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ENTREVISTA. Para João Gilberto Lucas Coelho, o resultado das eleições sinaliza tempos difíceis no País

João Gilberto Lucas Coelho: o PSDB e o PT erraram por excessivo apego ao poder e por ele sacrificaram itens de programa

Entrevista a FRITZ R. NUNES (com foto de Arquivo Pessoal), da Assessoria de Imprensa da Sedufsm

Quando enviamos as questões da entrevista ao ex-deputado e ex-vice-governador do RS, João Gilberto Lucas Coelho, na última quarta (17), ainda não se tinha conhecimento do vídeo, que viria a público neste domingo, em que o deputado eleito Eduardo Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro (PSL), declarara, em julho deste ano, de que “bastava um cabo e um soldado para fechar o STF (Supremo Tribunal Federal)”. Mesmo sem esse dado, Lucas Coelho, especialista em Direito Constitucional pela UFSM, e que trabalhou na assessoria da Assembleia Nacional Constituinte, em 1987, já manifestava preocupação com os rumos que o país está tomando.

Para o ex-vice de Alceu Collares (1991-1994), e um dos fundadores do PSDB: “são preocupantes as pessoas e os programas em torno do candidato líder no primeiro turno. Sinalizam enorme retrocesso e tempos muito difíceis.” João Gilberto Lucas Coelho acrescenta: “Ouço uma pregação de violência e arbítrio nas relações entre pessoas, raças, grupos sociais. Um enorme desprezo em relação à questão ambiental. Uma visão autoritária sobre cultura e educação”.

Na entrevista concedida à assessoria de imprensa da Sedufsm, Lucas Coelho respondeu questão relativa ao desempenho nas urnas do seu antigo partido, o PSDB, e também sobre o PT. Para ele, “o PSDB de hoje pouco tem a ver com o que foi fundado em 1988, embora remanesçam algumas figuras. Também acho que PSDB e PT erraram por excessivo apego ao poder e por ele sacrificaram itens de programa e de conduta. No caso dos tucanos, sacrificaram suas características em nome do antipetismo e agora foram atropelados pela ascensão da verdadeira direita que assumiu o papel da polarização.”

Respondendo a uma questão sobre os 30 anos da promulgação da atual Constituição Federal (“cidadã”), João Gilberto Lucas Coelho afirma que “o fundamental da Constituição de 1988 está atual, e precisa ser garantido e afirmado, sem prejuízo de algumas alterações em seu texto ou até da evolução interpretativa em alguns princípios. Enfrentamos crise ética, política, social, mas que não tem origem na Constituição”.

Leia a seguir a íntegra das perguntas e respostas:

Sedufsm– No ano em que a Constituição Federal completa 30 anos, temos a sétima eleição direta a Presidente da República. A democracia brasileira, pós-constituinte, vai bem? A Carta Magna ainda está atual?

Lucas Coelho – O fundamental da Constituição de 1988 está atual, precisa ser garantido e afirmado, sem prejuízo de algumas alterações em seu texto ou até da evolução interpretativa em alguns princípios. Enfrentamos crise ética, política, social, mas que não tem origem na Constituição. Diria que existem tendências que sacodem o mundo e particularidades nossas nessa crise. Uma multidão em pânico ou em processo de comoção coletiva tem reações perigosas como num teatro em chamas, estádio revoltado, ímpeto de linchamento. Quando é nacional, abre portas para trágicas experiências ou regimes totalitários como já aconteceu na história da humanidade. Nos anos recentes os brasileiros estão em pânico pela sensação de insegurança individual ante a violência e o crime organizado, assustados com o excesso de novidades e excentricidades que vanguardas induzem sobre comportamentos e relações e impactados pelo peso que a corrupção tomou no cotidiano coletivo. Vivemos tempos difíceis com reações massivas desnorteadas. Espero que as instituições sejam robustas para que superemos este momento grave com as ferramentas constitucionais e que o bom senso comunitário retorne.

Sedufsm– O Sr. esteve entre os fundadores do PSDB, na década de 80, num rompimento com o governo do PMDB de José Sarney. Entretanto, o PSDB, especialmente na candidatura ao Executivo Federal, saiu reduzido das urnas. A que se deve esse desgaste?

Lucas Coelho – Sou de uma geração de pensadores e ativistas que diagnosticavam como uma das deficiências da democracia brasileira a carência de partidos enraizados, longevos, coerentes e de forte coesão interna. Foi isto que tentamos com o PSDB em 1988, numa posição de centro-esquerda no espectro político-ideológico. Seu documento fundador fala que reúne socialdemocratas com liberais progressistas e democratas cristãos. O partido não tinha ainda amadurecido suas militância e estrutura interna quando surgiu a necessidade de disputar a Presidência da República com Fernando Henrique Cardoso em defesa da estabilidade que o Plano Real começava a dar à economia e da própria geração de políticas sociais que a Constituição previa (p. ex.: criação do PRONAF, bolsa escola, rede de proteção social). Nesse momento constituiu-se uma aliança com os liberais do PFL. Ou seja, necessariamente o programa de governo resultante não seria o programa exclusivo do PSDB. Assim é aqui e nos outros países. Aliás, programa de partido deve ser o ideal a ser alcançado, o de um governo o possível realizável naquelas circunstâncias. O PT colocou-se na oposição e fustigou o governo e o PSDB caracterizando-os de “direita” ou até como polo direitista. Além de perder o debate na sociedade, a militância tucana ainda frágil interiorizou a crítica, assumindo aspectos dela. Ao mesmo tempo, a situação de governo atraiu novas lideranças e filiados que não tinham a ver com o espírito fundador. Já há alguns anos cancelei minha filiação e me afastei. O PSDB de hoje pouco tem a ver com o que foi fundado em 1988 embora remanesçam algumas figuras. Também acho que PSDB e PT erraram por excessivo apego ao poder e por ele sacrificaram itens de programa e de conduta. No caso dos tucanos sacrificaram suas características em nome do antipetismo e agora foram atropelados pela ascensão da verdadeira direita que assumiu o papel da polarização. O insucesso eleitoral deste ano também tem a ver com a conduta do Aécio Neves e algumas outras figuras, falta de carisma partidário e de candidaturas, onda conservadora mundial.

Sedufsm- O Sr. atuou como parlamentar do MDB, na década de 70, que depois passaria a PMDB. Fez um combate institucional contra o regime da ditadura civil militar. Como o sr. analisa o momento recente da política nacional, com os militares voltando a ter um papel preponderante, inclusive emitindo opiniões em favor daqueles que cometeram ilegalidades durante o período do arbítrio?

Lucas Coelho – Vamos esperar o resultado eleitoral e os desdobramentos. Mas, são preocupantes as pessoas e os programas em torno do candidato líder no primeiro turno. Sinalizam enorme retrocesso e tempos muito difíceis. Ouço uma pregação de violência e arbítrio nas relações entre pessoas, raças, grupos sociais. Um enorme desprezo em relação à questão ambiental. Uma visão autoritária sobre cultura e educação. E muitos outros retrocessos.

Sedufsm– Fala-se bastante que o candidato do PSL, favorito à eleição, Jair Bolsonaro, a partir de suas posições extremadas, como defendendo o Coronel Carlos Brilhante Ustra, fazendo defesa do armamento da população, passa uma imagem violenta, autoritária. O sr. vê riscos de termos um candidato autoritário referendado pelas urnas?

Lucas Coelho – Enorme risco, sim.

Sedufsm– Há quem diga que Bolsonaro representa a falência política do país? Tem base real ou é muito catastrofista?

Lucas Coelho – Como disse antes dependerá da robustez das instituições para amortecerem os impactos, mediarem as crises e controlarem os ímpetos autoritários. Também acho que o eleitorado que não seja de direita nem defenda o regime militar de 1964, mas que sufraga pela desilusão e revolta com o PT, logo ali adiante vai se desiludir e dar-se conta do tamanho do problema que geraram com seu voto. A médio prazo vai haver grande reação popular como no período autoritário anterior.

Sedufsm– Nesse contexto político tumultuado, há espaço para a esquerda ou apenas para o centro e a direita?

Lucas Coelho – A história nunca termina ao contrário do que disseram uns eufóricos no final do século XX. As contradições, lutas, mudanças continuam na humanidade do terceiro milênio. Podem ter certeza que continuará havendo espaço para as mais diferentes ideias e posições no embate político e cultural. Acho que vamos passar por uma tempestade. Depois haverá bonança. Assim é na história humana. Só não sei se meu ciclo existencial permitirá que eu veja a bonança chegar.

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7 Comentários

  1. Não está fácil para os idealistas, estão entre a cruz e a caldeirinha. Não é o caso do entrevistado. Este abraçou o Capeta. Criticamente, mas abraçou.

  2. No final do século XX um sujeito chamado Francis Fukuyama escreveu uma artigo na Foreign Affairs que virou um livro chamado ‘O fim da história e o último homem’. Sujeito é conservador, provocou os vermelhinhos. O muro de Berlim caiu, o comunismo não funciona e as democracias capitalistas liberais venceram. Em parte rebatia outro artigo na mesma revista chamado ‘O Choque de Civilizações’ que dizia que com o fim das disputas idelológicas os conflitos no futuro seriam por motivos econômicos e culturais (em parte estava certo). O tal Francis levou muito pau, principalmente depois de crise de 2008.
    Não saber se o ciclo existencial vai permitir alguma coisa é um lugar comum, ninguém pode garantir que estará vivo na próxima hora.

  3. Algumas pessoas gostam de falar sobre assuntos que não dominam. E um vício. Usam uma pretensa ‘autoridade’ para dar credibilidade a bobagens. E a Fake News da análise, a opinião ‘informativa deformativa’.
    O fim da história é mais citado por Marx, a influencia é Hegel. Duas coisas saltam aos olhos, Marx (grosso modo) defendia o fim da história no comunismo. Hegel, como Marx, defendia que o progresso da história traria não só benefícios materiais, mas também culturais e morais. Donde salta outra palavra muito usada ‘retrocesso’.

  4. Questão ambiental está perdida. Trump saiu do acordo de Paris. China aderiu mas não pretendia respeitar. Um abraço para o gaiteiro. Que colhamos os frutos depois.
    Hummm…. No futuro irão concordar com o entrevistado. Vai haver grande reação popular como no período anterior (não houve, tanto que durou mais de 20 anos e o retorno a democracia foi lento e gradual como anunciado). O entrevistado não disse quais números da mega serão sorteados na semana que vem?

  5. Visão autoritária sobre cultura e educação? Cultura foi aparelhada pela esquerda. Educação está uma esculhambação. Quer ficar mais 20 discutindo os assuntos? Não é melhor fazer modificações, multiplicar o que funciona e acabar com o que não funciona? Coisa alias que não é possível quando se tenta provar que uma ideologia está ‘certa’.
    Se alguém depois do ‘autoritarismo’ e do ‘vanguardas’ falar em criptocomunismo não dá para criticar.
    Retrocesso? Não, tática do medo não vai funcionar. Os militares podem até colaborar com o novo governo, mas não irão retomar o poder.

  6. Constituição de 88 dá para falar horas. Mas dá para falar da constituinte que não era exclusiva, do projeto Afonso Arinos que foi jogado fora, ou seja, constituintes também tem culpa no cartório.
    Programa do PT (e do outro) queriam convocar uma constituinte. Desistiram por motivo simples, pendulo oscilou para o conservadorismo e não iria sair uma constituição como eles queriam. Usar o velho esquema, comprar maioria no Congresso e/ou Constituinte tinha chance de fazer água.

  7. Difíceis para quem? Porque no sentido que ele dá, se o resultado for outro vai ser ‘dificil’ para outros. E uma coisa é certa, economicamente, independente do eleito, vai ser fácil para ninguém. Não tem mágica.
    Cabo e soldado é fácil de resumir, querem criar um fato novo de qualquer maneira para influenciar o resultado. Com isto daí acho bem difícil.
    Pregação de violência. Quando usaram o discurso ‘nós e eles’ para proveito eleitoral, este pessoal que gosta de falar ‘vamos para o pau’ e outras barbardidades, o que disse o entrevistado? Nada? Ah tá.

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