Coluna

Controle paralelo – por Bianca Zasso

O ar que se respira dentro do presídio é diferente. É com esta frase que começa um dos documentários mais necessários dos últimos tempos. A ideia de Central, dirigido pela gaúcha Tatiana Sager, não é inovadora, mas sua abordagem ampla e sem medo de cutucar algumas feridas ainda abertas é.

Entrar naquele que já foi considerado o pior presídio do Brasil, localizado em Porto Alegre, é descobrir um universo paralelo que permeia a vida de todos, inclusive os que estão fora dele, tema que a diretora já havia abordado no curta O Poder Entre as Grades, uma espécie de prévia do que seria Central.

Apesar de ter sido finalizado em 2015, Central chega aos cinemas justamente num ano que começou com crise no sistema carcerário. No primeiro dia de 2017, um massacre num presídio de Manaus terminou com 56 presos mortos e colocou em pauta, mais uma vez, a escolha de nossos governantes por dar prioridade a encher celas ao invés de pensar a condição de quem se encontra atrás das grades. Se há uma coisa que os depoimentos colhidos por Tatiana e sua equipe deixam claro é que cadeias cheias ajudam a manter também cheios vários cofres, inclusive os públicos.

A primeira questão que Central nos apresenta é o visual. Não precisa ser nenhum especialista em saúde pública para saber que as condições em que vivem cerca de cinco mil apenados são precárias. Esgoto à céu aberto, algumas celas sem banheiros e que abrigam mais de vinte homens onde caberiam apenas cinco. Tatiana colocou câmeras nas mãos de alguns deles para ter um retrato mais íntimos das chamadas galerias. Os escolhidos para ocuparem a função de cinegrafistas, com certeza, passaram pelo crivo do chefe, que não é nem da Brigada Militar, nem do poder judiciário, mas sim o dono da facção.

Tornar pública a falta de condições estruturais é simples. Mas Central quer esclarecer os desavisados, habitantes de alguma bolha, que há todo um sistema, muito bem organizado, por sinal, que traça o cotidiano do crime dentro e fora dos muros do presídio. A prostituição e o tráfico que ocorrem nas bocas de fumo nos mais diversos pontos da capital gaúcha obedecem ordens que vêm de dentro do central. Armas de alto calibre, drogas e muito dinheiro rolam pelos corredores. E todos têm consciência disso. Inclusive quem deveria, por lógica, coibir essas práticas.

Carcereiros, policiais, juízes e até presos de outras penitenciárias do estado giram em torno dos “grandões” do central. Segurança é pauta que garante votos e ela só terá sentido se o clima for de tensão entre os eleitores. Aumentar presídios elege. Reabilitar quem vive nele cala qualquer candidato. E será assim por muito tempo. Não há esperança de novos ares no sistema carcerário. Continuará sendo difícil respirar dentro do central.

Central

Ano: 2017

Direção: Tatiana Sager

Em cartaz nos cinemas

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