CRÔNICA. Orlando Fonseca e o apocalipse
Apocalipse não
Por Orlando Fonseca*
Não seria muito difícil, para os que se atêm à fé, olhar ao redor e perceber sinais de que o Apocalipse se aproxima. Nosso planeta passa por uma pandemia jamais experimentada pela humanidade; aqui no Rio Grande do Sul, tivemos uma estiagem severa e em seguida um temporal, com ciclone-bomba e enchentes; uma nuvem de gafanhotos se elevou do Sul com promessas de devastação; uma mãe mata um filho estrangulado. E ainda tem um cometa, visto com mais nitidez no hemisfério norte. Sinais nos céus e na Terra, pais contra os filhos, filhos contra os pais, e parte da mentalidade conservadora joga na esquerda o emblema do anti-cristo. Mentes fracas ou perturbadas, inteligências pautadas pelo senso-comum, crendices, boa e má fé. Em parte, estou com Gil: “a fé não costuma faiá”, mas por vezes sei que atrapalha (tanto os que creem, quanto os que precisam ou devem administrar a sociedade).
A religiosidade é um dos componentes culturais importantes na formação da vida social. Está presente tanto nas comunidades primitivas, quando nas modernas sociedades das grandes metrópoles. Ela surgiu das inquietações dos nossos ancestrais, diante dos fenômenos da natureza, a sua e a do universo exterior. A isso os estudiosos chamaram de mito (nada a ver com o que dá plantão em Brasília), que ao se estabelecer como símbolo material em rituais, criaram as bases do que conhecemos como o misticismo religioso. Mas não esqueçamos que a cultura é feita pela criação de símbolos, e na sociedade organizada, o poder vem de uma disputa pela hegemonia dos símbolos.
Nas sociedades primitivas seria compreensível que acreditassem na mitologia. Contudo, a partir das invenções que a civilização nos legou, é impossível colocar maior expectativa em rituais sagrados do que na ciência e na filosofia. O mito é originário do desconhecido, ou melhor, do conhecido sobre o qual não tinham qualquer explicação. Com o avanço da ciência, a partir da adoção da racionalidade e do método, inaugurou-se a Idade Moderna, sepultando de vez a crença como base para o progresso e o desenvolvimento que conhecemos hoje. Por isso o mundo acha estranho o retrocesso no Brasil, com esse presidente que acredita na cloroquina, e nos EUA, com aquele presidente que só acredita nele mesmo. Neste estágio de evolução do pensamento civilizado? Em março, um pastor transmitia seu culto pela internet e profetizou que o vírus iria desaparecer em poucas semanas. Ele faz parte do grupo de simpatizantes do Presidente que, nos canais e aplicativos de mensagens, minimizam a pandemia. Produzem uma narrativa com histórias de curas mirabolantes, as quais acabam tirando o foco de ações efetivas contra a doença. Há um estudo sobre a desinformação quanto ao coronavírus, no YouTube, apontando que uma rede formada por religiosos atingiu, em 47 dias, 11 milhões de visualizações. Embora a profecia do religioso, de lá para cá, mais de 2 milhões de brasileiros foram infectados e 76 mil morreram.
Já houve a Peste Negra na Idade Média, a Gripe espanhola em 1918, nas quais morreram milhões, por falta de conhecimento. A ciência avançou muito em um século, e as medidas de contenção do vírus e imunização das populações estão a caminho nos laboratórios e estudos acadêmicos, ao redor do mundo. Esse mesmo ambiente universitário desacreditado pelas autoridades federais e seus seguidores fiéis. Eu diria que os crentes deveriam pensar também, ao analisar os atos de seu mito se, na verdade, o anticristo não está travestido em lideranças cujas abordagens estão levando mais gente à morte do que salvação. Por enquanto, isolamento social e protocolos de higiene e convivência são a melhor estratégia. No âmbito pessoal a fé, mas na condução de políticas públicas de saúde, o melhor é confiar na ciência, nos cientistas e nos profissionais habilitados.
(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.
Observação do editor: Crédito da foto: Pixabay
Chega-se nas concepções filosóficas de cada um. Não sou fã da Stasi e tampouco xerife da humanidade.
Confiar na ciência é uma coisa. Nos ‘cientistas’ e ‘profissionais habilitados’ é outra. Jornalista cata um mecânico que conserta dínamo de fusca, transforma em ‘especialista em indústria automobilística’ e coloca a comentar o Porsche 911.
Segundo, cientistas sérios(as) reconhecem as incertezas. De novo BBC, dito por uma apresentadora com Ph.D. no currículo. Não têm as certezas dos políticos.
Por fim é necessário separar os sem noção dos que tem racionalidade diferente (ainda que moralmente discutível). CNN ianque noticiou festas clandestinas. Numas acham que não vão se contaminar. Noutras querem se contaminar, convidam gente com o vírus.
Conclusão: manter distancia dos ‘malucos’ é melhor.
Depois existem as teorias da conspiração. A cidade onde começou a pandemia tem um laboratório nível 4. Fato. Agentes que podem ser transmitidos por aerossol e causar doença severa ou fatal para humanos para os quais não há vacina ou tratamento.
Exame genético do vírus inconclusivo, coisas que existem na natureza mas são raras. Duas modificações no vírus num intervalo muito curto, primeiro saltar para o ser humano, depois ficar facilmente transmissível (não tinha acontecido com a Sars I e nem com a Mers.
Prática da ‘gain of function’, cientistas alteram geneticamente vírus ou bactérias para facilitar o estudo/desenvolver vacinas (chineses já alteraram até o genoma humano). Fatos isolados, podem ser ligados de muitas formas. Alás, não adianta fechar o mercadinho de bichos exóticos para impedir contágio. Em toda Asia as pessoas recolhem o guano das cavernas onde os morcegos vivem para usar como adubo.
Em 14 de janeiro a OMS tuitou que a transmissão do vírus entre humanos não acontecia. Não é um pastor ‘genérico’ em data incerta.
Países como Coréia do Sul utilizaram o teste em massa para suprimir o vírus. Nova Zelândia, a governante é queridinha da imprensa, com densidade populacional pequena conseguiu suprimir o vírus.
Desinformação é o que mais existe. Estudos de satélite mostraram que a epidemia teria começado em outubro de 2019 na China. BBC mostrou dois laboratórios, um na Itália e outro nos Países Baixos, que monitoram os esgotos despejados nos rios. Pegaram amostras armazenadas e verificaram a presença do vírus dois meses antes do que comumente se reconhece. Sensibilidade do teste: a partir de 3 infectados por 100 mil habitantes. Ou seja, a historia da pandemia ainda está para ser contada.
Estão tendo resultados por causa do remédio ou porque iria ficar melhor de qualquer maneira? Não sei.
Pessoal de humanas não entende bem o que é ciência (maioria delas tem metodologia cientifica que se resume a margens corretas, formatação e citações segundo ABNT). Mesmo nas ciências ‘duras’ a percepção é diferente. Na física e matemática muita coisa é explicada e aplicada antes de bater no ‘não sabemos’. Na biologia nas primeiras páginas não é incomum encontrar num livro da graduação um ‘os mecanismos ainda não são muito claras’. Se a Universidade da Bossoroca desenvolvesse uma vacina que só criasse imunidade em 20% dos inoculados a vacina nunca iria ser produzida em massa. A vacina que pesquisam tem como meta imunizar perto de 50% dos inoculados, número perto do que acontece com a da influenza atualmente.
Ideologias são religiões seculares (ou laicas, como preferir). Negam a metafisica das tradicionais, mas sua base não é cientifica, não no sentido ‘duro’ do termo. Ciências sociais são um guarda-chuva para uma série de campos de estudo empírico que utilizam um método cientifico modificado.
Religiosidade é tema vasto, no campo da cultura lembrei do livro ‘Deuses Americanos’ de Neil Gaiman (a série de tv é melhor). Mistura de mitologia com critica social.
Tema da cloroquina foi politizado, entra nesta toca de coelho quem quiser. Humorista Brendan Schaub (se lembro bem foi ele) pegou o vírus. Médico perguntou para ele ‘qual as suas convicções politicas?’ na consulta. Perguntou o motivo. Médico respondeu ‘democratas são contra cloroquina e republicanos são a favor’. ‘Nós estamos receitando porque na nossa experiência funciona nos estágios iniciais funciona’. Sujeito tomou o remédio e teve resultados.