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CRÔNICA. A partida do ‘seu Oribes’ e a reflexão de Gilvan Ribeiro sobre a morte e o significado da vida

O que podemos aprender com a morte

Por GILVAN RIBEIRO (*)

Era manhã de uma quinta-feira, logo que acordei fui ao pátio ver como estava o dia e encontrei a minha mãe tomando chimarrão. Ao cumprimentá-la fazendo referência ao novo dia que iniciava, ela me trouxe uma notícia que não era de meu conhecimento ainda:  “sabia que o senhor Oribes faleceu ontem?”.

O senhor Ouribes, vizinho aqui do bairro Campestre, já apresentava complicações de saúde há algum tempo, acabou partindo. Não me recordo exatamente quando foi o nosso último contato. O que me vem na memória de imediato sobre a sua pessoa são as aulas de catequese ministradas por ele na paróquia da comunidade, que eu participava quando era garoto. Uma pessoa bondosa, sempre envolvida com ações comunitárias.

Logo que recebi a notícia da sua partida, me vi tomado por um breve sentimento de tristeza. Arrisco afirmar que isso invariavelmente ocorre a qualquer ser humano que se depara com uma situação de morte. A intensidade dessa tristeza e a duração dela é algo particular e sua variação está ligada a diversos fatores. Um dos principais, acredito eu, é a proximidade que temos com a pessoa que, de uma hora para a outra, deixa de estar presente para sempre em nossas vidas. Outro ponto que intensifica a nossa tristeza é o fato de culturalmente a morte ser ainda vista como um tabu.

Eu não pude estar presente no velório do seu Oribes e optei por não participar diretamente da cerimônia de sepultamento. Digo “diretamente” porque a rua em que eu moro reserva uma peculiaridade que me permite participar de muitos velórios, mesmo não estando “in loco”.

A minha rua é o que chamamos de “sem saída”. A explicação para esta adjetivação se dá pelo fato de ser uma via com apenas uma entrada de acesso público.

Devo admitir que esta característica realmente está presente aqui na minha rua, porém eu não a classificaria como sendo sem saída. Em defesa da minha teoria, não utilizarei da pertinente explicação dada certo dia por um amigo português, ensinando-me que nenhuma rua é sem saída, “isso porque tu podes sair pelo mesmo lugar que entraste, ora pois”.

O que define a minha rua não sendo sem saída é uma brincadeira que eu mesmo criei, e que num primeiro momento pode parecer meio mórbida.

Acontece que no final desta rua existe uma porteira, que dá acesso a um Cemitério Municipal. Ou seja, a nossa rua não é sem pois é possível sair dela entrando no Cemitério. Quando contei isso ao amigo português ele disse que a minha teoria não se sustenta, simplesmente porque todos aqueles que entram no Cemitério não podem utilizá-lo como uma saída, eles vão e voltam pelo mesmo lugar que entraram. Em contraponto, argumentei que não, nem todos voltam. Sempre que essa “saída” é utilizada, ao menos uma pessoa não retorna pelo mesmo lugar que entrou. Portanto, de fato, essa pessoa usa a outra saída que a rua oferece e realiza a sua passagem para um lugar diferente.

Na manhã de quinta feira, quem utilizou essa saída foi o querido senhor Oribes e por isso eu pude, de certa forma, participar do enterro. Pela janela, eu o vi passando e num breve e silencioso ato de respeito eu agradeci pelos seus ensinamentos e fiz votos para que  ele pudesse realizar uma boa passagem.

Quando eu finalizo esta explicação sobre a minha rua não ser sem saída, fica claro que se trata de uma brincadeira um tanto quanto boba. Mas afirmo ter um sentido maior.

Minha intenção com isso não é a de brincar com um momento que pode ser extremamente doloroso para qualquer um de nós, principalmente quando envolve a partida de uma pessoa muito próxima.

O que busco com essa teoria “boba” é aprender a lidar melhor com a questão da morte. Eu quero mesmo acreditar que a minha rua tem saída, e que essa saída leva para um lugar – ou estado – muito bonito. Eu quero acreditar que exista saída para o sofrimento de perder alguém, que isso possa ser superado e aqueles que ficam possam ficar bem.

Depois que o cortejo do seu Oribes passou e tudo foi finalizado como manda o protocolo, eu segui com as minhas atividades do dia sem dificuldade de me concentrar nelas. Para os familiares e amigos próximos dele, imagino que não tenha sido assim. O dia de hoje possivelmente ainda estará pesado para eles. No lugar deles, o meu também não estaria legal. Muitas pessoas seguem o resto da vida sem conseguir elaborar a perda de alguém. Se eu não estiver preparado poderei ser uma dessas pessoas.

Mesmo que a professora de biologia tenha nos falado na quinta série “que todo o ser humano nasce, cresce, se reproduz e morre”, nós ainda não aprendemos a lidar com essa última e inevitável fase da vida humana. É por esse motivo que precisamos falar sobre a morte, justamente porque nos é, ainda, tão caro administrar a sua chegada.

Eu não acredito que alcançaremos tamanha “evolução” ao ponto de sorrirmos com a morte de alguém. Até mesmo a teoria de que os budistas fazem festa quando alguém morre é uma farsa. Eles não fazem festa no sentido de não estarem tristes naquele momento, mas sim na intenção de homenagear a pessoa que está deixando a vida como a conhecemos.

Ao fazer isso, eles dizem que estão encarando a morte de frente, com mais humildade e aceitando que absolutamente tudo neste mundo é impermanente.

A intenção deles não é desenvolver uma frieza em relação a vida, pelo contrário, é encarando a morte de frente que poderemos entender e valorizar a própria vida. É por isso que os budistas começam, primeiro, aprendendo a lidar com as “pequenas” mortes, que são aquelas ligadas às mudanças da nossa vida cotidiana: término de namoro, perda de emprego ou até mesmo as mortes materiais, como o carro que quebrou.
Tudo é impermanente e é justamente isso que torna a vida possível e tão interessante. Se tudo fosse sempre igual, seria muito chato. O novo é necessário e ele só surge quando algo “morre” para se transformar em novo. Claro que a perda de pessoas é diferente, é mais difícil. Mas será que a certeza da vida eterna não traria muito mais problemas do que a impermanência? Se sabemos que tem um fim, precisamos valorizar o que ainda vive em nós.

(*)  GILVAN RIBEIRO, 29 anos, é atleta olímpico e apaixonado pelo jornalismo (cursa o 8º semestre, na UFN) e pela Psicologia (está no 1º semestre, na UFSM). Ele escreve no site sempre aos sábados.  

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: A foto que ilustra esta crônica é uma reprodução da Internet.

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Um Comentário

  1. É isso mesmo Gilvan eu sempre peço aos meus parentes “quando eu morrer quero que vocês saiam para comer um almoço maravilho, tomar um belo café da tarde com direito a tudo que os faça feliz e uma janta magnífica, se possível regados com muitas bebidas e músicas, vou adorar observa-los fazendo o que eu mais gosto!”

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