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O crescimento do desmatamento de norte a sul – por Marta Tocchetto

No Rio Grande, a área desmatada, em apenas um ano, chega a 455 hectares

A área desmatada ilegalmente no Rio Grande em apenas um ano é de, aproximadamente, 455 campos de futebol e não para de crescer.

Recentemente, o Instituto Geral de Perícias (IGP-RS) divulgou um estudo baseado em 172 laudos periciais produzidos pela Seção Ambiental do órgão, no período de setembro de 2021 a setembro de 2022. A investigação revelou que a área desmatada ilegalmente no estado é de aproximadamente, 455 hectares. Considerando que um campo de futebol tem 1 hectare, o desmatamento ilegal corresponde a 455 campos de futebol em apenas 1 ano!

Em três anos, a pesquisa documentou um crescimento de 187 %. Traduzindo o percentual para campos de futebol, em três anos foi desmatada ilegalmente uma área correspondente a 1000 campos de futebol. Os números são assustadores e demonstram que o desmatamento acontece e cresce não apenas na Amazônia. O desmatamento ocorre de norte a sul com apetite voraz e desmedido. A Mata Atlântica é a que apresentou o maior número de agressões e de destruição contínuas no Rio Grande do Sul.

Não é difícil imaginar e projetar as graves consequências dessas ações devastadoras provocadas exclusivamente pelo homem. É irônico que o mesmo homem que se queixa da falta de chuva e dos prejuízos causados à produção é o que provoca e agrava os sérios riscos, desconsiderando-os ou negando-os, apesar das evidências cada vez mais cristalinas.

As justificativas apresentadas pelos infratores para os atos praticados são: expansão das áreas agrícolas e desconhecimento da legislação. Em relação ao crescente desmatamento ilegal em zonas urbanas, as explicações residem sobre a expansão habitacional, seja por descumprimento da legislação seja pela ocupação irregular.

A expansão de áreas habitacionais é também suscetível à especulação imobiliária. Semana passada foi à votação na Câmara de Vereadores de Santa Maria uma proposta para alteração do plano diretor. A pretensão era possibilitar a construção em áreas de morros. A proposta no mínimo indecente, vai no sentido contrário às urgentes medidas de proteção dessas áreas, considerando a grave crise climática que assola o Planeta e Santa Maria não está fora dele, ao contrário, a cidade é parte desse grande sistema vivo em que tudo está conectado.

O verão nem chegou e as altas temperaturas têm tornado os dias dos santa-marienses escaldantes. Chuvas praticamente inexistentes. Combinação que sinaliza riscos de seca e de estiagem evidentes e crescentes. Os sinais não ficam atrás dos evidenciados nos últimos anos.

Inacreditável que a cidade conhecida como Santa Maria da Boca do Monte negligencie seus morros e suas áreas de preservação. As justificativas para a alteração se basearam na regularização de áreas ocupadas ilegalmente, na geração de empregos e no desenvolvimento do setor da construção civil. A expressiva mobilização da comunidade sensibilizou 14 vereadores que votaram contra a proposta que não beneficia a coletividade e confunde desenvolvimento com destruição.

Ações contra o meio ambiente e ao nosso principal capital, o natural, cresceram nos últimos quatro anos chancelados, principalmente, pelo governo federal que desarticulou os órgãos de controle, desacreditou e subestimou a legislação e os estudos científicos abrindo a porteira para que a boiada passasse atropelando tudo o que encontrasse pela frente. Parando apenas ante aos interesses individuais ou de grupos que só se importam com o lucro a qualquer custo, independente do grau de destruição causado.

A destruição promovida pelo desmatamento ilegal tem altos custos. O estudo promovido pelo IGP-RS, considerando a Lei dos Crimes Ambientais, lei 9605/1998 determinou que o prejuízo financeiro para o estado é de, aproximadamente 144 milhões de reais. É sabido que a restauração dessas áreas e da biodiversidade custará ainda mais. A sequência de ações de destruição vai deixando feridas e cicatrizes, muitas vezes, incuráveis, irreparáveis. Irreversíveis!

O município de Caraá foi o recordista do desmatamento ilegal, aproximadamente 60 hectares. Em seguida, vieram Pinhal da Serra e Vacaria. Destaca-se também Lagoa Vermelha, todos localizados na região Nordeste do Rio Grande do Sul.  A terra desnudada clama por misericórdia, mas os desmatadores são insaciáveis e implacáveis.

A culpa do agravamento climático não é de São Pedro, tampouco explica-se como um fenômeno natural. Sem matas não há água e nem regularidade de chuvas. O cenário atual exige muito mais do que ações de reservação ou de irrigação. É preciso pensar e agir para proteger as áreas de preservação e as nascentes para que a água, que é essencial para vida não se torne cada vez mais rara e escassa, inviabilizando a sobrevivência da espécie humana e das demais formas de vida.

O verão nem chegou de fato, mas as altas temperaturas têm dado sinais incontestáveis de que teremos sérios problemas de água e que uma nova estiagem não será surpresa para os gaúchos. Ela tem acompanhado o Rio Grande do Sul cada ano com mais frequência e mais intensidade. Um novo padrão de agricultura e de desenvolvimento são urgentes para o enfrentamento das mudanças climáticas causadas por práticas humanas insustentáveis.

O desmatamento ilegal no país é mais um ingrediente para o agravamento das desigualdades e da injustiça social provocadas pelas alterações climáticas. Ao encerrar o último artigo de 2022, agradeço a companhia de todos os leitores e leitoras. Desejo que 2023 seja um ano de esperança, amor e de maiores cuidados com o meio ambiente. Um Natal de muita felicidade e de muita luz a todos e a todas. Saúde! Viva a vida!

(*) Marta Tocchetto é Professora Titular aposentada do Departamento de Química da UFSM. É Doutora em Engenharia, na área de Ciência dos Materiais. Foi responsável pela implantação da Coleta Seletiva Solidária na UFSM e ganhadora do Prêmio Pioneiras da Ecologia 2017, concedido pela Assembleia Legislativa gaúcha. Marta Tocchetto, que também é palestrante em diversos eventos nacionais e internacionais, escreve neste espaço às terças-feiras.

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Um Comentário

  1. Area do RS é superior a 28 mil hectares. Truquezinho que a imprensa gosta tanto de inflar os numeros só funciona com trouxas. O clima planetario, obvio, não se resolve em SM (que sempre foi quente no verão e, devido a falta de umidade, esta mais suportavel) . Estamos sob a influencia do La Niña. Ventos no Pacifico fazem aflorar a agua fria que modifica o regime de chuvas no continente. ‘expressiva mobilização da comunidade’ é coisa de uma bolha, grande maioria ignorou o assunto. Basta perguntar na rua. Existe uma pegadinha na regularização de areas ocupadas ilegalmente (justamente pelos problemas sociais): cada vez que acontece incentiva novas invasões, inclusive de pessoas que não são do municipio. A solução atrai mais problemas. Realocação é palavra proibida, as coisas acontecem a revelia dos planos e são acomodadas. Resumo da opera: gente pouco racional gosta de apelos emocionais; vermelhos vão sempre pela negação, proibição, etc. Há que se incentivar o plantio de arvores. Coisa que a finada ‘A Razão’ fazia todo ano, se lembro bem.

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