Até onde Bolsonaro vai esticar a corda no caso das “vacinas das crianças”? – por Carlos Wagner
A bronca que está resultando na “consulta pública” para decidir sobre o caso
Sem correr o risco de exagerar. O presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), está tentando boicotar a “vacina das crianças”. A expressão foi cunhada pelos noticiários para definir o imunizante da Pfizer liberado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o uso em crianças de cinco a 11 anos.
A liberação era esperada com grande expectativa pelos pais desde setembro, quando começaram a ser vacinados os adolescentes dos 12 aos 17 anos. E chega em um momento muito oportuno, porque está circulando a ômicron, uma variante nova da Covid-19 que surgiu na África do Sul e se espalhou pelo mundo.
Ninguém esperava que o presidente mandasse o seu ministro da Saúde, o cardiologista Marcelo Queiroga, complicar as coisas, dificultando o trâmite normal da compra do imunizante. Não depois do que aconteceu em 2020, o ano que a Covid iniciou a matança de mais de 600 mil brasileiros e teve sua ação facilitada pelo negacionismo de Bolsonaro em relação ao poder de contaminação e letalidade do vírus.
Na época, foi graças às lambanças do governo que em agosto de 2020 foram rejeitadas duas ofertas de vacinas: uma de 70 milhões de doses da farmacêutica Pfizer e outra de 60 milhões da CoronaVac, oferecidas pelo Instituto Butantan, fabricada em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac.
As rejeições à compra das vacinas provocaram dois efeitos: o primeiro foi a abertura de um espaço no governo para que uma quadrilha formada por militares, pastores, empresários, agiotas e oportunistas de todos os calibres tentasse intermediar a compra de vacinas. E o segundo foi o consequente atraso da vacinação e a sua realização a conta-gotas, criando um ambiente em que as pessoas rezavam para chegar a sua vez de se vacinar antes de serem contaminadas pelo vírus.
Houve cenas que nunca mais os brasileiros vão esquecer, como o colapso dos sistemas de saúde público e privado, a morte de pacientes por asfixia devido a falta de oxigênio hospitalar em Manaus (AM) e no interior do Pará, centenas de pessoas enterradas em covas coletivas e outros absurdos, como as experiências ilegais feitas em pacientes com o uso das medicações sem efeito contra o vírus fornecidas pelo Kit Covid, que foram conduzidas pela Prevent Senior, um plano de saúde de São Paulo.
Tudo que aconteceu resultou no indiciamento de 68 pessoas, inclusive o presidente Bolsonaro, por uma dezena de crimes no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 do Senado, a CPI da Covid.
Em muito contribuíram para esses acontecimentos o então ministro da Saúde e general da ativa do Exército Eduardo Pazuello. Ele ficou famoso nas redações dos noticiários ao colocar um ponto final em um desentendimento que teve com Bolsonaro dizendo: “Uns mandam e outros obedecem”. No caso, ele obedeceu e transformou o negacionismo do presidente em política de governo.
Pazuello foi demitido no último mês de março porque se tornou símbolo nacional da incompetência na administração do ministério. Ele é especializado em logística e nunca entendeu nada da área médica. Foi substituído por Queiroga, que é médico.
Nos três primeiros meses na Saúde, o novo ministro conseguiu se equilibrar no fio da navalha entre as exigências do presidente pela continuação das políticas negacionistas em relação ao vírus e a pressão da sociedade, incluindo a CPI da Covid, de seguir a ciência no combate à pandemia.
Em setembro, Queiroga desceu do fio da navalha e postou-se ao lado do presidente. Desde então tem sido o executor das políticas negacionistas governamentais. No caso do episódio da vacina das crianças, Bolsonaro disse em uma live que divulgaria os nomes dos funcionários da Anvisa que liberaram a vacina. Um absurdo que beira o delírio. Tanto que indignou todo mundo, inclusive o diretor-presidente da Anvisa, o médico e oficial da Marinha Antônio Barra Torres.
Queiroga disse que a inclusão do imunizante da Pfizer para as crianças dependeria de vários estudos que o seu ministério iria fazer. Estava empurrado o caso com a barriga para ganhar tempo e, com isso, ficar bem com o presidente. Pouco se lixando para a agonia dos pais em vacinar os seus filhos.
Na sexta-feira (17/12), o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu 48 horas para o governo explicar o que está acontecendo com a história da vacina. A Advocacia-Geral da União deverá dar as explicações ao ministro durante a semana. Enquanto isso, Queiroga anunciou uma reunião no próximo dia 5 para encaminhar o assunto da vacinação das crianças.
Aqui é o seguinte. Queiroga é médico e, portanto, sabe que cada segundo no meio de uma pandemia conta. Daí a pressa dos pais em vacinarem os seus filhos, como já aconteceu em vários outros países, entre eles os Estados Unidos. E todas aquelas pessoas que gravitam ao redor do presidente sabem que ele está perdendo votos às pencas diariamente para os seus adversários nas eleições de 2022.
Não é preciso ser especialista em estratégia política para entender a antipatia que representa perante a sociedade a tentativa de boicotar a vacina das crianças. Isso significa a perda de algumas centenas de votos por parte de Bolsonaro.
Conversei com colegas da cobertura política. Não existe consenso entre nós jornalistas. Mas há um número significativo e qualificado de colegas que acreditam que os bolsonaristas “raiz” não têm votos suficientes para levar o seu candidato para disputar a reeleição no segundo turno.
Pelas pesquisas de intenção de votos de hoje (19/12), a disputa será entre o atual presidente e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP), que é o favorito. Tenho dito para os colegas que o presidente da República não fala esse monte de maluquices da boca para fora. Ele acredita nelas.
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(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.
SOBRE O AUTOR: Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.
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