Coluna

Encare de frente – por Bianca Zasso

Tão importante quanto a estreia de um cineasta é o seu filme derradeiro. Os recém chegados costumam atrair todos os olhares, a novidade tem um imã poderoso. A curiosidade grita e tentamos desvendar o que o novo talento tem a oferecer. Despedir-se é algo mais complexo. O último rastro que deixamos neste planeta fica na memória de quem dividiu conosco os minutos finais.

Quando De Olhos Bem Fechados chegou aos cinemas, seu diretor, Stanley Kubrick, não estava mais vivo. Logo, paira o mistério sobre quais seriam suas respostas para as diversas críticas recebidas pelo filme que foi fracasso de bilheteria, mas esteve na boca dos cinéfilos por semanas à fio.

A história, que gira em torno do casal Alice e Bill, interpretados pelo então casal sensação de Hollywood Nicole Kidman e Tom Cruise, surge na tela provocadora, com Alice circulando nua pelo quarto do casal enquanto escolhe o vestido que irá usar numa festa luxuosa. E luxo não falta em De Olhos Bem Fechados. Os protagonistas moram numa casa confortável, decorada com obras de arte e a cereja do bolo é uma filha linda, educada e estudiosa.

Tudo está no seu lugar. E como tudo que parece alinhado ao extremo, está descontrolado. Alice é sedução em estado puro. Kubrick não mede esforços para que a luz reforce ainda mais a pele alva de Kidman e torne seus gestos ainda mais insinuantes. A atriz, na época ainda com poucos papéis de relevância dramática no currículo, consegue hipnotizar o espectador. Seu tom de voz, os movimentos da boca, seu choro e seu riso prendem nossos olhos na cena. Apaixonado por Alice, o público é então levado pela mão por Bill por um caminho bem menos erótico.

Perturbado com a declaração da esposa sobre o desejo de traí-lo, o médico que circula pelos melhores endereços de Nova York embarca por ruas sombrias, cai na conversa de prostitutas e chega no auge ao fazer de tudo para participar de uma suposta orgia secreta. Ele consegue o endereço, a senha para entrar, manda abrir uma loja para comprar uma fantasia. Tudo indica que teremos muitas cenas quentes e a realização de fantasias quem nem o próprio Bill sabia que tinha.

Kubrick, sempre genial, quebra a taça de cristal na nossa cara e deixa os cacos e o sangue escorrer. O clima na mansão é mais de ritual macabro que de orgia. Os facilmente excitáveis podem até achar sensual moças nuas e mascaradas, mas a atmosfera construída por Kubrick, seus travellings lentos, a trilha sonora marcante, nos mostram que ali há muito mais que um grupo buscando prazer. Há culpa. Há medo. Com capa e máscara é muito mais fácil realizar desejos. E muito mais covarde.

Dizer que De Olhos Bem Fechados é um filme sobre infidelidade é algo simplório demais para uma obra que pode ser admirada por vários ângulos sem perder o encanto. Quase 20 anos após seu lançamento, ainda há muitos “filmes” dentro do filme para serem descobertos. E, a cada revisão, os tons amarelados e azulados da fotografia, a perseguição traçada pela câmera, acompanhando silenciosa os personagens e o frio nova-iorquino que parece entrar na alma de cada um que surge em cena continuam significativos e digno de aplausos.

Há quem afirme que é o trabalho mais fraco de Kubrick. Mas uma fraqueza kubrickana é muito superior a qualquer acerto de principiante. Mas exige coragem, assim como beijar de olhos abertos. Encarar de frente é para os fortes.

De Olhos Bem Fechados (Eyes Wide Shut)

Ano:1999

Direção: Stanley Kubrick

Disponível em DVD, Blu-Ray e na plataforma Netflix até o dia 1º de Maio

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