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Noticiários diários da imprensa esqueceram as matérias “buraco de rua” – por Carlos Wagner

E o leitor? Espaços nobres hoje vão para “política, economia e saúde pública”

O buraco de rua é uma das mais antigas reclamações dos chamados consumidores de notícias (Foto Reprodução)

Para quem não é jornalista, vou explicar o assunto. Existiram, existem e existirão, por muitos anos, pessoas que acreditam ser possível resolver um problema particular se o denunciarem para um veículo noticioso, tornando-o público.

A maioria das reclamações é contra a qualidade dos serviços públicos e privados. Mas tem de tudo um pouco. Uns acusam os vizinhos de fofoqueiros, outros reclamam de casais que fazem barulho durante a relação sexual e há os que se queixam de latidos de cachorro e até de galos que cantam anunciando o raiar do dia.

Em muitas redações de grandes empresas de comunicação, esse tipo de matéria é chamado pelos repórteres de “buraco de rua”. Por quê? Quando o repórter começa na profissão, as primeiras pautas que lhe são confiadas tratam de assuntos simples, como as reclamações de leitores sobre os buracos na rua por onde transitam carros e ônibus.

Pela simplicidade do fato, não tem como o “foca” escrever bobagens. Existe inclusive uma corrente de pensamento, entre os teóricos da comunicação, de que é necessário o repórter iniciar a sua carreira fazendo “buraco de rua”.

Lembro que, quando comecei a trabalhar em redação, em 1979, não existia um setor para o qual o leitor pudesse ligar e encontrar, no outro lado da linha, uma pessoa especializada para atendê-lo. Havia pela redação vários telefones espalhados com a campainha regulada para fazer o máximo barulho. Só assim podiam ser ouvidos em meio ao matraquear ensurdecedor que dominava as redações nos tempos das máquinas de escrever.

Além do barulho das máquinas, havia a má vontade do repórter em atender uma ligação que interromperia o seu raciocínio naquela hora de redigir a matéria. E quando o repórter finalmente atendia para se livrar do som estridente do telefone, a conversa com o leitor geralmente acabava em troca de desaforos.

Mas, no meio dessa bagunça, existia certa ordem. As reclamações de problemas sobre saúde pública, falta de professores e autoritarismo da polícia raramente deixavam de ser noticiadas. Com o passar do tempo, as grandes empresas de comunicação viram nesse tipo de leitor uma oportunidade de negócio e criaram os seus jornais populares e o empurraram para lá.

E, nas redações dos outros jornais tradicionais, foram criados setores específicos para atender o leitor de classe média. Acabou-se o bate-boca entre repórteres e leitores. Com as novas tecnologias de comunicação, como celulares, e-mail, aplicativos (WhatsApp), a comunicação dos leitores com as redações se tornou instantânea.

Mas, se por um lado foi facilitada a comunicação dos leitores com os noticiários, por outro as empresas colocaram filtros que só permitem a divulgação de fatos comprovados. Ou que sejam favoráveis a reportagens publicadas.

A maioria dos leitores correu para as redes sociais, onde não precisa da intermediação de jornalistas para botar a boca no trombone e fazer as suas reclamações. Mas, se procurar bem, ali e aqui ainda é possível encontrar uma matéria “buraco de rua” nos noticiários. Nos dias atuais, elas estão quase extintas.

É compreensível. Nos últimos três anos, os espaços nobres dos noticiários têm sido ocupados por três assuntos: política, economia e saúde pública. Não poderia ser diferente. Desde o primeiro dia em que assumiu o seu mandato, o presidente Jair Bolsonaro (PL) semeou confusão na administração do país. E depois veio a pandemia da Covid-19, que teve os seus efeitos ampliados devido ao negacionismo do presidente e ao poder de contágio e de letalidade do vírus, que já matou mais de 600 mil brasileiros.

No entanto, os problemas que complicam a rotina do brasileiro continuam, e alguns deles se agigantaram. E muitos, sendo apenas publicados nas redes sociais, não ganham a dimensão necessária para forçar as autoridades a se mexerem.

Por exemplo, a bagunça em que se transformou o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O atual governo herdou um caos no INSS, que começou quando houve alterações na legislação da aposentadoria, provocando uma grande corrida de trabalhadores em busca de seus direitos.

O governo Bolsonaro teve a ideia de rechear o serviço público federal com 6 mil militares da ativa, reserva e reformados. A maioria dessas pessoas é desqualificada para o serviço para o qual foi contratada. Resultado: o número de processos atrasados soma dezenas de milhares de aposentadorias e perícias médicas, caso de trabalhadores afastados por motivo de saúde.

Outro serviço que está uma lambança é o prestado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. A desorganização dos Correios vem de longe. E, nos dias atuais, chegou ao ponto mais alto. A imprensa sempre aborda a questão pelo lado defendido pelo governo, que aponta a privatização da empresa como solução. É uma abordagem superficial, porque a urgência do usuário é para hoje.

Abordei dois assuntos, INSS e Correios, como de grande interesse dos leitores e que precisam da atenção da grande imprensa para pressionar as autoridades em busca de uma solução. Mesmo dentro do caos em que estamos vivendo, é necessário às vezes mirar os canhões nos problemas mais urgentes da população. Aqueles que antigamente as pessoas acreditavam que, ligando para as redações, seriam resolvidos.

Nós nunca tivemos a capacidade de resolver problemas. Mas ajudamos a solucioná-los pressionando as autoridades. Sou um velho repórter estradeiro que nunca se deu o direito de ser saudosista. Por não acreditar que antigamente se fazia um jornalismo melhor do que o feito hoje. Cada época é cada época.

O que é verdade, e creio que continuará sendo por muitos e muitos anos, é que no tempo das máquinas de escrever o jornal que virasse as costas para as reclamações dos leitores acabava fechando. Isso continua sendo verdade nos dias atuais.

PARA LER A ÍNTEGRA, NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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Um Comentário

  1. Por partes. Jornalistas querem ‘mudar o mundo’, maioria é militante de esquerda. Melhor maneira de fazer nada é estabelecer metas impossiveis. Para a politica local serve, principalmente pagando um anuncio ou outro nos meios de comunicação. Problemas da aldeia ficam em segundo plano, a briga é no nivel federal para cima. Milicos não tem nada a ver com pericia media. Fila já existia e agravou-se com a pandemia. Alás, pericia é alegria dos advogados previdenciarios, principalmente se o perito não é especialistas da area de interesse. Correios tiveram má gestão numa época crucial. Cereja do bolo foi os ‘cumpanheros’ administrando o fundo de pensão da EBCT. Até contribuição das viuvas tiveram que aumentar por conta desta história.

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