Caminho Livre

Sobre voos, delegações e amigos no avião – por Bianca Pereira, em trânsito

Meninas da dupla de vôlei de praia egípcia que disputou a Olimpíada estava...
Meninas da dupla de vôlei de praia egípcia que disputou a Olimpíada estava…

Minha jornada começou no ônibus de Santa Maria para Porto Alegre. Viajem tranquila, ônibus direto, muito choro na saída e o coração apertado. Como foi numa segunda,  meus pais não puderam ir à Porto Alegre como havíamos pensado. A despedida seria em Santa Maria mesmo e na rodoviária.

Minha garganta apertou já na saída de casa antes de ir almoçar. A ideia de não sair do carro, de ficar no restaurante, de voltar para casa e para minha cama passou várias vezes pela minha cabeça; mas da mesma forma que encaro a dor de uma nova tatuagem encarei isso também – me xingando mentalmente pelas minhas próprias decisões. “Foi tua ideia sua louca, agora aguenta”, “ninguém está te forçando, morde a língua que passa”, “será que eu ainda lembro toda a letra de Snuff do Slipknot e quantas vezes consigo pensar em toda ela, sem errar, até isso acabar?”. Não tenho a mínima ideia de porque essa música sempre aparece na minha cabeça quando preciso desviar a atenção para outra coisa, porém ela ajuda, todas as vezes.

A viagem de Porto Alegre para São Paulo foi a mais tranquila. Nenhum atraso, aeroporto fácil de se achar e com delegações de vários países indo embora. Sim, encontrei a delegação do Vietnã na fila para o detector de metais. Quando foi minha vez de passar eles já haviam se perdido no mar de gente e diferentes portões. Para minha surpresa não foi a única. Egito, Togo e Camarões iriam no mesmo voo que eu!

Me preparei mentalmente para ir dar oi e testar o inglês até que vi uma menina se aproximar da dupla de vôlei feminino do Egito (aquelas mesmas da foto que virou notícia por elas estarem usando um burkini e as alemãs o biquíni já comum no vôlei feminino – Doaa Elghobashy e Nada Meawad) e o, provavelmente, treinador delas afastar a menina com gentileza e reagrupar o pessoal. Passei o restante do tempo pensando se levantaria e tentaria falar com elas mesmo assim ou se o conforto da cadeira e dos meus próprios pensamentos me seguraria lá até o embarque. E esquecendo que sou uma comunicadora curiosa por saber sobre tudo e todos, fiquei na minha cadeira só observando.

Me deem um desconto, passei uma noite praticamente em claro antes da viagem, não fechei os olhos no ônibus nem no primeiro avião, estava tão cansada que me forcei a comer, pois nem fome sentia. Me perdi em pensamentos sobre diferenças culturais e perguntas sobre quando conseguiria dormir e deixei escapar a oportunidade de, talvez, ser afastada gentilmente da dupla de vôlei. Depois que entrei no avião vi apenas dois atletas do Togo que dormiram a viagem inteira.

A viagem de São Paulo para o aeroporto de Bole em Addis Abeba foi a mais longa, mais de 10h de viagem, com uma escala em Lomé (capital do Togo). Além das sonecas desconfortáveis e dos lanches saborosos, fiz amizade com as duas pessoas sentadas ao meu lado. Uma era brasileira, 24 anos, e indo para o Japão. Já havia morado por 10 anos lá (o pai trabalhou no país) e estava voltando para ver os amigos. O outro era um menino sírio que não deve ter mais de 20 anos. Entendia mais o português que o inglês, mas entre gestos, portunhol e francês (que ele falava fluentemente) nos entendemos e concordamos que a comida era boa, nos perguntamos como as pessoas conseguiam dormir tanto, brincamos com o irmão menor dele e fizemos comentários sobre os filmes e jogos disponíveis nas telas individuais do avião. Não tiramos fotos, e não falamos sobre política e assuntos difíceis, apenas conversamos e tentamos deixar a longa viagem menos cansativa.

...voltando pra casa, assim como o atleta de Camarões. Todos no mesmo voo
…voltando pra casa, assim como o atleta de Camarões. Todos no mesmo voo

Já o aeroporto de Bole é o caos. Foi lá que começou meu surto de pânico com direito a mais reclamações mentais e repetições da mesma música (em duas horas de espera repeti Snuff mais de 10 vezes sem errar). Os números dos portões não importavam, a equipe do aeroporto apenas grita a cidade de destino pelo espaço tumultuado e barulhento. Te respondem na língua natal e não em inglês, por mais óbvio que seja que entendem o que é falado. Quase perdi o voo, apesar de perguntar constantemente a mesma coisa para várias pessoas. O voo de Addis Ababa para Nova Delhi não ajudou o meu humor nem minhas primeiras impressões. Seis horas e meia de viagem em um avião pequeno, pessoas grossas e um cheiro de suor e pimenta.

As aeromoças estavam sempre de cara feia e eram grosseiras ao falar inglês. Os passageiros não seguiam regras e levantavam assim que o sinal de apertar os cintos aparecia, pediam comidas, bebidas e temperos e guardavam tudo na mala ao invés de comer na hora e fingiam que não era com eles quando as aeromoças chamavam a atenção. Tentei dormir o máximo do voo para não me desesperar mais. Só queria a minha cama, a minha mãe e dormir em posição fetal. Coloquei o travesseiro na cara para não sentir o cheiro, os fones para não escutar mais nada e fechei os olhos. Foram as seis horas mais longas da minha vida.

O aeroporto em Nova Delhi me mostrou outro lado, pessoas camaradas e sempre prontas para te ajudar e responder mil vezes a mesma pergunta até você entender que é na fila de guichês ao lado, que é no andar de cima e que a pronúncia do nome da cidade está errada (no estilo Hermione com é LeviÔsa, não LeviosÁ).

O voo para Chandigarh foi o mais rápido. Uma hora dentro do avião, sem turbulências nem cheiros estranhos. A chegada foi tranquila e estavam me esperando do lado de fora do aeroporto. O apartamento… bom, o apartamento é história para um outro texto.

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