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Idoso – por Orlando Fonseca

Tenho amigos que preferem ser identificados como velhos e não como idosos. Temos todos idade para esse questionamento. Também descartamos a tal da terceira idade, pois não há como abdicar das outras duas, ao longo da vida. Com efeito, passamos pela década, no século passado, em que se proclamou o “poder jovem”. Em que se cantava “não confie em ninguém com mais de trinta anos”, e o ideal de “herói”, para os roqueiros, era morrer jovem. Essa foi a nossa antiguidade, mas a da humanidade tinha os gregos que pregavam “para ser imortal, morra jovem”. Ter de ser identificado com um ou outro dos adjetivos supracitados é uma virtude de quem viveu o suficiente para esquecer as palavras de ordem juvenil dos anos dourados. Mas eu já me decidi: prefiro ser idoso e vou dizer por quê.

Em minha cabeça de sexagenário, o adjetivo velho se associa ao que é antiquado, ultrapassado, sem uso ou desatualizado. Posso ser identificado como um usado em bom estado, jamais como ferro velho, como sucata. Isso porque desde muito cedo, na vida, venho me preparando para a vivência atual. Pois sou dos que acham que se investe em saúde enquanto se tem, porque depois que se perde, só remediando. Além disso, nos últimos anos – décadas já – o que mais tenho feito é me atualizado, vou me adaptando ao mundo novo que me cerca, portanto ainda não posso ser descartado por antiguidade.

Poderia pensar no lado afetivo, pelo qual os nossos filhos nos tratam como “meu velho”. É claro que, nesse caso, o possessivo faz toda a diferença. Mas desconfio que nossos rebentos usam o termo para estabelecer limites, pois os meus guris já achavam que eu era velho quando tinha 40 anos – e ainda hoje ouço jovens achando que “ser velho” tem algo a ver com entrar na casa dos quarenta. Mas, falando em crianças, se o termo não tivesse lá o seu lado sinistro, elas teriam medo do “idoso do saco”, e não do outro conhecido. Sim, tem o Bom Velhinho – que já se aproxima no calendário festivo – porém, nesse caso, é o diminutivo o que faz a diferença toda. Sacou, velhinho? – diria o coelho Pernalonga do desenho animado.

Sou idoso, não me revolto em acumular, cada vez mais, a condição de sê-lo; recuso-me, sim, a envelhecer. Sei que não estou na melhor idade, mas também não me lamento pelo fato de essa já haver passado há tempos. Além disso, não fico repetindo: “no meu tempo”, como se quisesse dizer que houve uma paraíso particular na “aurora da minha vida”, propriedade especial da minha adolescência aventureira, ou quando fazia festas na casa dos vinte anos. Meu tempo é hoje, e convivo muito bem com os contemporâneos, tenham 2 ou 90 anos.

Quando me aposentei das atividades docentes na UFSM, mencionei as razões para abandonar aquele posto (ainda continuo a lecionar no EAD da Universidade Aberta do Brasil), entre os quais, o fato de estar convencido de que não vou mais aprender coisa nova de gente velha (velha para acentuar a antítese), referências teóricas de pensadores dos séculos anteriores, e, mesmo dentre os do final do século XX, alguns já falecidos. No entanto, espero coisas novas de gente nova, e estou aberto ao conhecimento que ainda está se forjando, como novidade, ou como revisões de conceitos canônicos. Sempre convivi muito bem com a ideia de que a minha idade fazia a diferença aos meus alunos. Assim como hoje, tenho a satisfação de ouvir minha filha, no alto de seus onze anos, dizer que gosta de almoçar comigo, pois sempre tenho a resposta para as suas perguntas. Ter essa condição implica a trajetória que me trouxe até aqui, não a que já ficou para trás. Para ser grande, diria o poeta, sê inteiro, nada teu exagera ou exclui. Carrego tudo o que sou, com os defeitos da idade e as virtudes de ser atento. Atento à vida, a qual, como cantou Gonzaguinha, é uma pergunta, e eu não tenho a resposta, mas sei que é bonita. E, mesmo com o tempo passando, mesmo com a idade se acumulando, todo dia é novo para que se aprenda um pouco mais da sua beleza. Renovar esse olhar é o segredo de um cotidiano parecido com o que sonhamos ser a felicidade.

*Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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Um Comentário

  1. Autor, sem dúvida, tem auto conceito bastante elevado. Sempre tem respostas, não quer dizer que estejam certas. Cabeça e carcaça cada um sabe das suas. Quanto ao aspecto educacional o que importa é o curriculo. Fim da admissão, reforma do ensino da decada de 70, obviamente algo se perdeu. Materias do fundamental foram parar no ensino medio. O contrario do que deveria ser feito. Curriculos deveriam sofrer ‘faxinas’, assuntos do superior deveriam ir para o medio e assim por diante. Assuntos deveriam ser reduzidos, ferramentas mais basicas estudadas com maior profundidade. Politicos incluem cada vez mais assuntos em cargas horarias reduzidas. Deveria porque não vai acontecer, obvio. No que diz respeito aos pensadores não é a antiguidade que informa a relevancia. Elon Musk refere-se aos primeiros principios de Aristoteles seguidamente. Por aí jovens citam filosofos como se fossem profetas, fora de contexto, superficialmente e nunca lidos no original. Exemplo? Adorno que é extremamente datado. Traumas do nazismo e do holocausto. Resumo da ópera: o destino é o ignoto.

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