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Qual o peso do Brasil no mundo? – por José Renato Ferraz da Silveira

“O que dizer deste gigante plácido, vigoroso, imaturo e contraditório país?”

O pensamento imaturo é predominantemente utópico e busca um objetivo. O pensamento que rejeita o objetivo como um todo é o pensamento da velhice. O pensamento maduro combina objetivo com observação e análise. Utopia e realidade são, portanto, as duas facetas da ciência política. Pensamento político e vida política sensatos serão encontrados onde ambos tiverem seu lugar”.

Edward Halllet Carr

O apatifamento de uma nação começa pela degradação do discurso público e pela baixaria como linguagem corriqueira, adotada nos mais altos níveis de uma sociedade embrutecida”.

Luís Fernando Veríssimo

Qual o legado que deixaremos para as próximas gerações?

Vêm do berço familiar as narrativas de como os meus antepassados amavam cultivar a terra e extrair os benefícios, nas forças de seus braços, do solo sagrado. Tudo para sobrevivência deles e das gerações futuras. Guardo em mim, do lado paterno, o legado, esquecido, mas não apagado, dos açorianos.

Do lado materno, o doloroso e amargo legado da diáspora africana. Nem preciso dizer que a união destes guerreiros além-mar com o povo originário foi natural, bem como com outros imigrantes fugindo da fome, da violência, da injustiça e da guerra.

Minha família é a cara do Brasil. Esta é a minha formação. Este é o nosso País.

Nos olhos cansados de meu velho pai, as lembranças do belo e querido recanto onde nasceu e cresceu em meio à Natureza sorriem açucaradas.

Nos últimos tempos revelou que preferia estar morto a ter de assistir as matas, plantações e animais serem consumidos pelo fogo insano dos malfeitores.

Qual o legado deixaremos para as próximas gerações?

Brasil: o que dizer deste gigante plácido, vigoroso, imaturo e contraditório país?

Somos o maior país da América do Sul e o quinto do mundo em extensão territorial. No último texto “Setembro: angústias e preocupações (Parte 4)”, mencionei também que ocupamos a sétima posição no ranking dos países mais populosos do planeta, segundo projeções da Organização das Nações Unidas (ONU) para 2024.

Temos uma agricultura moderna e competitiva (“os preços de produtos produzidos aqui são cotados em Chicago ou Londres e, para produzir, é preciso se adequar ao restante do mundo”). 

Ainda somos o país mais industrializado da América Latina (no entanto, o país enfrenta um processo de desindustrialização desde meados da década de 1980).

Avançamos em setores modernos de serviços, especialmente no de comunicação e financeiro (o Brasil é referência no setor de serviços financeiros, sendo reconhecido por sua inovação tecnológica, gestão eficiente e regulação financeira).

Somos uma democracia (incompleta segundo o Freedom House), embora refém das eventuais dificuldades de nosso sistema político.

Contudo, e daí?

Em termos realistas, somos uma voz decisiva na arena global?

O “voo de galinha” será a nossa marca indelével no mundo?

Brasil e George Kennan

George Kennan (1904-2005), o mentor (ideólogo) da estratégia da contenção norte-americana frente à URSS – autor do famoso artigo “As fontes da conduta soviética”, publicado no “Foreign Affairs” sob o pseudônimo X – escreveu uma instigante obra intitulada “Around the Cragged Hill: a personal and political philosophy”, que trata sobre as peculiares dificuldades criadas aos países por tamanho desmesurado. “Quando um país tem não só um território continental de milhões de quilômetros quadrados, mas também população acima de 150 milhões, as complicações derivadas de cada dimensão não apenas se somam, mas se multiplicam, se potencializam” (George Kennan).

Na opinião de Kennan, cabem apenas cinco países nesse “clube seleto”: os Estados Unidos, a Rússia, a China, a Índia e o Brasil.

Vale ressaltar que território continental, como o Canadá e a Austrália, se a população é reduzida não serve para entrar no clube.

Em sentido contrário, população gigante em terra exígua ou limitada, como o Japão, Bangladesh ou Indonésia, tampouco dá direito a ingresso.

Kennan chama os cinco países de “países-monstro”, obviamente não com a intenção de elogiá-los. Na realidade, seriam problemas em si e para si próprios, “pela mesma razão que Hegel ao considerar que, além de certos limites, a quantidade provocava mudança na qualidade mesma do objeto”.

O formidável do livro de Kennan é que a perspectiva política adotada revela a mesma preocupação de Rousseau, segundo a qual a democracia só funciona bem nas unidades pequenas onde todos os cidadãos se conhecem pessoalmente (como, aliás, sucede nas comunas suíças de onde Jean-Jacques era originário).

Em termos econômicos, os “países monstros” constituem mundos próprios, universos que contêm possibilidades muito amplas de crescimento horizontal, para dentro. Portanto, “devendo ocupar-se de primeiro da integração interna de suas regiões menos avançadas” (Rubens Ricupero).

Dito isso, o Brasil – como potência média – precisa resolver seus impasses e contradições internas e identificar em que questões globais podemos ter influência efetiva.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – há muito tempo – já alertou acerca disso: “a síndrome de vira-lata é má conselheira, porque pode nos fazer desperdiçar oportunidades de projetar o país no sistema internacional, mas a superestimação das nossas possibilidades é igualmente perigosa, porque pode nos levar a perseguir objetivos inexequíveis e produzir danos em nossa imagem”.

As mudanças do mundo e o Brasil

O Brasil, em vários momentos, soube acompanhar as mudanças do mundo, ao longo de sua história como nação independente, o país tendeu a ter uma visão estratégica correta de sua inserção global. Quando o centro do capitalismo mundial se deslocou para a Inglaterra, conseguimos, bem ou mal, nos reposicionar.

Saímos do jugo português e passamos para a órbita inglesa. Em outro momento, quando os americanos começaram a mostrar que eram eles que davam as cartas, o Brasil se deslocou (“sem romper com a ordem anterior, outra característica bem nossa também” segundo Rubens Ricupero) e se ligou fortemente aos Estados Unidos, sobretudo na economia. Desde 2009, a China é o nosso principal parceiro comercial.

Atualmente, o Brasil é responsável pela produção de 10% mundial de trigo, soja, milho, cevada, arroz e carne bovina. Conforme estudo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Brasil alimenta cerca de 10% da população mundial, ou seja, 800 milhões de pessoas.

Resumo da Ópera

Nesse sentido, podemos concluir que “a melhor estratégia brasileira é se conectar ao parque industrial da China”?

Acompanhar o crescimento de China e Índia que vão precisar cada vez mais de alimentos e minérios que dispomos?

Tornar-se uma grande fazenda é uma condição sine qua non de inserção brasileira no mundo?

 Não há alternativas e outras escolhas?

A margem de manobra é pequena?

O que pensam os leitores?

Nota complementar

Folha de São Paulo

A lei antidesmatamento da UE

O que é?

Aprovada pela UE em 2023, a norma proíbe que países do bloco importem produtos de áreas desmatadas após dezembro de 2020 e tem início para 30 de dezembro.

Produtos afetados

Café, soja, óleo de palma, madeira, couro, carne bovina, cacau e borracha.

Impacto

Segundo estimativas do governo brasileiro, a medida poderia afetar 34% das exportações para a Europa.

Referências

ARON, Raymond. Memoirs. New York: Holmes and Meier, 1990.

CARDOSO, Fernando Henrique. Crise e reinvenção da política no Brasil. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

CARR, Edward Hallet. Vinte Anos de Crise: 1919-1939. Uma introdução ao estudo das Relações Internacionais. Trad. Luiz Alberto Figueiredo Machado. Brasília, Editora Universidade Brasília, Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. 2 ed. 2001.

KENNAN, George. Around The Cragged Hill. New York: WW. Norton & Co, 1993.

KISSINGER, Henry. Diplomacy. New York: Simon and Schuster, 1994.

RICUPERO, Rubens. O ponto ótimo da crise. Rio de Janeiro, Revan, 1998.

Leia Mais:

https://brasil.elpais.com/economia/2021-12-07/o-brasil-vai-virar-uma-grande-fazenda-um-pais-em-acelerada-desindustrializacao.html

https://www.institutolatino.com.br/business/2022/03/o-brasil-a-grande-fazenda-e-a-china-o-grande-parque-industrial/

https://www.infomoney.com.br/colunistas/felippe-hermes/como-o-brasil-se-tornou-uma-enorme-fazenda-com-cidades-no-meio/

https://www.canalrural.com.br/agricultura/agronegocio/brasil-nao-pode-ser-so-a-fazenda-do-mundo-diz-mercadante/

https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2024-09/fazenda-aumenta-para-32-estimativa-para-o-pib-em-2024

(*) José Renato Ferraz da Silveira, que escreve às terças-feiras no site, é professor Associado IV da Universidade Federal de Santa Maria, lotado no Departamento de Economia e Relações Internacionais. É Graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP e em História pela Ulbra. Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP.

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21 Comentários

  1. Resumo da opera. Brasil é o que a casa tem para oferecer. Sistema se autopreserva. Carmem Lucia defendeu regulamentação das redes sociais. STF, vanguarda iluminista, esta numas de tutelar a sociedade e fazer a curadoria da informação. Para regulamentar, segundo ela, é necessario ‘um amplo debate na sociedade’. Ou seja, audiencias publicas feitas em BSB com ‘especialistas’ escolhidos a dedo. Sim, porque o populacho, que necessita de tutela porque é muito ‘ignorante’, não tem condições de opinar sobre assuntos ‘que não entende’ (alas, nem os ministros entendem). Total? No papel o Brasil é tudo o que há de bom.

  2. Lei é naquela base. RS não produz carne em area desmatada. Rato Rouco prometeu refloresta 12 milhões de hectares na Amazonia. E um campeonato de quem mente mais. CE quer preservar os pequenos agricultores ainda por cima. Produzem em pequena escala com valor agregado maior. França mantem dois regimentos na Guiana, passam ‘caçando’ mineradores ilegais. Não é tão simples. Faltando produtos, batendo na urna, dane-se a lei.

  3. ‘ Desde 2009, a China é o nosso principal parceiro comercial.’ Todos os ovos numa cesta só. Muito perigoso. Tem seu preço.

  4. ‘[…] a síndrome de vira-lata é má conselheira, porque pode nos fazer desperdiçar oportunidades de projetar o país no sistema internacional, […]’. Deixando o apelo a autoridade de lado. Parece que o problema é de imagem e de autoestima. ‘Fingir ser até conseguir ser’ como dizem os ianques. Isto é cascata para o publico interno. Os outros paises sabem muito bem quais são os potenciais e quais os problemas brasileiros. Nome disto é ‘inteligencia’. CIA não vai só atras de ‘terroristas’. O DGSE frances é famoso por espionagem economica e industrial. Obama grampeou o telefone de Dilma, a humilde e capaz. Alguém acha que os ianques pararam?

  5. Kennan pelo jeito concluiu que paises menores são mais faceis de gerir. Descobriu que os problemas escalam e soluções não. Inventou a roda. Mostra que departamentos na Academia não falam uns com os outros.

  6. Mais da metade do pais é floresta. População não é criterio de ‘importancia’, vide India. Agricultura é importante enquanto as fronteira agricolas da Africa não expandirem. Não sei de onde saiu o ‘vigoroso’. Desindustrialização não é so aqui, manufaturas foram para a Asia o que ocasiona, turbinado pela pandemia, um protecionismo que vai reverter o fluxo. Tentativas de reindustrialização tupiniquins é com base na ‘cumpadragem’ (majoritariamente) e não na competencia.

  7. ‘Qual o legado deixaremos para as próximas gerações?’ Não conseguimos resolver o basico, saude, educação, saneamento. Não ‘ajeitamos’ os problemas desta geração, vamos nos preocupar com ‘legado’? Alas, sou velho e conheci o RS antes dos desertos de soja. Não era incomum enxergar veados campeiros e emas nos campos. Taperas se falarmos em patrimonio cultural.

  8. ‘Minha família é a cara do Brasil.’ Não estava preparado para tanta modestia. Um estudo ianque, era modinha na Academia anos atras, afirmou que existem diferenças culturais importantes a cada 600 milhas (perto de mil quilometros). Não lembro o nome do trabalho. Brasil alemão, italiano, polaco també é, pasme-se, Brasil. Como é o Brasil negro da Bahia e o Brasil indigena do norte.

  9. ‘Do lado materno, o doloroso e amargo legado da diáspora africana.’ Não afirmo que seja o caso. PBS, a tv cultura ianque, tem um programa chamado ‘Finding your roots’. Conhecida militante ianque vai ao progama. Um antepassado dela era branco e mercador de escravos. Viralizou, obvio. Narrativas batem num obstaculo, nunca é tão simples. Alas, falando em arvore genealogica. Um contra-antepassado. Condutor de bonde no RJ. Inicio do seculo. Perdeu o primeiro filho para a tuberculose. A filha seguinte para ‘bronquite’. A filha seguinte para tuberculose. Todos com idade entre um e dois anos. Sobrou o terceiro filho. Alas, tuberculose matava gente por aqui ate meados do seculo passado e não era pouca.

  10. Colonos alemães e italianos vieram para o Brasil majoritariamente recrutados. Alas, os primeiro colonos alemães eram mercenarios a serviço da coroa. Alas migração alemã foi muito maior na Ianquelandia. Alas, muitos descendentes de italianos tem dupla nacionalidade, correram atras da cidadania. Passaporte italiano é o da CE.

    1. O interessante do texto é que há uma combinação entre o legado de autores realistas clássicos da sua área e uma preocupação com o futuro. Amargos pseudointelectuais de Santa Maria, talvez não conseguirão capturar a sutileza de um argumento que tem os pés no chão. Parabéns, Prof. Silveira.

  11. ‘[…] outros imigrantes fugindo da fome, da violência, da injustiça e da guerra.’ Pois então. Discurso, principalmente na Ianquelandia e na Europa, é que existe a ‘obrigação moral’ de acolher os imigrentes ilegais. Decisão tomada em gabinetes com ar condicionado. Imigrantes causam problemas, não todos obvio. Prejudicados que passem maionese e engulam. Quem ‘chiar’ é xenofobo, fascista, misogino, racista, homofobico.

  12. Estamos num pais onde o transito atravanca por que muitos motoristas diminuem para ‘apreciar’ a visão de um acidente. Quem critica geralmente aproveita o engarrafamento para dar uma espiadinha também. Pergunta: sem desaforos, soco, cadeirada, alguém saberia quem é Marçal nesta altura do campeonato? Ou seria um obscuro candidato como existem milhares em outros lugares? Agora o establishment quer usar o intestino grosso do sujeito como bota. Com a tripa ainda dentro dele, obvio. Ja falam até em inegibilidade. Pergunta: em janeiro deste ano quantas pessoas sabiam que o sujeito existia? Isto é sintomo do quê?

  13. Luiz Fernando Verissimo foi famoso. Adulado por aqui por conta do bairrismo. Adulado pais a fora por fazer critica social e ser militante de esquerda. Precursor do socialismo de iPhone quando o aparelho não existia. Problema da frase é que sugere uma epoca aurea onde o discurso era ‘melhor’. O que pode até ser verdade porque só era acessivel o discurso de elites. As praticas politicas, bom lembrar, com muita facilidade descambavam para a violencia.

  14. O que levaria a outra discussão, tecnicas de ‘manipulação’ pessoal e seus correspondentes na midia/politica. Recompensa (dinheiro, sexo, presentes; promessas de campanha furadas, marketagem). Ideologia (concepções de mundo não conciliaveis, nos contra eles). Coerção (ameaças, chantagem; tatica do medo, mundo vai acabar). Ego (‘você é mais inteligente que os outros ignorantes’, ‘voce é moralmente superior pode dizer aos outros o que devem fazer’, ‘voce faz parte da vanguarda do mundo melhor’, ‘só voce pode realizar esta tarefa’, ‘vou contar este segredo mas é só para voce’, ‘para enganarmos os trouxas é necessario ficar repetindo tal e tal coisa sempre que possivel’, ‘a narrativa do nosso grupo seleto é esta’).

  15. O que leva a outro problema. Uma coisa é utopia, outro é despregamento da realidade. Objetivos ficam distantes e para sustentar ideologias já na UTI ficam inventando explicações mirabolantes. Obvio que correntes de pensamento derivadas do marxismo são o exemplo mais obvio.

  16. Edward Halllet Carr é inicio do século XX. Um dos problemas da Academia tupiniquim, as referencias vem de outro tempo com outro contexto.

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