fazia o que tinha que fazer, e era assim respondia ela quando eu lhe agradecia aos seus gestos. Outra mania da Nida era oferecer comida pra quem quer que visitasse a família da Dona Nilse, ao ponto de às vezes ser repreendida, “Pare de oferecer comida para as visitas, Nida! Está achando que as pessoas estão todas com fome?” (risos)

Várias foram as vezes em que fui me aconselhar com a Nida. Nunca namorou ninguém, mas entendia de Amor como poucos e gostava de ouvir e opinar nas histórias alheias quando a ela lhe confiavam, dando inclusive excelentes conselhos.

Mas a Nida também fazia cada uma, às vezes, que contando parece até coisa de humor. Por exemplo, certa vez o filho do seu Adolfo foi viajar “pras Orópa” como ela mesmo dizia se referindo ao continente europeu. Na volta, o rapaz trouxe presentes pra todos, e o que escolhera para Nida era um passatempo, a montagem de um quebra cabeça de mil peças que formava uma obra sacra consagrada de um famoso pintor. Mas pra quê! A Nida enfureceu-se: “tá achando que sou uma desocupada, é? Me traz um presente quebrado de tão longe querendo que eu remende? Pode abandonar essa ideia!”, para o desconsolo do filho da Dona Nilse que logo no dia seguinte tratou de encomendar na floricultura a entrega de um buquê de flores pra se reconciliar com ela. Neste dia ela amanheceu cantando.

Noutra ocasião, Dona Nilse resolveu dar algumas ordens. Era uma coisa que a Nida não gostava, “ordens”, dizia que sabia o que tinha que fazer e não precisava ninguém mandar. Mas aceitou a sugestão de fazer um sagu com vinho para sobremesa do meio-dia e de quebra dar uma limpada nas gavetas de talheres da cozinha que estavam desorganizadas. Mesmo contrariada com a questão das ordens, Nida assim fez. Limpou e forrou as gavetas dos talheres e fez um delicioso sagu como achou que devia. Ao meio-dia, chegou toda família em casa e a mesa já se encontrava posta e logo a Nida começou servir o delicioso almoço que preparara. Na hora da sobremesa, pôs na mesa o pedido da Dona Nilse, e foi logo dando explicações, o que não era muito de seu feitio: “Fiz este sagu, mas não sei se ficou bom, pois não gostei muito deste vinho que tinha ali pra fazer. Sagu bom é de vinho seco e puxado, provei e não gostei, mas mesmo assim era o que tinha”. A família toda provou e aprovou a sobremesa. “Uma delícia Nida! Mas me traga a garrafa que quero ver que vinho é esse!”, diz a Dona Nilse. E lá veio a Nida da cozinha, uns instantes depois, com uma bela garrafa de vinho do Porto que o filho da Nilse trouxera como presente “das Oropa” (risos). Tentaram brigar com ela, mas de nada iria adiantar, a Nida já tinha mandado o vinho na panela pra fazer o sagu mesmo! Meio braba, ainda retrucou: “Ah pois, agora só falta falarem mal das gavetas dos talheres que organizei e forrei com folhas de revista na cozinha. Dona Nilse, passei toda manhã tentando fazer o melhor!” Foi aí que a Dona Nilse levantou da mesa e foi até a cozinha e se deparou com as gavetas forradas com páginas de revistas de lindas réplicas de obras de arte consagradas que o filho adquirira no estrangeiro. Foi pra matar!

Com toda simplicidade nata da Nida, aprendi muito com ela, dentre outras coisa que sempre fosse solidário e prestativo com as pessoas sem esperar nada em troca, pois se assim esperasse iria apenas me decepcionar e nada esperando sempre haveria a chance de ser surpreendido com algo inesperado. Em 2002 fiquei ausente da minha cidade, pois fui acometido de graves problemas de saúde, e estando enfermo lembrava frequentemente da Nida devido aquele costume que ela tinha de visitar o hospital. “Como seria bom receber a visita daquela danada neste estado que me encontro”, pensava eu, pois em meses de internações foram poucos os amigos que se predispuseram a ir até o hospital me visitar.

Quando me recuperei e voltei, nem pensei duas vezes em visitar a Nida e contar tudo o que passei. Fui até a casa da Dona Nilse e Seu Adolfo, e depois sendo muito bem recebido fui logo perguntando da danada da Nida. Me olharam, se olharam e lascaram a notícia que doeu meu coração. A Nida tivera uma parada cardíaca dormindo e viera a falecer nesse meio tempo em que eu estivera ausente. Foi um dia muito triste, pois me contaram que nem velório fizeram, pois a Nida havia pedido a Dona Nilse que quando morresse não queria velório, apenas fizeram umas orações na capela do hospital e sepultaram a nossa Nida.

Ano passado, no dia de finados, resolvi ir até o cemitério local acender umas velas naqueles túmulos de almas sem identidades, pois minha mãe sempre me disse que na impossibilidade de ir até o tumulo ou a cidade dos ente queridos, bastava ir em qualquer cemitério e no referido local acender as velas, pois ali as almas são todas iguais. No corredor principal que dá acesso as galerias, um túmulo me chamou a atenção pela quantidade de flores ali deixadas, dúzias e dúzias de rosa. Parei, me aproximei pra ver a fotografia na lápide de quem se tratava a dita cuja. Não reconheci, “sei lá quem era essa pessoa!”. Mas ao lado, havia outro túmulo bem cuidadinho e com apenas uma rosa, então dei dois passos e me aproximei, antes não me contive em roubar uma bela rosa da ilustre cheia de flores.

Fixo meu olhos na foto. “Aqui jaz Leonilda da Silva (Nida)” era a inscrição na lápide do tumulozinho. Sentei impressionado com a incrível coincidência, sentindo algo inexplicável. Acendi minha vela, dei um beijo na rosa, agradeci a Nida e conversei com seu santo que estava desta vez em sua guarda na lápide, pedindo, se não fosse pedir demais, por mais Nidas neste mundo. Descansa em paz, Nida, jamais te esquecerei!

 

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo