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A privatização que se avizinha e o que se pode fazer a respeito – por Giorgio Forgiarini

“Em suma: não faltam recursos para valorizar a educação pública municipal”

Cada vez mais frequentes os relatos de professores fadigados. A falta, não apenas de professores, mas também de estagiários e monitores na rede pública municipal exacerba não apenas a carga de trabalho, mas também o peso das responsabilidades. A simples possibilidade de algo de errado acontecer em função da impossibilidade natural de o professor dar a atenção ideal a tantos alunos, com tantas particularidades, faz emergir a tensão, a apreensão e o estresse que não raro se manifesta em sensação de fadiga constante.

O Plano de Carreira do Magistério de Santa Maria entrou em vigor no ano de 2004 (Lei n. 4.696/2004). Lá ficou estabelecido o número de 1.700 professores como o contingente necessário para atender às demandas do Município. No serviço público é assim: é a lei estabelece o número de vagas em qualquer órgão.

Para a realidade da época esse contingente de professores aparentemente era suficiente. Passados 21 anos, dezenas de escolas novas foram implantadas, outras tantas antes privadas foram encampadas e o número de alunos na rede pública foi significativamente ampliado. No entanto, o de professores, não. Permanecem as 1.700 vagas previstas duas décadas atrás.

Essa limitação legal é frequentemente utilizada como pretexto para a não nomeação de mais professores efetivos. As 1.700 vagas já estão ocupadas e, portanto, não se poderia mais nomear professores, dizem. Porém, superar tal entrave seria simples. Bastaria ao Executivo enviar ao legislativo projeto de lei aumentando o número de vagas para professores e pronto.

Mas não. Ao invés disso, o que se fez até aqui foi a banalização das suplementações, bem como a contratação emergencial de 518 professores, contrariando a Constituição Federal que estabelece que esse tipo de contrato só poderia ser firmado para suprir demandas excepcionais e/ou urgentes.

O problema de pessoal é mais abrangente. A Resolução n. 47/2022, do Conselho Municipal de Educação de Santa Maria estabelece os números mínimos de assistentes em cada uma das turmas de Educação Infantil, com base no número e nas idades dos alunos.

Mais do que isso. Nos termos da Lei 12.764 de 2012 (Lei da Pessoa com Transtorno de Espectro Autista) e da Lei 13.146 de 2015 (Lei de Inclusão da Pessoa com Deficiência), consta que cada aluno com deficiência terá direito a atendimento individualizado, sendo dever do Ente Público prover essa assistência.

Porém, inexiste em Santa Maria uma política clara para seleção, contratação e manutenção de estagiários e monitores em sala de aula. Ficam essas tarefas a cargo dos já sobrecarregados gestores de escola. A pífia remuneração oferecida desestimula os jovens a se candidatarem e permanecerem em seus estágios. O resultado dessa omissão do Governo Municipal é uma impermanência dos estagiários e monitores, altíssima rotatividade e um déficit de mais de 200 assistentes.

Existe lógica nessas omissões? Sim. A da privatização. Em recentíssimo evento para empresários realizado em Santa Maria, um economista mencionava os “riosss” de dinheiro distribuídos pelo FUNDEB (ênfase no plural “riossss” de dinheiro). Para o palestrante, o dinheiro era mal gasto e a solução seria privatizar as escolas. “Acabaria com esse negócio de greve, de paralisação, etc”, arrematou.

Rodrigo Décimo, Prefeito Municipal e, para todos os efeitos, responsável pela aplicação dos recursos do FUNDEB em Santa Maria, sentado na primeira fila da plateia, não se incomodou com a acusação de receber e não conseguir gerir a contento os “riosss” de dinheiro do FUNDEB. Ao contrário, esboçou sorrisos e aplausos complacentes, quiçá concordantes.

Em tempo: Até o mês de agosto, o Município de Santa Maria já havia recebido R$ 97.862.822,46 do FUNDEB em 2025, segundo o próprio Portal da Transparência do Município.

Em suma: não faltam recursos para valorizar a educação pública municipal. O que falta é vontade política. A privatização se avizinha.

Para reverter esse quadro, a assessoria jurídica do SINPROSM está preparando ações judiciais para solver o problema do déficit do quadro efetivo do magistério, bem como para que seja estabelecida uma política municipal de atenção aos alunos com deficiência e com transtorno do espectro autista.

O Judiciário tem seu tempo. Pode ser um caminho longo e tortuoso. Porém, jamais podemos deixar de crer naquilo que nos resta. Lutar!

(*) Giorgio Forgiarini é advogado militante, com curso de Direito pela Universidade Franciscana, é Mestre em Ciências Sociais e Doutor em História pela Universidade Federal de Santa Maria. Ele escreve nas madrugadas de sábado.

Nota do Editor: texto originalmente publicado no Jornal do Sinprosm (Sindicato dos Professores Municipais de Santa Maria)

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12 Comentários

  1. Resumo da opera. Ideologia diz que se todo o corpo docente for servidor publico os problemas terminarão. Obvio que não. Politicas publicas não faltam no Brasil, são criadas em gabinete, utilizadas no marketing e dão muito pouco resultado. Porque tirar do papel é muito mais dificil que colocar. Dá trabalho, para muitos é a mesma coisa que a Cruz é para o vampiro.

  2. ‘[…] a assessoria jurídica do SINPROSM está preparando ações judiciais […]’. Onde o principio da ‘reserva do possivel’ podera ser mencionado. Provavelmente também a lei de responsabilidade fiscal.

  3. ‘Em tempo: Até o mês de agosto, o Município de Santa Maria já havia recebido R$ 97.862.822,46 do FUNDEB em 2025 […]’. Quantos alunos tem a rede municipal? Perto de 20 mil? Cinco mil reais por aluno até agosto. Nesta hora algum imbecil irá dizer ‘é pouco, teria que ser mais’. Sairia de onde? Porque não é um saco sem fundo. Economia, recursos limitados para necessidades ilimitadas.

  4. ‘Rodrigo Décimo, Prefeito Municipal e, para todos os efeitos, responsável pela aplicação dos recursos do FUNDEB em Santa Maria, sentado na primeira fila da plateia, não se incomodou […]’. Para quem não notou, Péssimo não é de esquerda. Qual a alternativa? Soltar um ‘pela ordem’? Armar um barraco? Economista, copiando os causidicos, largou uma perola (a principio, não se sabe o contexto) e extrapolou a propria area de conhecimento. Péssimo interpela o sujeito, a afirmação que iria passar batida vira nota de rodapé na noticia que seria o barraco. Ainda por cima o Fundeb é de 2007 não começou agora.

  5. ‘Para o palestrante, o dinheiro era mal gasto e a solução seria privatizar as escolas.’ Opinião. Pode-se concordar ou não com ela. Problema são os ‘tudólogos’ com ‘conhecimento wikipedico’. Sairia mais barato? Provavelmente. As escolas particulares (exceções de praxe) estão tendo um resultado muito melhor do que as publicas (exceções de praxe)? Não creio. Porque o pessoal que sai do ensino basico vai para o medio. E o PISA mostra que na media os melhores discentes tupiniquins empatam com os medios dos paises desenvolvidos (exceções de praxe).

  6. ‘Em recentíssimo evento para empresários realizado em Santa Maria, um economista mencionava […]’. Qual economista e qual evento? Está gravado? Sim, porque existe um contexto para o que foi afirmado. ‘In God we trust’, todos os demais tem que apresentar recibos.

  7. ‘[…] contrariando a Constituição Federal que estabelece que esse tipo de contrato […]’. CF estabelece um monte de coisa que não é cumprida.

  8. ‘Bastaria ao Executivo enviar ao legislativo projeto de lei aumentando o número de vagas para professores e pronto.’ Solução simples que não muda nada no que diz respeito ao problema aventado. Muda os beneficios de quem leciona. Existe um evidente impacto na previdencia. Além disto, existe o envelhecimento da população. SM ‘exporta cerebros’, com a decadencia economica evidente menos gente vai ficar aqui. Irão reproduzir em outros lugares. Deveria ser considerado também. Alas, as projeções do IBGE não levam isto em conta, não tem como.

  9. ‘Essa limitação legal é frequentemente utilizada como pretexto para a não nomeação de mais professores efetivos.’ O fato do professor ser efetivo ou temporario não muda os problemas dentro da sala de aula.

  10. ‘[…] em função da impossibilidade natural de o professor dar a atenção ideal a tantos alunos, […]’. No papel tudo é bonito. Resolveram promover inclusão de alunos(as) com necessidades especiais. Criaram os/as monitores(as). Alguns querem que o mundo acabe em barranco. Aconteceu uma epidemia de diagnosticos. Muita gente neurodivergente na mesma sala. Sobrou para quem? Que além de controlar o ambiente, tem que passar o conteudo e ainda por cima bancar, dentre outras coisas, o/a assistente social.

  11. ‘Cada vez mais frequentes os relatos de professores fadigados.’ Não diz nada. Urb deve ter algo como 2 mil professores municipais. Como em todo lugar há os que esperam o mundo acabar em barranco para morrer escorados. Há os que batem cartão e cumprem o minimo. E os que carregam piano. Vamos combinar que o pessoal do barranco também pode dizer que estão fatigados. Não são seres ‘inocentes’ que cairam de Marte.

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