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Uma democracia sob chantagem – por Paulo Pimenta

O articulista e a conjuntura política, com direito à escatologia presidencial

As Forças Armadas começam a colher os frutos amargos de sua adesão ao projeto neofascista encarnado por Bolsonaro. Foram precedidos pelos doces benefícios salariais, previdenciários e aqueles expressos nos números no orçamento destinado às corporações. Além do breve momento de prestígio, para alguns generais apoiadores, por terem retornado ao poder pelo voto. O fato do adversário principal ter sido arbitrariamente afastado da disputa foi apenas um detalhe.

Agora, a velocidade dos meios digitais contemporâneos de informação e os mecanismos institucionais de controle da própria democracia liberal, especificamente a CPI, mas não só, batem à porta para entregar os frutos amargos da promiscuidade com o submundo das milícias, das quadrilhas de vendedores de vacinas e oportunidades de negócios individuais, da adesão ao discurso obscurantista da extrema-direita mais tosca, da completa renúncia a um projeto nacional de desenvolvimento e da subserviência a um psicopata escatológico, subproduto dos porões da ditadura que protagonizaram entre 1964 e 1988.

A opção por embarcar na aventura neofascista liderada por Bolsonaro, alojando milhares de oficiais, muitos deles da ativa em espaços da administração pública civil cobra um preço elevado das instituições que, por definição constitucional, são instituições nacionais permanentes, portanto, instituições de Estado e não de governos que se renovam a cada quatro anos.

Os recém chegados do ambiente de casta, prevalecente na caserna, que se percebe acima da sociedade dos paisanos, apresentam dificuldade para entender e aceitar que ninguém está acima das normas, nem isento da fiscalização dos órgãos de controle, seja o Parlamento (CPI), Tribunal de Contas da União, Polícia Federal, seja o Ministério Público Federal. 

General Santos Cruz, os democratas brasileiros lhe devem reconhecimento por seu corajoso posicionamento crítico ao governo Bolsonaro, desde que foi afastado da Secretaria de Governo, em 13 de junho de 2019. Lamento, porém, contrariar sua excelência quando afirma que “não existe banda podre nas Forças Armadas“.

Os fatos revelados à CPI nos depoimentos mais recentes estão expondo de forma até o momento não contestada, não apenas a existência, mas o curso da ação da “banda podre” das Forças Armadas no Ministério da Saúde. Seja nas disputas pela área de compras, daquela área do Executivo, seja na nota assinada pelo Sr. Ministro da Defesa, General Braga Neto e pelos  comandantes militares com o objetivo de intimidar a CPI, e assim proteger eventuais criminosos fardados, seja ainda nos atentados semanais do Presidente da República contra a Constituição e a democracia.

A nota assinada por suas excelências fere frontalmente a legalidade democrática, que prescreve a subordinação das Forças Armadas ao poder civil e veda pronunciamentos públicos de militares da ativa sobre temas políticos.

O Ministro da Defesa e os comandantes concluem a nota tomando-se a si mesmos como instituições que defendem a democracia:

“As Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro.”  Convenhamos, qualquer aluno de curso médio interessado na história do Brasil saberá que nenhum atentado à democracia e à liberdade do povo brasileiro – e eles não foram poucos – desde a proclamação da república, ocorreu sem a participação explícita ou indireta das Forças Armadas.

A nota dos comandantes atenta contra princípios basilares como a hierarquia. É, portanto, por todos os títulos, inaceitável, por se constituir numa chantagem contra a sociedade brasileira. O famoso twitter do general Villas Boas ao STF, em 2018, não pode servir de exemplo e fazer escola nas relações entre o braço armado do Estado – as Forças Armadas – e as instituições, num regime que se pretende democrático.

A nação não pode permanecer permanentemente submetida à chantagem. Está inscrito no Art. 142 da Constituição Federal de 1988 – “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes institucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei da ordem.” 

As Forças Armadas, portanto, não podem nem devem ameaçar os poderes republicanos que deveriam proteger. Seria mais útil para o fortalecimento das próprias corporações punir exemplarmente o um general da ativa, exibido como um símbolo da transgressão da disciplina num palanque de campanha política, do que dar-lhe um tapinha nas costas e acobertá-lo com um carimbo de 100 anos de silêncio.

O general Góis Monteiro, uma das mais expressivas e poderosas personalidades do Exército brasileiro na primeira metade do século XX, insuspeito de má vontade com relação à corporação que ajudou a modelar, fez num comentário sobre certo momento de turbulência da vida nacional: “a revolução paulista (de 1932) trouxe essa consequência boa: restabeleceu a disciplina no Exército, que estava, realmente ao sabor das conveniências, de alguns elementos agitadores e exploradores da farda.”  Um convite à reflexão para os comandantes embalados pelo ímpeto de autoproteção corporativo que acaba por erguer um escudo em defesa do indefensável.  

Alguém se lembra do teor da nota dos comandantes das Forças Armadas quando um sargento do exército foi flagrado com 39 kg de cocaína num avião da FAB que compunha a comitiva presidencial numa viagem oficial ao exterior? Não. Porque não lançaram nenhuma nota. Uma explicação. Então, para quem deseja contribuir com a estabilidade política do país, num momento tão grave como o que vivemos, convém moderar o impulso corporativo e cultivar mais apreço pelas instituições democráticas.

Se o líder dessa república escatológica se evadiu para seu universo paralelo e imagina que o país é apenas o cercadinho montado em frente ao Palácio da Alvorada, os dirigentes das Forças Armadas não podem marchar sobre seus passos na mesma toada. Sob pena de ver as instituições que comandam confundidas com a conduta vexaminosa que ele protagoniza.

O Brasil não pode ir a lugar algum e se ver respeitado como uma nação enquanto for formalmente dirigido por um personagem grotesco que poderia resumir seu governo com uma frase: “vou ali ao banheiro dar uma declaração…”

(*) Paulo Pimenta é jornalista e deputado federal, presidente estadual do PT/RS e escreve no site às quartas-feiras.

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